Jogos de civilização me encantam
Quem me conhece sabe que jogos de civilização são os que mais me encantam e, embora não seja fã de todos (minha meia partida de Sid Meier's Civilization: The Board Game foi um porre - eu gostei de algumas coisas, mas não jogaria novamente), muitos deles figuram no meu top 10 de todos os tempos (Antiquity e Nations + Nations: Dynasties ocupam, 1o e 2o lugar, respectivamente).
Fiquei encantado, recentemente, em como o genial Bruno Cathala transformou a mecânica do dominó, adicionando pequenas variações e temas, nos jogos rápidos, leves e deliciosos, da sua série Kingdomino/Queendomino.
Portanto, quando soube que a Galápagos traria um jogo que mistura dominó com civilização, fiquei muito empolgado. Comprei-o assim que pude e já coloquei na mesa, passando-o na frente de outros muitos jogos que estão na fila da vergonha por aqui.
Será que valeu a pena?
Não consigo checar todas as maestrias, diz logo aí (TL;DR)
Dominations tem ideias muito legais. Em tese, é um jogo muito simples em que cada turno tende a ser jogado rapidamente. Entretanto, na prática, há alguns obstáculos que tornam os turnos mais árduos e cansativos (quase me arrependo de ter tido preguiça com o Praga). Consigo enxergar uma adaptação perfeita para o mundo digital já que umas das coisas mais extenuantes se refere ao fato de termos que verificar nossos poderes a habilidades a todo momento e de isso não estar disposto de uma maneira amigável na nossa frente (as cartas do Terraforming Mars, por exemplo, podem ser agrupadas por tipo, facilitando a consulta) - uma implementação em um BGA da vida resolveria isso e, acredito, faria o jogo mais palatável. Por outro lado, apesar deste grande porém, há alguns pontos muito positivos como a árvore tecnológica e a colaboração nos monumentos. Somando tudo isso, temos um jogo dúbio: divertido, porém cansativo. Vale a pena? Eu topo jogar mais vezes, mas não sei se o cansaço vai vencer o entusiasmo. Isso só o tempo irá dizer.
O triminó, os monumentos e as maestrias
Dominations é um jogo que tem civilização como tema, mas namora muito com o abstrato. É possível sim imaginar as civilizações e cidades se desenvolvendo, sendo que parte disso se deve aos monumentos tridimensionais que aumentam a imersão nesta temática. Porém, durante a partida sinto que o tema vai se esvaindo e o foco acaba sendo mesmo em combinar as melhores maestrias e colocar o seu triminó (já usaram este termo antes? Imagine um dominó triangular) no melhor lugar possível: entendam-me, isso não é demérito; é só uma observação para quem está procurando algo que remeta ao Civilization do PC: não é nada próximo disso.
Triminós e cidades: visualmente bem bacana
Não é tão complexo ensinar o jogo. Os jogadores vão jogar 3 eras, 5 turnos para cada era. No seu turno, você vai fazer:
a) obrigatoriamente: adicionar uma ficha de triminó na mesa, produzir o conhecimento e contabilizá-lo no seu tabuleiro pessoal
b) opcionalmente: construir uma cidade, colaborar na construção de um monumento ou aprimorar uma cidade já existente
c) opcionalmente: adquirir uma carta de maestria para a sua árvore tecnológica ou aprimorar uma já existente
Abaixo uma descrição mais completa de cada um destes passos (se estiver cansativo, pule para o tópico seguinte):
Primeiramente, você vai posicionar um triminó na mesa de forma a conectar um dos seus vértices a outra ficha. Cada ponta destes triminós possui uma cor, dentre 6 possíveis. Estas cores representam áreas de conhecimento (amarelo: comércio, vermelho: política, verde: ciência, laranja: ofícios, azul: arte e roxo: religião - esta é a única vez que você vai chamar o conhecimento pelo nome, depois você vai usar as cores mesmo). Ao colocar a peça, você ganha conhecimentos de acordo com as cores conectadas (se conectar 2 cores iguais você ganha mais conhecimento, e se fechar um círculo, produz todas as cores presentes).
A seguir, você tem uma decisão importante a tomar: você pode construir uma cidade em um deste triminós (as cidades aumentam o quanto de conhecimento você vai ganhar quando posicionar outro triminó por perto, além de te dar pontos de influência - mais sobre isso abaixo) ou investir na construção de um monumento.
Os monumentos são escolhidos pelos jogadores no início da partida: você recebe 2 cartas de monumentos e escolhe uma para participar do jogo, isto garante uma certa variedade nas partidas (e muita tristeza também: nunca consegui colocar a belíssima Muralha da China em jogo). Como mencionei acima, na sua vez, ao invés de investir na construção de uma cidade, você pode investir nos monumentos disponíveis.
Os monumentos possuem níveis de construção representado por cartas. Assim, quando você optar por construir, você está na verdade colaborando com a construção de um nível do monumento (a construção do primeiro nível dá ao jogador a opção de posicionar a ficha tridimensional do monumento na mesa). Cada um destes níveis costuma dar alguma vantagem para você: pontos de vitória, descontos em próximas construções, etc. No final da partida pode calhar de você precisar controlar algum monumento (ver objetivos abaixo). Este controle é verificado por quem possuir mais cartas de níveis de monumento somado às cidades que possui ao redor dele.
Monumento: a construção dos seus níveis é uma das interações interessantes do jogo
Além destas duas opções, você ainda pode evoluir uma cidade já existente, aumentando seu nível.
Tudo isso que mencionei custa conhecimento, o mesmo que você adquiriu na primeira etapa ao adicionar as fichas de triminó.
A construção e aprimoramento das cidades rende influência que é a forma encontrada pelo autor para simular uma guerra fria na partida: o jogador com mais influência ao término de cada era vai ganhar o benefício de aprender uma maestria de outro jogador.
Mas que diabos é "maestria"? É o nome dado a uma carta de tecnologia que você adquire na última etapa do seu turno. Para adquirir uma carta você precisa pagar conhecimento de acordo com a área da maestria. A questão é que existem muitas maestrias disponíveis: cada área de conhecimento possui 3 categorias, que custam: 3, 6 ou 9 conhecimentos (estas últimas, além do custo, ainda possuem um pré-requisito de possui outras maestrias para serem adquiridas). Dentro de cada categoria, existem 4 tipos de maestria para escolher, gerando um total de 72 maestrias em jogo! Apenas como exemplo, seguem as maestrias da cor verde:
- custo 3: navegação, matemática, calendário e sábios
- custo 6: engenharia, medicina, cartografia e ótica
- custo 9: astronomia, química, artífices e impressão
Além disso, há uma quebra-cabeças espacial neste momento: todas as cartas de maestria possuem cores nas suas laterais (as mesmas 6 cores usadas nos conhecimentos); para colocá-las na sua mesa, você precisa que elas sejam colocadas adjacentes a uma outra carta e que compartilhem a mesma cor nas suas laterais, ou seja, vermelho com vermelho, azul com azul, etc. Muitas das maestrias geram até um bônus por estas conexões (exemplo: ganhe 1 conhecimento toda vez que fizer uma ligação de verde com verde). Ah, e falou falar que cada maestria pode ser adquiridas em 4 variações diferentes: o que muda é a posição da cor na carta (exemplo: na pescaria uma das cartas tem o azul no topo, outra tem o azul na esquerda, outra na direita e assim sucessivamente). Isso porque, quando você coloca a maestria na sua árvore, não é permitido girar a carta, ela precisa estar sempre em pé.
Além de adquirir uma maestria, você pode optar por aprimorar uma que já possua, deixando seu poder ainda melhor (basta virar a carta e pagar o devido custo de conhecimento): se somarmos este novo poder às 72 cartas de maestria, temos 144 tipos de poderes diferentes!
Monumento construído: o tabuleiro fica bem bonito
Ufa, este é o seu turno.
Ao término da era, cada jogador computa quanto sobrou de cada área de conhecimento. Quem possuir mais conhecimento de cada área ganha o benefício (e pontos de vitória) de um personagem (exemplo: na sua vez, na próxima era, você pode posicionar 2 triminós no mesmo turno).
Ao término da 3a era, a partida termina. É hora de verificar quem cumpriu mais missões (no início do jogo você escolhe 1 entre 2 cartas de civilização que possuem várias missões, como, por exemplo: construa 10 cidades conectadas ou tenha no mínimo x maestrias vermelhas de nível 6, etc.).
"Não lembro se somei 1 de conhecimento no azul..."
Já mencionei acima que são 144 poderes diferentes, certo? Eles não são super complexos, no geral se reduzem a aumentar o tanto de conhecimento que você coleta, a te bonificar se conectar cores na sua árvore tecnológica ou algum tipo de pontuação de final de jogo. Porém, são 144 poderes, amiga! O jogo até vem com umas cartas legais com o resumo de todas elas, mas prepare-se para ficar bem perdido nas primeiras partidas.
Se por um lado isso traz um potencial absurdo de várias combinações, também temos um problema: como verificar todos os bônus que eu tenho garantido por maestrias adquiridas no meu turno? Pois é, não há nenhum componente que facilite isso, o que, ao meu ver, é o grande erro de projeto: imagine que vamos jogar 15 turnos e vamos terminar com, no mínimo, umas 14 cartas de maestria na nossa árvore. No começo é bem tranquilo lembrar: "ah, eu tenho uma maestria que reduz em 1 o custo de construção da cidade". Contudo, na última era, fica muito complicado e o jogo passa a sofrer de um excesso de "rastreamentos" de toda a árvore tecnológica dos jogadores para verificar se não faltou algo (depois de vários turnos fazendo isso, acredite, você vai desistir de ficar lembrando e vai simplesmente continuar jogando ignorando alguns poderes).
Minha árvore de tecnologia: usei a Treasury Box do Stegmaier para marcar os poderes
Você pode me dizer: ah, mas são apenas 15 cartas, muitas delas nem dão poderes especiais, só pontos de vitória, não? Sim, você está certo e, se o raciocínio do jogo fosse apenas relacionado a este exercício de memória, tudo bem. Porém, o jogo é denso! Temos "n" fatores para pensar: onde colocar o triminó? Qual vai ser a minha próxima maestria? Ela se encaixa na minha árvore? Alguém já adquiriu exatamente a maestria que eu preciso com o vermelho no topo e azul à esquerda? Ela me ajuda a cumprir uma missão da minha civilização?
O jogo vai sim te levando para uma área de cansaço mental em que fica difícil conciliar tudo: seguir o seu plano para o turno, verificar qual maestria cumprir, e checar quais poderes você ganha no começo do turno e quais você ganha ao posicionar um triminó.
Acho que seria muito benéfico que o projeto do jogo considerasse uma forma de catalogar isso mais facilmente (nas minhas partidas estou usando marcadores em cima de cada carta, o que facilitou um pouco: o marcador vermelho indica poderes de começo de turno, os azuis indicam poderes de produção, os dourados indicam pontuação de final de jogo, etc.)
Outro problema, ao meu ver, é a sua carta inicial de maestria: a fogueira permite converter 2 conhecimentos de uma cor e 1 outro conhecimento de outra cor. A ideia é ótima, mas este poder acaba sendo usado o jogo todo, de maneira extremamente artificial como um subterfúgio para não atingir o limite de conhecimento de uma determinada cor ou para "ganhar" o personagem daquela cor no final da era. Esta "realocação" de conhecimento parece uma "quebra" do processo de jogar, parecendo algo totalmente a parte do restante do jogo. Além de mecanicamente estranho, tematicamente também me parece fora de propósito: enquanto muitas maestrias de níveis mais altos são usadas ocasionalmente, a "reles" fogueira acaba sendo usada muito durante todos as eras.
"- Peraí que vou usar a minha fogueira"
Divertido, mas...
Eu quero muito gostar de Dominations e, pelo que escrevi, parece que as partidas foram sofridas e chatas. Não é verdade. Elas foram desafiadoras e divertidas, mas sempre que penso no jogo e nas suas principais qualidades, vem um "mas" para diminuí-las.
Temos muitos pontos positivos: a árvore tecnológica e sua construção é muito legal, o tabuleiro com os triminós fica visualmente muito bonito e a guerra fria pela influência provoca disputas interessantes, mas...
Acredito piamente que o jogo se beneficiaria muito de uma versão digital que controlasse tudo para a gente e minimizasse este porém de memorizar/verificar as tecnologias obtidas. Também gostaria muito de ver alguma sugestão do autor que mudasse um pouco a forma artificial e anti-temática da maestria da fogueira.
Finalmente, ao término das minhas partidas fico com a sensação de que foi bom, mas que não merecia as 2+ horas dedicadas a ele.
Veredito: fica na coleção, mas talvez não resista a mais muitas partidas por aqui.