A Multiplicidade dos board games
Jogos de tabuleiro compõe um universo fascinante, oferecendo um espectro quase infinito de experiências, eles podem ter apenas o propósito de divertir, ou de lançar desafios lógicos em uma sequência de causa e efeito através de suas mecânicas intrincadas. Há jogos que carregam narrativas, como livros, mas que vão se revelando através das decisões dos jogadores. Essas narrativas podem ser pré definidas como em jogos como Gloomhaven, ou podem ter sua história contada no desenrolar de uma partida, como os diferentes caminhos e alianças que serão construídos pelas tribos afegãs quando pax pamir vai à mesa.
E geralmente, dentro dessa última possibilidade apontada, quando um jogo constrói sua história através das ações dos jogadores, muitas vezes ele se propõe a passar uma mensagem.
São muitas as experiências proporcionadas pelos jogos modernos, mas se equivoca quem acha que um design tem obrigatoriamente apenas uma dessas vocações e The Cost é a prova disso.
Temas que carregam mensagens
The Cost é sobre a indústria de amianto (também conhecido como asbesto), um mineral amplamente utilizado em materiais de construção em diversos países como Brasil, EUA, India, China, Rússia, e que precisa ser extraído da natureza e depois refinado para seu uso final. Seria um tema somente inusitado para mais um jogo econômico se não fosse o fato dessa indústria ser responsável pela morte de dezenas de milhares de pessoas todos os anos nos países que é regulamentado (40 mil mortes por ano só nos EUA). Isso porque o amianto é extremamente cancerígeno simplesmente por ter partículas inaladas em seus processos de mineração e refinamento, além de estar atrelado a outras diversas complicações respiratórias.
Ainda assim, temas delicados não são novidades no universo dos board games, Freedom, traz a mesa a questão da escravidão colocando os jogadores no papel de abolicionistas se utilizando da famosa rede de ajuda Underground Railroad, que promovia a emancipação de escravos. Kolejka, lança seu desafio ao colocar as pessoas no papel de cidadãos poloneses enfrentando sua difícil rotina pós guerra em um regime socialista de subsídio ineficiente para a população. O problema em The Cost, é a perspectiva que Armando Canales (o designer) propõe. Dessa vez, encarnamos o papel do agressor, somos donos de empresas de Amianto que buscarão como único objetivo no jogo a extração bruta de lucros.
É aqui que começa a engenhosidade do designer de the cost, de enfrentar uma questão de frente, passar uma mensagem , através da elaboração de mecanismos que construam um jogo auto suficiente em seus desafios econômicos e logísticos, mas costurando o tema não em componentes ou cartas verborrágicas, e sim nas decisões dos jogadores.
O Custo
Dependendo do número de jogadores (2 a 4) entra no jogo a mesma quantidade de tabuleiros, que representam países fictícios onde o comércio de amianto é regulado. Ao longo de quatro rodadas relativamente rápidas, as empresas competirão para investir e operar esse mercado, construindo infraestrutura como rodovias, minas e refinarias e fazendo os melhores negócios de acordo com o alinhamento político de cada país. Sempre tendo que se preocupar atentamente com a concorrência.
O processo é constituído pelas seguintes etapas, primeiramente é necessário extrair as fibras brutas de amianto nas minas, há mercado para esse amianto bruto mas o lucro maior está no material refinado, por isso, uma segunda etapa é transportar esse material até refinarias para depois dar um fim comercial no produto, que pode ser o abastecimento interno do próprio país onde foi produzido ou de países vizinhos ou até mesmo de mercados emergentes. Lembre-se que para isso, é necessário antes a construção de toda essa infraestrutura, trilhos, minas, refinarias, e claro, trabalhadores.
O desafio econômico de the cost começa na escolha do país que os jogadores desejam investir. Cada país tem sua própria moeda, com subsídios e taxas de cambio flutuantes conforme as empresas investem lá. Parecem conceitos complexos mas Canales é genial em tornar tudo muito direto e intuitivo. The cost tem um fluxo muito gostoso de jogar e fácil de assimilar. O ponto que importa aqui é,mesmo num jogo relativamente curto a necessidade de planejamento futuro é primordial, pois se você pretende investir no país X precisa se planejar economicamente no turno anterior, pegando subsidios daquele governo aproveitando taxas de cambio favoráveis.
A medida que a infra-estrutura começa a aparecer (ferrovias, portos, minas, etc..) é que the cost lança mão de suas questões. Para produzir amianto há a necessidade de trabalhadores, e quanto mais trabalhadores estiverem empenhados na tarefa, mais valioso será o amianto produzido (representado pelo pip do dado) ou seja, se 4 trabalhadores foram recrutados, teremos um amianto de valor 4. E é aqui que The Cost faz sua pergunta mais importante:
Como você pretende pagar a operação de suas fábricas? Você pode optar por ter todos os custos de segurança pagando 2 unidades da moeda local para cada trabalhador recrutado, cada vez que você opera uma mina ou refinaria ( e acreditem em mim quando digo que isso é uma quantia ENORME de dinheiro) suas opções então ficam por contratar menos trabalhadores e oeprar de forma segura na produção de amianto menos valioso, ou investir um caminhão de dinheiro produzindo um material de qualidade mas sacrificando bastante seu lucro, ou não gastar nada trabalhando de forma não segura e arcar com os custos de sua operação através das proprias vidas de seus trabalhadores. Nessa última opção, um dos seus trabalhadores morre, você não tem custo nenhum e produz o amianto de melhor qualidade possível, praticamente não há desvantagens, os trabalhadores sacrificados vão se empilhando no board da sua empresa até o final do jogo sem deixar que você perca a conta de quantas vidas custaram o lucro do seu negócio, mas também para adicionar custo extra do seguro as familias, mortos ou não, eles serão uma demanda de custo a cada rodada (que sempre pode ser negligenciado).
No entanto, casos de morte nos países, geram repercussões negativas e pressões sociais para que o mercado seja desrregulamentado. No início esse efeito é insignificante, o mercado de amianto diminui, mas suas estruturas seguem funcionando a todo vapor. No entando The Cost é um jogo apertado por disputa de um mercado em comum, e pode ser que não demore muito para mais empresas estarem explorando aquele país de forma brutal como você, entricheirando seu jogo e desrregulamentando de forma definitiva o amianto naquele local. Caso isso aconteça tudo que foi investido ali é simplesmente perdido. Ferrovias, minas, toda sua máquina economica é completamente perdida sem ter o que você faça e sem tempo hábil para se recuperar e criar outra estrutura eficiente num novo país.
Conclusão
No final da partida, haverá um vencedor, sendo aquele que mais conseguiu lucrar nas quatro rodadas, como um simples jogo econômico. No entanto a mensagem estará impressa na mesa. O custo da vitória sempre se materializa como assunto, por mais que ele seja esquecido durante o desafio matemático na construção de seus engines. Amando Canales foi brilhante, sua intenção não é de causar mal estar nos jogadores ou fazer com que eles se sintam vilões o tempo todo. Ele basicamente fez um jogo excelente e desafiador, que ilustra uma mensagem, imoral e antiética, pra chamar a atenção a um assunto extremamente importante em escala global.
Foram 27 novos títulos que conheci lançados em 2020 até aqui, pretento conhecer mais uma meia dúzia só pra fazer um top 10 consistente, porque dificilmente algum outro jogo roubará o título de The Cost no topo de melhor de 2020 com folgas.
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