Introdução:
Root chegou em terras tupiniquins e provavelmente todos já ao menos ouviram falar sobre ele. Isso na teoria, o derruba vertiginosamente na lista de prioridades de análises desse canal. Tento, no pouco tempo que tenho, falar sobre jogos que ainda não aterrisaram por aqui ou que dificilmente darão as caras. Root no entanto merece a exceção. Afinal esse é pra mim o melhor jogo de 2018 e também, mesmo estando ainda em julho, o de 2019. Indo ainda um pouco além, Root é um dos jogos mais marcantes e revolucionários de sua geração. Uma obra-prima.
Provavelmente receberei algumas caras feias já nesse primeiro parágrafo. Alguns podem entender como uma afronta aos clássicos antigos, alguns talvez achem o jogo “quebrado” por enxergarem um desbalanço entre as facções. Mesmo sendo argumentos válidos e quase verdadeiros, sustento minha afirmação, pois nem sempre a genialidade leva tempo para se tornar evidente e nem todo jogo é feito para ser balanceado. E desde de setembro do ano passado que coloquei minha cópia desse jogo na mesa, tive certeza que Root era algo especial.
Um ecossistema composto por mecâncicas, tema e narrativa
Como de costume, e principalmente para esse jogo, não vou gastar o meu ou o seu tempo descrevendo as regras de Root (sigo no mantra, melhor lugar para ler regras é no manual rs). Há vários motivos para achar Root um excelente jogo, seja sobre como suas mecânicas assimétricas são um primor de design ou sua arte e seus componentes são incrivelmente icônicos e bem construídos, gritando aos ouvidos de quem os olha - ME JOGUE. É também significativo e importante dizer que Root é extremamente bem escrito, construído e desenvolvido e tudo isso, individualmente, é suficiente para defini-lo como um dos melhores jogos que já joguei. Mas há uma grande razão para que Root seja um marco nos Board games modernos.
Primeiro vale por luz na capacidade de Cole Wehrle conseguir destilar de forma tão refinada, um conceito tão intrincado e sempre acompanhado de uma grande complexidade de regras. Ele conseguiu transformar o sistema de Contra Insurgência (COIN) dos wargames históricos, extremamente nichados e inacessíveis, em um objeto de desejo hypado até por jogadores relativamente mais casuais, isso é genial num ponto que é difícil descrever. E parte dessa adequação só foi possível por conta de outro feito genial do designer, ele conseguiu construir um mundo de forma tão competente, que seu tema ganha vida ao incorporar as mecânicas do jogo. E a palavra Tema aqui é realmente bem aplicada, pois ele salta da mesa fazendo muito mais do que somente nos apresentar um cenário, um ambiente para uma experiência solitária de raciocínio lógico e matemático. E faz isso retratando um momento específico desse universo ao nos apresentar Root. Tudo faz sentido, inclusive o desequilíbrio entre as facções, e isso revela uma beleza sem precedentes, basta perceber que o sistema do jogo até então (COIN), só havia sido aplicado em grandes e complexos momentos de conflitos históricos. E em Root, Cole Wehrle consegue aplicar isso em um universo lúdico contando uma história interessante e bem amarrada.
Os gatos:
No universo que passamos a conhecer, A floresta parece se encontrar em um momento politicamente conturbado onde uma tensão entre diferentes forças, tornam o confronto eminente. Como todo wargame COIN que se preze, a força opressora e contra insurgente representada na Marquise de Cat vem exercendo o controle de Woodland através de seu poderio marcial e do desenvolvimento industrial e econômico.
Mais difícil do que chegar no poder é se manter nele. E é isso que forças contra insurgentes buscam nos jogos de sistema COIN desde a primeira rodada. A presença numerosa no tabuleiro é contraposta com o fato de se tornarem o alvo mais óbvio e por isso Ganhar com os gatos não é tarefa fácil em mesas mais inexperientes.
Root não é um jogo solitário, há um fator político necessário e o table talk entre as facções faz parte da estratégia vencedora, a articulação dos jogadores Marquise precisa ser ainda mais desenvolvida, pois dificilmente a força opressora tem facilidade em compor alianças com tanta presença na mesa no início das partidas.
Os pássaros:
Em um canto da floresta, um poder dinástico destituído tenta se reorganizar para retomar o controle de Woodland. No entanto, precisam lidar com sua própria burocracia e forma de organização, se articulando através de decretos oficiais que vão se tornando uma grande lista de promessas do líder atual e que precisam ser executados ao pé da letra para não causar agitação e até mesmo a deposição desse líder da facção. Em resumo, a tradição pesada da antiga casta real compromete sua eficiência a longo prazo.
Os pássaros são a ameaça mais imediata aos gatos no início do jogo, e são a facção que começa a limpeza dos bichanos no tabuleiro. O confronto imediato e óbvio no início de cada partida será sempre entre o velho e o novo poder dominante.
A Aliança:
Porém, há sussurros na floresta e o povo oprimido entre esse embate de poderes começa a articular uma rebelião literalmente invisível no início de cada partida. A aliança das criaturas oprimidas de woodland (coelhos, ratos, raposas) começa o jogo sem uma única peça no tabuleiro. Na verdade eles estão de alguma forma lá. Trabalhando nas serralherias, sempre servindo como base explorada dos poderes vigentes. Porém se articulando sorrateiramente uma explosiva rebelião. Aos poucos a aliança vai se arrastando pelo tabuleiro, cartas viram apoiadores que vão gerando simpatia à causa em cada clareira,
O que pode parecer insignificante à primeira vista, (o custo da simpatia à causa para as demais facções é muito baixo sendo um mero descarte de carta para quem entrar nesses espaços) se torna incontrolável. Com os apoiadores e a simpatia corretas, a Aliança incendeia a floresta em uma Revolução galopante. Guilhotinas e manifestos se tornam cenário de um levante e o que era só uma idelogia invisível passa a ter uma força militar própria que espalha o caos nas clareiras num processo de ganhar cada vez mais força e poder em uma progressão acelerada.
A Aliança é uma força diametralmente oposta aos gatos, os insurgentes buscam sempre aumentar seu poderio e ganhar força enquanto o governo busca um jeito de se manter no poder oprimindo essa escala revolucionária. Também ao contrário dos gatos, a aliança é a facção mais vitoriosa em mesas inexperientes, pois ela passa a ganhar uma força difícil de ser controlada geralmente em momentos onde pássaros e gatos já estão combalidos por lutarem entre si, abrindo espaço para a insurgência.
Jogos COIN são feitos para serem desequilibrados, e ao contrário do que muitos acostumados a euros solitários, cooperativos ou possam imaginar, isso não torna o jogo quebrado. É uma adeuqação ao tema que permite que a experiência de cada facção seja realmente vivida em cada partida, e para mudar o rumo da história ou "quebrar o desequilíbrio" é preciso uma articulação política dos jogadores, Uma forma de enxergar além do óbvio, de ser capaz de promover as interações mais benéficas para cada um no timing correto.
O errante:
E como se não bastasse, temos ainda um personagem fantástico nesse universo. O Vagabond. Alheio à forças militares, o Vagabond é um errante, um solitário que se esgueira pela floresta cumprindo seus próprios objetivos a bel-prazer. No entanto, para isso, o Vagabundo precisa de equipamentos produzidos pelas outras facções e isso faz dele um dos papéis mais diplomáticos do jogo, tornando - o um intruso crucial nos acontecimentos da floresta. Mais importante, ele é um brincalhão, tão facilmente esquecido que ele pode, sozinho, arrastar uma facção de volta da derota iminente à beira da vitória.
O Jogador de Vagabond é um grande ponto de interrogação. Podendo agir como fator de desequilíbrio para alguma outra facção e até mesmo formar coalizões para compartilhar uma possível vitória por dominância. Cabe ao Vagabond, mais do que qualquer outra facção, uma leitura geral da floresta entendendo a forma mais produtiva de interagir com os outros jogadores. Uma simples ação sua pode desequilbrar completamente o andamento do jogo.
Não vou entrar nas demais facções do jogo que vem com a expansão, mas o importante é dizer que a experiência de root varia ABSURDAMENTE de acordo com quais facções entram em jogo. Isso porque um jogo fundamentado na interação dos jogadores, sofre mudanças drásticas quando estes entram em cena com uma assimetria tão forte e bem escrita.
Uma floresta para ser explorada através de suas raízes
E a genialidade de Root está justamente aqui. Primeiro, conforme falei, em transformar um sistema tão complexo em algo acessível ao público que nao está acostumado com o nicho dos wargames, mas principalemnte no grau de sofisticação como faz isso. Desde a capacidade de simplificação das regras até a construção do tema através da construção não só das mecânicas de cada facção, mas primordialmente na forma que promove a interação entre elas. Root deixa de ser somente a construção e um jogo pra dar vida a uma narrativa através. As diferenças mecânicas e de jogabilidade aqui são fundadas nos temas que cada facção representa, temas que descrevem diferentes aspectos da participação em conflitos políticos, militares e ideológicos.. Construindo do nada um mundo novo de forma lúdica, complexa dramática e brutal.
E diferente da maioria dos jogos que podem se tornar repetitivos conforme vêem mesa, Root fica cada vez melhor a cada partida e a cada experiência adquirida pelos jogadores Não só pela melhor compreensão entre as possíveis interações, mas também pela maior capacidade de envolvimento com essa narrativa. Através da repetição; triunfos, fracassos e oportunidades são cada vez mais compreendidos como parte integrante da identidade e filosofia de cada facção, os Eesse mundo às vezes charmoso, às vezes brutal, ganha vida aos olhos dos jogadores e é mágico. À medida que esses jogadores se tornam veteranos, esse maravilhoso senso de descoberta é superado por uma compreensão gradual dos intrincados caminhos, trajetórias e fluxo desse jogo. Ele se torna internalizado a cada partida , e aí esse tema da luta pelo poder em Woodlands, essa história inventada, desse momento inventado, respira novamente.
Ouvi esses dias, em algum dos muitos grupos de whatsapp, de alguém que defende a posição de ser um jogo " quebrado" que Root foi "feito para ser assimétrico" e parei pra pensar o quão enviezada pelos gêneros mais comuns de jogos, essa visão me parece ser. Diferente dos demais jogos, ameritrashes e euros com as mecãnicas de diferentes poderes por jogador, a assimetria de Root está ali para ir muito mais além do que criar uma rejogabilidade ou uma variação de objetivos e caminhos de vitória. A assimetria está lá pra circunscrever a história, é só mais um elemento nessa intrínseca construção de design, e é isso que torna Root uma obra prima pra mim. Todas as interações que as conexões entre mecânicas e tema promovem, como tudo está interligado pra formar um ecossistema único, vivo e cheio de nuances. Tudo isso com uma simplicidade de regras e um tempo de jogo na medida certa. A magia de Root está literalmente em suas raízes, no universo genialmente funcional, construído abaixo da superfície que faz esse jogo rodar de uma forma única e dificilmente alcançada.
Epílogo:
Ainda vejo muita gente comparando Root com Vast, mas para mim a única coisa que eles tem em comum é mecânica de diferentes poderes. São experiências completamente diferentes e no caso de Vast sem muito sucesso sendo um jog passável (na minha opinião). Cheguei a começar a escrever sobre a diferença entre os dois mas acho que isso precisa ficar para outro texto se não essa análise não vai ter fim rs,
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