Menara significa "torre" em malaio
Nunca tinha ouvido falar de Menara até que apareceu um anúncio aqui na ludo. Pesquisei um pouco e descobri que é o filho único do designer Oliver Ritchberg. A premissa? Um jogo de destreza cooperativo com algumas decisões "eurogamisticas".
Jogos de destreza não são lá minha praia, muito mais por falta de habilidade manual do que por falta de interesse. Porém, ao ler sobre o jogo, pensei que poderia se tratar de uma oportunidade única de adicionar à coleção um jogo interessantíssimo e muito original (falei um pouco sobre originalidade na discussão do meu texto sobre Ilha dos Gatos-Tetris e acho que em Menara este termo está muito bem empregado). Enfim, comprei-o. Será que valeu a pena? (pulem o TL;DR se quiserem manter o suspense rs).
Quero saber sobre o jogo antes que tudo desmoroneeeeeeeee (TL;DR)
Menara é um jogo sensacional. Delicioso ao que se propõe: um desafio de destreza cooperativo, em que problemas inerentes a este tipo de jogo (alpha player, por exemplo) inexistem. Não se engane: há muito mais jogo aqui do que um reles "equilibrar de peças bonito" e, sim, há muito mais tensão também. Se você quer um jogo original, único, que foge do lugar comum, mas ainda assim trás uma sensação de se estar jogando um euro cooperativo, Menara é o jogo.
A polêmica antes das regras
Ao pesquisar sobre o jogo descobri que foram 23 anos da sua concepção ao lançamento: é um trabalho apaixonado do autor de primeira viagem Oliver Ritchberg (aqui tem um texto interessante sobre este processo de criação). A polêmica é que em suas ideias iniciais, em que o jogo ainda era competitivo, o autor apresentou-o a sua editora, que conduziu o processo em banho maria. Algum tempo depois, Oliver se surpreendeu com o lançamento do então futuro ganhador do Spiel des Jahres de 2002: Villa Paletti. A surpresa está relacionada ao fato de que este jogo se parece em vários aspectos com o Menara (a própria editora reconhece alguma inspiração nas ideias de Oliver).
Por um lado isso é muito triste, mas por outro este processo foi essencial para que o autor focasse em mudanças no jogo e, após conhecer Pandemic, tomar a decisão de torná-lo cooperativo: algo que, ao meu ver, transformou um jogo que poderia ser considerado apenas bom, em uma experiência excelente.
Menara: 23 anos para a criação de um jogo único
A complicada escolha da próxima tarefa
Menara é muito simples em seu propósito: é um jogo abstrato (a explicação do tema é tão bizarra que até já esqueci dela) em que devemos, cooperativamente, construir uma estrutura, atingir um determinado número de andares e sustentá-los até que o jogo termine. Nesta missão temos dois componentes a nossa disposição: pequenos tabuleiros em formatos totalmente não-convencionais que representam os pavimentos dos andares e peças cilíndricas de madeira que representam as colunas, e que vão efetivamente sustentar tais assoalhos. É bom frisar que os pavimentos possuem indicações do lugar em que cada coluna deve ser colocada e qual a cor da coluna a ser utilizada (as peças de coluna contém cores que representam a sua raridade no jogo).
No começo da partida, definimos qual o nível de dificuldade a ser batido. O que muda é: a quantidade de andares que a estrutura precisa ter e a quantidade de colunas que cada jogador iniciará cada turno. Aleatoriamente, três pavimentos são colocados na mesa e os jogadores recebem suas colunas sorteadas de um saco.
Os turnos são bem simples: na sua vez, você compra e revela uma carta de uma de três pilhas de tarefas: fáceis, médias e difíceis. Exemplos: "colocar 2 colunas em um ou mais pavimentos" (fácil), "colocar 3 colunas no mesmo pavimento" (média) ou "mover um pavimento com todas as suas colunas para um pavimento superior" (
fodeu díficil).
Tudo caminhando bem depois de uma série de tarefas fáceis
A seguir, você deve executá-la. Se não conseguir, por algum impedimento (exemplo: "não existe nenhum pavimento único para colocar as tais 3 colunas") ou se não desejar por achá-la muito difícil, pode decidir encerrar sua vez. Este processo é ruim para objetivo final do time: cada tarefa não concluída aumenta em um andar a altura necessária para a vitória.
Durante o execução da tarefa, você pode notar que um pavimento está com todas as suas colunas preenchidas; neste momento, o turno é interrompido e um novo pavimento deve ser colocado sobre as colunas, formando um novo andar.
Ainda há um banco de colunas disponíveis para você realizar trocas e aumentar um pouco o controle de quais colunas você possui, mas, em suma, este é o jogo: vamos alternando turnos até que uma das seguintes situações ocorra: acabarem as colunas, os pisos ou as cartas de missão: neste ponto ocorre a verificação se o andar alvo da missão foi atingido; se sim, vitória. Se não, fracasso. Ah, outra forma de fracasso (e bem provável) é que tudo desabe mesmo.
"- Não tem como isso parar em pé, tem?"
Eu gosto muito de ficar tenso em jogos de tabuleiro. Um dos meus jogos preferidos (e que devo escrever futuramente) é o Letters from the Whitechapel. É muito comum eu sair com a camiseta pingando do suor gerado pela tensão que passei ao tentar não ter meu Jack, o estripador, descoberto pela polícia (a propósito: o meu Jack sempre é descoberto).
Menara gera o mesmo sentimento e vou tentar explicar o porquê. Começando pela escolha da tarefa da rodada.
Tá fácil tirar esta coluna, viu?
Este é um ponto crucial e parte fundamental da cooperação do jogo já que, ao comprar uma carta que não pode ser cumprida, o objetivo final se complica, então é muito importante escolher corretamente qual o nível de dificuldade daquela rodada. O fator surpresa da revelação da carta sempre gera ansiedade e é um alívio encontrar uma missão simples quando se está com a estrutura bem capenga (veja as fotos e você vai entender o que quero dizer por "capenga"). Alguns podem considerar que há um fator sorte neste ponto: eu considero isso uma verdade nas primeiras partidas em que não conhecemos todas as tarefas; depois, acredito que passe a ser mais um gerenciamento de risco, já que passamos a entender melhor a probabilidade de cada tarefa ser comprada em cada um dos níveis de dificuldade.
Outro ponto importante na compra das tarefas: os decks de cada tipo são limitados e, para conseguir chegar no andar alvo da missão, é inevitável que você tenha que comprar de todos os níveis de dificuldade. Este aspecto gera decisões muito interessantes no decorrer da partida.
A seguir, vem a discussão de como devemos cumprir a tarefa comprada. "Coloca essa coluna aqui, ó". "Não, não, ai vai desabar, tenta desse lado". Somos engenheiros do caos tentando manter uma torre totalmente desequilibrada e assimétrica em pé.
Contudo, apesar de tensos, estes passos estão longe de serem tão tensos quanto o ato de colocação da coluna e dos pavimentos. Neste ponto, saímos do modo cooperativo e é apenas o jogador da vez que atua. Este é o aspecto de destreza, em que você vai efetivamente colocar as colunas no lugar desejado e não pode contar com auxílio de ninguém. Amigas, pensem em momentos tensos em que tremer e suar frio são experiências muito comuns!
O término da colocação gera um sentimento de alívio reconfortante (ou de decepção se tudo desmoronar). Não me entendam mal se fiz parecer todo o processo ruim. Para mim, a rodada gera aquele friozinho na barriga gostoso: a tensão na medida certa.
Falando em acertos, outro acerto é o equilíbrio preciso entre a cooperação e a atividade individual: em Menara é impossível um jogador tomar a rédea das ações (um ponto negativo em muitos outros jogos cooperativos). Embora na discussão de onde colocar a peça isso possa ocorrer, quem vai colocá-la é o jogador da vez: é ele quem vai efetivamente por as mãos na massa.
Finalmente, a sensação de ter contribuído para a belíssima construção ao final da partida é muito agradável; uma pena que nem sempre isso acontece conosco já que a torre desmorona mais do que fica em pé por aqui!
Menara não é nada bonito não, imagina!
"- Não quero mais jogar, fico muito ansiosa"
Como mencionei, não vejo a tensão gerada com negativa, mas reconheço quem sinta isso e, por experiência própria, já tomamos a decisão de não repetir a partida porque a minha esposa estava muito ansiosa da partida anterior. No caso, mais até do que o fator emocional em si, creio que o problema são os sintomas gerados: taquicardia, suor e tremedeira são muito comuns nas partidas!
Outro "problema" relacionado a este é o fato de que este jogo não combina muito com bebidas alcóolicas. Se você, como eu, gosta de jogar tomando um vinho ou uma cervejinha, repense; este jogo é como aquelas bulas de remédio tarja preta que dizem "evite dirigir ou operar máquinas se estiver tomando este medicamento". Jogar bebendo é um convite para vários desmoronamentos (talvez esse não seja um ponto tão negativo assim já que até isso é divertido de presenciar).
Finalmente, o jogo pode ser bem difícil e, embora isso me agrade, pode afastar jogadores mais casuais ou ansiosos (rs) pela vitória.
O começo de um sonho...
...deu tudo errado
A vitória (ou não) depois da tremedeira
Escrever este texto só me deixou com vontade de colocar o jogo na mesa novamente. É uma das melhores surpresas que já tive em jogos de tabuleiro nos últimos anos: original, divertido e tenso, tudo na medida certa. Além disso, é lindo e extremamente desafiador, podendo entreter por horas e horas a fio.
Veredito: mantenho na coleção. Não consigo imaginar nenhum jogo parecido com Menara, ele é único, o que o fará permanecer, talvez, eternamente por aqui.