Introdução
Em
análise recente, escrevi sobre a multiplicidade dos jogos de tabuleiro. De como eles conseguem se desdobrar em diferentes experiências, seja construindo narrativas, levantando questões, recriando simulações de recortes históricos, educando, desafiando lógica e matematicamente através de complexos quebra cabeças, entre outras facetas.
Uma vocação porém, é primordial, eu diria até mesmo primal, está enraizada na sua essência, que é o simples e nobre propósito de divertir. Jogos foram concebidos como atividades lúdicas, porém, quanto mais se aprofunda no hobbie, percebo que há uma tendência de distanciamento desse aspecto, do simples propósito de encontrar um momento de diversão. Por transitar muito em mesas de não jogadores, ou jogadores mais casuais, e mesas com jogadores já muito habituados ao hobbie, percebo uma enorme diferença em como as pesoas absorvem as experiências. Enquanto o pessoal mais casual simplesmente senta a mesa pra brincar, a galera mais experiente parece que está quase sempre tentando analisar o jogo, quebrar o seu "código" de mecanismos por trás dos componentes, onde estão os acertos e principalmente as falhas daquele design. E digo isso porque eu próprio já me peguei por inúmeras vezes, sendo esse tipo de jogador, atravessando uma jornada de quem entrou no hobbie encantado com a chacina descompromissada de um zombicide para alguém que joga uma partida de um euro qualquer analisando o indice de rejogabilidade por conta de setup variavel ou outro argumento qualquer.
Não que eu veja algum problema nesse olhar crítico, como disse, muitas vezes eu mesmo não consigo mais controlar rss... a questão se encontra quando você perde a capacidade de jogar para simplesmente se divertir, de encarar aquilo como de fato é, uma brincadeira.
Resgate do Lúdico
Cosmic Frog resetou em mim o sentimento de montar um jogo para brincar. Resgatou o aspecto lúdico do Hobbie, que apesar de não considerar que estivesse perdido, vinha se enfraquecendo para essa postura de experiências mais analíticas (podemos dizer assim). E acho que o tema do jogo foi a isca principal para isso.
Quando soube de um jogo sobre Sapos cósmicos de 3 kilometros de altura que se alimenta de fragmentos de planetas destruídos, engolindo e armazenando-os no seu esofago, para depois vomitá-los (respeitando um puzzle específico) em uma espécie de reconstrução de planetas individuais, eu logo pensei, eu preciso brincar disso. Acrescente a essa viagem louca, inúmeros poderes variados que seus sapos podem encarnar, desde vampirismo até controlar a mente de outros anfibios gigantes, e uma arte lindamente psicodélica. Foi humanamente impossível ficar indiferente ao se ter contato com a existência desse jogo rss...
Não pense que sua vida será fácil e que o jogo se resumirá num pick up and delievery de ficar saltitando de terreno em terreno e montando seus mundinhos. O Cosmos é um lugar onde o girino chora e a mãe sapo não vê. O couro come no espaço e a competição é acirrada. A maior parte de um fragmento de planeta morto é inútil, e são poucos os terrenos com algum tipo de ecossistema vivo (florestas, pantanos, montanhas, etc...) que servem de algo para a construção de um novo mundo, por isso é bom ter cuidado ao passear com pedaços de mundo no seu esofago, pois a qualquer momento um sapo gigante pode socar sua barriga para que você ponha tudo pra fora e roubar o que estava guardado na sua garganta. A interação se faz presente e ela é bem conflituosa. E principalmente, ela é mais um componente do elemento mais presente em Cosmic Frog. O CAOS
Esse é o fator que pode ser o calcanhar de aquiles para muitos jogadores mas que paradoxalmente é o que constrói o talento do jogo, a sua natureza caótica.
O Caos divertido
Cosmic Frog se constrói sobre incertezas, e podemos enumerar as formas que iremos lidar com elas durante uma partida:
A começar pelos próprios sapos, conforme disse anteriormente, há poderes variados que definem suas personalidades, todos muito fortes, você pode inclusive manter essas habilidades escondidas dos outros jogadores e somente revelá-las no momento que achar oportuno ou provocando um enorme fator surpresa, no entanto não há a garantia que eles permaneçam por muito tempo, mutações genéticas podem lhe pegar desprevinido ou até mesmo uma surra pode ser forte o suficiente para lhe jogar para outras dimensões e provocar alterações.
Por falar em combate, esse é outro fator que pode detrminar rumos numa partida, a mecanica é muito simples, as cartas de poderes tem valores que definem o tipo de dados rolados para os sapos quando brigam em solo ou flutuando pelo éter, a diferença dessas rolagens determinam o perdedor e o tamanho do recuo que ele sofre ao ser atingido. Simples, objetivo e divertido. Esse recuo pode jogá-lo do fragmento de planeta para o Éter (ou o esoaço propriamente dito) e caso já esteja no Éter pode fazer com que os sapos recuem para dimensões paralelas. Ao cair nessas dimensões, não só permitem que os sapos sofram mutações como já citei anteriormente como deixam o seu planeta já construído exposto para incursões e saques.
Por fim e mais importante, Cosmic Frog lança mão de uma mecânica que no início me assustou bastante confesso, que é o deck de turnos. Nele não existe uma ordem pré definida de turnos, em vez disso, há um baralho com o mesmo número de cartas para cada jogador que vão sendo viradas e definindo a ordem de cada um, dessa forma, existe a possibilidade de uma pessoa jogar 5 vezes seguidas e depois não ter mais ações naquele round enquanto os outros jogadores que ficaram impossibilitados de fazer algo nessa sequência avassaladora podem revezar turnos com um sapo agora indefeso.
Meu medo com relação a essa mecânica terminou no início da primeira partida, inclusive achei genial e perfeitamente ajustada ao jogo, a tensão na iminência de se revelar uma nova carta só acrescenta mais diversão ao jogo que acaba se equilibrando por todos terem o mesmo número de ações na rodada.
Poderíamos terminar por aqui, mas esse baralho revela ainda mais surpresas, uma delas é a mutação ao acaso que já citei anteriormente (que é representada por uma carta no meio das dos jogadores) e uma outra carta são de impactos no fragmento de mundo, meteoros que podem inclusive cair na cabeça do seu sapo a abrir buracos no terreno já escasso de vida. Esses impactos além de "encolher" o tabuleiro, podem trigar um final imediato de jogo, inclusive com alguem jogando mais turnos que outros jogadores, sem choro nem vela então é bom ficar atento a essa "aleatoriedade" para não ser pego de surpresa (kkkkk)
Conclusão
O importante é saber que você nunca terá controle total do que acontece em Cosmic Frog e isso simplesmente NÃO FAZ A MENOR DIFERENÇA. O que importa aqui são as emoções que o jogo suscita: A antecipação a cada carta virada é um momento preso no tempo, quem irá jogar e de que forma. O Oportunismo de saquear o "loot" de sapos rivais indefesos perdidos em dimensões paralelas, a vingança de reivindicar o que é seu, a inveja de ver um sapo se transformar em algo que você gostaria, tudo em cosmic frog pode ser intenso, se essa for a vontade dos jogadores, se esse for o espírito que eles querem encarar essa experiência.
Claro que há sempre a possibilidade do jogo parar numa mesa de jogadores "experientes" ou acostumados a mecanismos de construções solitárias, focados somente em seu desempenho individual que focarão no seu cultivo de terra cósmica, fugindo da interação e talvez se frustrando com um ou outro fator de aleatoriedade.
Dificilmente eu entro no detalhe das regras pra trazer minhas opiniões sobre o jogo, mas há uma específica aqui que não pode ser negligenciada. Grande parte dessa aleatoriedade caótica pode ser administrada no jogo. Cada sapo possui uma energia interna chamada oomph, representada por seis cristais no seu estomago, a gestão desse recurso, permite que você melhore rolagens, amplie seus turnos, impeça mutações, entre outras coisas.
Cosmic Frog não propõe uma aleatoriedade avulsa, mas sim o caos para ser administrado.
Voltando a minha introdução, Cosmic Frog trouxe para mim o resgate do fator lúdico para os jogos, porque no final das contas, aleatoriedade e ausencia de controle não importam quando o simples objetivo é a diversão, é se entregar a brincadeira e a fantasia de um universo fantástico onde sapos cósmicos saem no tapa pra devorar um pedaço de mundo.
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