Essen 2015: minha primeira compra
Lembro-me como se fosse hoje: a minha primeira e única visita à maior feira de jogos do mundo: Essen, 2015. Recordo-me também de ter sido aconselhado por vários amigos mais experientes a fazer uma lista prévia de jogos e adquirir os mais desejados em pré-venda para evitar o risco de ficar sem. Pesquisei muito, fiz uma lista com uns 100 (desses, 85 aterrissaram em terras brazucas) e sai fazendo as reservas. A primeira reserva foi um jogo que trazia uma mecânica super inovadora: a chamada "bag building". Lembro-me como se fosse hoje: 4 da manhã no quarto do hotel e eu colando adesivos nos meeples da edição de luxo, organizando a expansão que veio junto e tentando entender se seria divertido na mesa: Orléans, o jogo dos sacos de meeples.
Compra logo esta opinião do saco (TL;DR)
Orléans é o jogo que popularizou o conceito de bag building e, por esta originalidade, merece ser conhecido. Entretanto, se considerarmos apenas a caixa base, não consigo vê-lo sendo jogado tantas vezes assim, em comparação com outros jogos do mesmo peso. A questão é: vale a pena investir em expansões? Eu penso que pelo menos uma se faz necessária, mas digo isso porque tenho um amor especial pelo jogo. Recomendo testá-lo antes do investimento e não se iludir com apenas 1 ou 2 partidas: o sentimento de jogá-lo várias vezes seguidas pode ir mudando e a surpresa com a originalidade pode migrar para a decepção da mesmice.
O saco, os meeples e as viagens
Orléans é um jogo bem tranquilo de se explicar e jogar. Classificaria-o como um jogo família: não vejo mais dificuldade de explicá-lo do que um Ticket to Ride, por exemplo. Vamos a uma visão geral:
Panorâmica: à primeira vista parece que vai ser difícil explicar tudo que está acontecendo
Todos os jogadores recebem um tabuleiro com vários conjuntos de ações disponíveis, um saco de pano e 4 meeples iniciais de cores diferentes (a edição normal vem com fichas ao invés de meeples de madeira). Estes meeples são trabalhadores das mais diversas categorias: temos o fazendeiro, o barqueiro, o artesão, o comerciante, o cavaleiro, o erudito e o monge.
O tabuleiro central do jogo contém duas áreas principais: um mapa repleto de cidades e conexões entre elas (em cada conexão, no setup, é disposta uma ou mais mercadorias) e uma área com diversas trilhas especializadas, uma relacionada a cada tipo de trabalhador.
O jogo todo vai girar em cima de um mesmo procedimento: os jogadores compram uma determinada quantidade de trabalhadores do saco e tem que alocá-los, simultaneamente, em seus tabuleiros individuais. Como mencionei, os tabuleiros possuem conjuntos de ações que só são ativadas se todos os trabalhadores dos tipos exigidos estiverem posicionados. A ideia é combiná-los para ganhar algum benefício, que normalmente consistem em: avançar em uma trilha do tabuleiro principal, ganhar o trabalhador e executar uma ação específica da trilha ou realizar uma ação no mapa das cidades (viajar ou construir uma guilda).
A sacada é que, para avançar em determinada trilha do tabuleiro, ganhar o trabalhador e a sua ação, são necessárias combinações de trabalhadores distintas. Então, por exemplo, se você quiser avançar na trilha do fazendeiro, precisa alocar um barqueiro e um artesão na "casa da fazenda" (veja as ações abaixo) do seu tabuleiro individual.
Assim que todos alocam seus trabalhadores, as ações são efetivamente realizadas (a maior parte pode ser feita simultaneamente; em apenas alguns casos é necessário respeitar a ordem do turno). A realização da ação consiste em devolver os trabalhadores usados para o saco, adicionando o recém adquirido se for o caso, avançar na trilha em questão e realizar a ação da trilha.
Trabalhadores alocados no meu tabuleiro: versão deluxe tem meeples muito bonitinhos!
A seguir uma descrição do que acontece em conjuntos de ações do seu tabuleiro:
- Casa da fazenda: recrute um fazendeiro, suba na sua respectiva trilha e ganhe um produto equivalente ao seu nível (quanto mais avançado na trilha, mais valioso o produto que você vai receber)
- Vilarejo: você escolhe uma das seguintes trilhas:
- Barqueiro: recrute um barqueiro, suba na sua respectiva trilha e ganhe dinheiro de acordo com sua posição nela
- Artesão: recrute um artesão, suba na sua respectiva trilha e ganhe uma ficha de tecnologia que deve ser adicionada ao seu tabuleiro pessoal. Esta ficha cobre o local de um trabalhador em determinada ação, ou seja, a partir de agora, você não precisará mais daquele trabalhador específico para fazer aquela ação
- Comerciante: recrute um comerciante, suba na sua respectiva trilha e ganhe uma construção. A construção é um novo local de ação que você vai ter, com inúmeros poderes e combinações de trabalhadores diferentes necessários para ativá-la
- Universidade: recrute um erudito, ganhe livros, de acordo com a sua posição na trilha (os livros são computados em uma trilha que possui alguns marcos, ao ultrapassá-los, você estará aumentando os pontos de vitória que fará ao término da partida)
- Castelo: aumente a quantidade de trabalhadores que você vai comprar do saco em cada turno
- Monastério: recrute um monge
- Navio: mova seu viajante no tabuleiro de cidades por meio de uma via fluvial
- Carroça: mova seu viajante no tabuleiro de cidades por meio de uma via terrestre
- Salão da guilda: construa uma guilda na cidade onde seu viajante está. As guildas só podem ser construídas onde não existam nenhuma outra guilda (exceto em Orléans, onde cada jogador pode ter uma construção)
- Scriptorium: ande na trilha de livros (a mesma que você subiu ao executar a ação da Universidade)
- Prefeitura: mande seus trabalhadores para o serviço público. Na prática, significa abrir mão do seu trabalhador pra sempre (afinal, ele precisa se dedicar para a comunidade local, certo?). Esta mecânica, além de gerar uma certa interação (veja abaixo), permite que você refine os trabalhadores do seu saco, já que, quando os manda para a comunidade, você os está descartando.
A prefeitura: tchau, meeplezinho querido
O turno termina com a resolução de um evento sorteado no começo (matar um trabalhador do seu saco ou pagar um tributo pela quantidade de mercadorias que você possui, por exemplo) e a partida se finda depois de 16 turnos.
A pontuação é calculada da seguinte maneira: cada mercadoria tem um valor em pontos (trigo vale 2, e seda vale 5, por exemplo) e cada jogador deve somar a quantidade de guildas construídas no mapa com a quantidade de fichas de cidadãos coletada (estas fichas estão distribuídas nas trilhas: quem chegar primeiro recolhe a ficha; e nas construções do tabuleiro da prefeitura, em que quem enviar o último trabalhador daquela construção, recolhe a ficha). Esta soma é multiplicada pelo valor de desenvolvimento alcançado na trilha dos livros (parece confuso explicando textualmente, mas é bem simples na prática). Quem tiver mais pontos de vitória, vence.
Originalidade e mesmice?
Deixe-me começar primeiro falando da originalidade da mecânica: sacar os meeples a cada turno e fazer uma análise do que a sorte vai permitir você fazer é muito legal. "- Ah, mas não é igual a um deck building, mas com meeples?" É sim, mas a sensação tátil inserida no processo de comprar do saco é muito bacana. Além disso, não consigo imaginar esta experiência alocando cartas, ao invés de fichas/meeples.
Então, salvo um engano gigantesco da minha parte, a primeira impressão que você vai ter ao jogar Orléans é de prazer ao constatar como o simples sorteio pode ser divertido e influenciar a sua estratégia, mas não a ponto de frustrá-lo.
Depois disso, na 3a ou 4a partidas, você vai enxergar algumas coisas mais profundas que podem ofuscar a tal da originalidade.
A primeira coisa é a baixa interação. Ela ocorre apenas nas viagens no mapa das cidades e na construção das guildas, ao enviar os trabalhadores para a prefeitura ou quando dois ou mais jogadores decidem avançar na mesma trilha para conquistar a sua ficha de cidadão. Parece muito, mas ao longo de 16 turnos, você vai notar que isso acontece apenas ocasionalmente. Neste sentido, partidas em 3 jogadores tendem a ser mais disputadas (e divertidas!) do que em 2 (não recomendo em 4, acho um pouco demais). Este tipo de interação, bem comum em outros euros, não incomoda a ponto de cancelar o jogo, mas, às vezes, nos faz perceber o quão repetitivo estão sendo nossos turnos, e isso sim é chato.
Outra coisa que prejudica é a falta de variedade da caixa base. O setup é bem chatinho de fazer e não há recompensa: a única coisa diferente que você vai fazer é distribuir aleatoriamente as mercadorias ao longo dos caminhos do mapa de cidades (e organizar as restantes!). Outra coisa que poderia variar são as construções, mas a regra padrão diz que todas sempre estão disponíveis para aquisição (para simplificar, jogamos com uma regra da casa que disponibiliza apenas 3 construções de cada nível por vez).
Setup: bem chatinho e a recompensa não é lá essas coisas
O resultado disso é que em muito pouco tempo você vai sentir que está jogando o mesmo jogo solitário de paciência, sorteando meeples e os alocando, como fez na última partida e, mesmo a sua estratégia, não vai variar muito de alguns poucos caminhos diferentes a percorrer.
O que faz de um jogo um clássico?
Recentemente, tive uma conversa a respeito deste tema. No momento, eu dizia que o jogo Mariposas era um tanto quanto repetitivo e fui questionado sobre o que isso significava, já que, em tese, Kingdom Builder também não tinha lá tanta variedade assim e eu
o coloquei no volume 1 da minha série de clássicos.
Matutei muito a este respeito, já que daria para dizer o mesmo de Orléans: o que o faz ser um jogo que me cansa logo e o que me faz já ter mais de 100 partidas (a maioria online, admito!) de Kingdom Builder?
Não sei se tenho uma resposta definitiva, já que, talvez, lá no âmago tudo se resume a uma questão muito pessoal e intuitiva. Porém, se precisasse responder, eu diria que são dois fatores: a importância das suas decisões no jogo e o quanto elas impactam nas decisões dos outros jogadores.
As viagens: o pouco de interação acontece aqui
Em Orléans, as suas decisões importam para determinar qual caminho estratégico você vai seguir, como em uma construção de baralho, você tem que optar: "quero avançar na fazenda e, portanto, recrutar mais fazendeiros ou focar em tecnologias e construtores?" Porém, estas decisões importam muito pouco para os demais jogadores. Em tese, faz muito pouca diferença para mim se você investiu na trilha A ou B. Eu vou fazer o mesmo ou não e, no final, tanto faz (existem momentos em que isso não é verdade, mas são raros ao longo de toda a experiência). Eis o que faz um clássico: todas as suas decisões importam para todos os jogadores em todos os momentos da partida!
Não acho que é o caso de Orléans.
Potencial e nostalgia
Orléans, porém, assim como Dominion, por exemplo, tem um potencial gigantesco de crescimento: não é a toa que já existem algumas expansões que alteram muitas coisas da jogabilidade. Sem me estender muito, cito a primeira expansão, Orléans: Invasion, que traz cenários solo, um modo cooperativo (!) e uma versão para dois jogadores, em que eles disputam por objetivos comuns, tornando a experiência bem mais interessante.
Vejo este potencial de "expansões infinitas" como um ponto positivo, mas, por outro lado, é necessário ter gostado do jogo base o suficiente para ter coragem de investir nestas novas compras.
Sempre que penso no jogo, me dá uma preguiça danada de colocá-lo na mesa, sortear todas as mercadorias, organizar os meeples (dependendo do número de jogadores, alguns ficam de fora). Depois, quando estamos jogando, o incômodo se alivia e sinto um prazer legal de ficar a mercê da sorte e tentar otimizar meus trabalhadores do saco. Ao término, me pergunto se devo ou não manter Orléans na coleção.
A verdade é que, embora não seja um jogo ruim, a sensação ao término da sessão é daquele jogo que não deixa muita história para contar.
Se for para ter na coleção, recomendo fortemente que seja com alguma expansão, caso contrário, corre-se o risco de se esgotar rapidamente.
Veredito: fica na coleção por nostalgia pura (que saudades de Essen! :3)
