Introdução
Vital Lacerda é um designer que gosto muito. Primeiro porque acho que trabalha muito bem os temas de seus jogos, não só através da estética impecável de Ian O'toole, mas também nas escolhas de suas mecânicas que fazem sempre muito sentido no processo de abstração dos jogadores.
Segundo, pois acho que o designer consegue imprimir personalidade nos seus jogos como poucos. Quem já jogou um ou dois de seus designs, saberá sempre quando estará diante de um Vital. E depois de fugir um pouco de suas características com Escape Plan, On Mars traz de volta o Vital raiz com tudo que o designer tem pra oferecer do seu portfólio, sem faltar é claro, ações executivas.
Tempo é o principal recurso a ser gerenciado em On Mars
Conforme disse anteriormente, Vital dificilmente erra nas suas escolhas de mecânicas e On Mars vem recheado de acertos. Apesar do jogo ter um caráter sandbox, podemos resumi-lo essencialmente em um jogo de seleção de ações, com alocação de trabalhadores com gerenciamento de recursos. Porém a forma que isso se dá é simplesmente genial.
Primeiramente temos um tabuleiro dividido em duas áreas para a escolha de suas ações, algumas dessas necessitando a alocação de seus trabalhadores. Do lado
esquerdo temos a órbita, onde basicamente você executa ações como coleta de recursos, desenvolvimento de tecnologias, e aquisição de plantas de construções avançadas. Basicamente é onde você se prepara e se abastece, um setup para as ações que você pode escolher do lado
direito do tabuleiro, que representa a área de atividades executadas na superfície de Marte. Aqui você realiza construções, pilota seus veículos e robôs, recebe naves no seu hangar, recruta cientistas etc... e a primeira sacada genial de On Mars vem justamente nesse deslocamento dos jogadores entre um lado e outro do tabuleiro. Isso porque os jogadores não precisam estar simultaneamente em órbita ou na superfície de Marte, e a principio, só dar pra ir de um lado pro outro pegando "carona" num onibus espacial que se desloca somente em um sentido, vale dizer aqui também que nesse trajeto se define a ordem de turno sendo 1 a 4 no espaço da órbita e 5 a 8 no lado da superfície de marte, isso significa que se por exemplo, alguém optar por não utilizar o ônibus para mudar de Marte para a órbita, ficará pelo menos 3 rodadas sem acesso as ações do lado da órbita e preso em uma determinada ordem de turno. Mais um detalhe importante nesse deslocamento, você basicamente só recupera seus trabalhadores alocados e ativa sua produção de recursos ao chegar em um dos lados. Uma viagem (ou ausência dela) mal planejada pode gerar turnos bem fracos para os jogadores.
Dessa forma, tempo é um dos principais recursos a ser administrado em On Mars, calcular a hora de viajar entre a órbita e Marte é vital e o timing no jogo é elemento crucial.
Um ecossistema interligado
Citei brevemente a questão das construções anteriormente e precisamos voltar a elas. Primeiro para entender as sutilezas temáticas de On Mars. Apesar da importância da gestão do tempo, há outros recursos que devemos nos preocupar durante a colonização do planeta vermelho. Há seis recursos básicos que estão interconectados em sua gestão e produção: trabalhadores que são necessário para produzir minério que é necessário para gerar energia que é necessária para geração de água que é necessária para cultivo de plantas que são necessárias para a produção de oxigênio que por sua vez é necessário para a sobrevivência de seus trabalhadores (fechando assim um ciclo).
Desse jeito, com os recursos necessários, você executa as construções (tile placement) que vão dando forma, e literalmente VIDA, à colônia de Marte. Vida essa medida na LSS (Life System Support) que é um medidor de avanço do jogo. Para a colônia subir de nível, ela necessita de determinados tipos de construções, e fornece recompensas para o primeiro que constrói algo que ela pede em um determinado momento, além disso sempre que a colônia sobe de nível o jogo ganha um "refresh" nos seus escassos recursos, tecnologias e blueprints. Dessa forma todos os jogadores tem um grande objetivo em comum que é desenvolver esse primeiro ajuntamento marciano.
Porém, para realizar essas construções é necessário ter a tecnologia disponível e no nível adequado, essas tecnologias são medidas no player board dos jogadores e obtê-las é uma ação, como falei anteriormente, a ser realizada na órbita de Marte, e aqui tá mais uma sacada genial do Vital colocando em prática uma de suas marcas registradas que é a interação colaborativa. Ao ser adquirida uma tecnologia por um jogador, ela passa a estar disponível para toda a mesa, ou melhor, para toda colônia, no entanto, se a sua tecnologia for utilizada por alguém você é recompensado por isso. Ou seja, apesar de ser um jogo competitivo ele tem cooperação presente em quase todo seu tempo, e a maioria das ações realizadas impactam de forma encadeada na dinâmica do jogo. Uma partida de On Mars trata-se de construir um grande ecossistema no planeta vermelho onde todas ações estão interligadas.
Executive Actions Building
E se tem algo que não pode faltar nos designs do Vital Lacerda são as já famosas ações executivas, que são ações extras que se pode fazer no seu turno e em On Mars eu diria que elas são protagonistas. Pois o sucesso da sua otimização está diretamente ligada na quantidade e ações executivas que você conseguirá liberar diminuindo dessa forma a sua limitação de ações. Da mesma forma que já conheci jogos com Deck Building, Pool Building, Tableu Building, eu diria que On Mars inaugura uma nova mecânica, a Executive Actions Building.
Durante um turno de On Mars você tem duas ações para executar. Uma principal escolhida do lado que seu astronauta se encontra no tabuleiro, e uma ação executiva que necessita de um sétimo recurso que não falei até agora que são os cristais. O problema é que seu cardápio de ações executivas é bastante limitado no início, tendo apenas duas disponíveis (pegar um recurso ou andar com o robô), porém isso pode ganhar uma enorme quantidade e variedade conforme o planejamento de cada jogador. Receber naves no seu hangar por exemplo destravam novas ações executivas, e permitem que o jogador utilize essas naves para viajar entre órbita e Marte fora do timing pré estabelecido do ônibus espacial. (No entanto tais naves são extremamente limitadas).
Mas o incremento desse motor de ações executivas se dá principalmente no Upgrade de suas construções. Para fazer upgrade de construções é necessário primeiro ter as plantas desses edifícios (conseguidas em uma ação de órbita) no entanto, tudo em On Mars é uma questão de comprometimento com a Colônia, ao pegar uma planta você se compromete a construir aquele edificio em um dos tiles ou conjunto de tiles já disponíveis na mesa. Caso não consiga sofrerá uma penalidade na pontuação final. O Ponto é que ao executar essas melhorias de edificios você além de garantir pontuação por contribuir com o ajuntamento, também libera poderosas ações executivas que podem agora ser utilizadas pelo jogador que as liberou ao custo de 2 cristais, OU (e vamos mais uma vez pra um elemento muito bem sacado de On Mars) por um cientista do mesmo tipo daquela construção. O lance é que só existe um cientista de cada especialidade e caso você tenha construções avançadas de energia e algum outro jogador possua o cientista especialista em energia, aquelas suas ações executivas se tornam disponiveis para o jogador que controla o cientista também. Para isso basta ele alocar o cientista em uma das suas cartas, o lado positivo disso, é que enquanto o cientista dele estiver alocado em um de seus prédios, a ação se torna gratuita para você também.

Conclusão
Joguei até agora sete partidas de On Mars, e me sinto seguro pra dizer que se tornou, na minha opinião, o melhor jogo do portfólio de Vital Lacerda. O aspecto colaborativo aumenta a imersão no tema sem prejudicar a questão da competitividade do jogo. A gestão das escolhas, principalmente relacionadas ao timing de suas ações, que estão diretamente ligada às decisões de suas viagens entre Marte e a órbita, mantém a tensão nas alturas mesmo com a forte interação cooperativa, transformando On Mars em um jogo de economia apertada mas ao mesmo tempo indulgente. O fato de praticamente todas as ações dos jogadores gerarem consequências para a partida faz com que cada escolha tenha uma alta dose de profundidade e seja muito bem planejada. On Mars é ambicioso e bem sucedido.

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