Intro
Sou das antigas neste mundo de tabuleiros e já até me aventurei a escrever antes (mas isso foi em outra vida! rs). Recentemente, tomado pelas saudades de jogatinas mais longas e discussões intermináveis sobre se o jogo X é bom ou não, resolvi voltar a escrever.
Voltei com um texto sobre o Praga Captu Regni e agora vou falar um pouco sobre o Ilha dos Gatos (IG), do designer Frank West, um dos lançamentos mais recentes da Meeple BR no Brasil.
A caixa é bem grandinha, legal que há espaço para eventuais expansões!
Não tem paciência para gatos? Leia só isso (TL;DR)
IG é uma das gratas surpresas que tive nos últimos anos: o jogo visita a mecânica de posicionamento espacial de peças a la Tetris (poliminó, tem um
link bem interessante sobre isso aqui) de uma maneira original, bem amarrada ao tema, em um projeto que pode ser encarado tanto por jogadores casuais como por aqueles que estão em busca de algo mais pesado, colocando-o em um outro patamar frente aos jogos similares. O valor do jogo pode afugentar alguns, mas a quantidade de vezes que este jogo vai ver mesa tende a compensar o investimento.
Peguem seus navios e bora lá salvar uns gatinhos
IG é um jogo simples em sua concepção: nós somos heróis destemidos em uma ilha fictícia (já usada como cenário pelo autor em outros dos seus jogos) que será destruída por um tal Lorde do mal e temos apenas 5 dias para salvar a maior quantidade de gatos que conseguirmos (sim, a ilha está repleta de bichanos). Serão 5 rodadas em que repetimos exatamente as mesmas coisas, a saber:
- Draft de cartas: cada jogador recebe 7 cartas de um baralho imenso, escolhe 2 e passa as demais para o colega do lado. Isso é repetido até não termos mais cartas para passar. Que cartas são essas? Bem, elas podem ser divididas nos seguintes tipos:
- lições públicas e privadas (sim, você pode estudar quando estiver na ilha!): serão usadas na próxima etapa da rodada (explico a seguir)
- cestas para resgatar os gatos: você precisa delas (cada gato exige uma cesta)!
- botas que geralmente estão nas mesmas cartas que contém cestas e indicam a sua velocidade ao resgatar os gatinhos (leia-se: prioridade no turno na hora do resgate)
- cartas de tesouros e gatos coringa (chamados de Oshax, mas aqui falamos "gatos Ozark" - sim, somos fãs da série, e, não, ela não tem nada a ver com gatos! rs)
- cartas especiais que permitem você realizar efeitos instantâneos como alterar o preço de um gato ou ganhar mais peixes, por exemplo
- Depois do draft, você vai decidir quais cartas vai comprar. Você gasta peixes para adquirí-las e não é obrigado a comprar todas elas (todo rodada você recebe uma renda de 20, e o custo das cartas varia de 0 a 6 peixes)
- A seguir, todos os jogadores que tiverem cartas de lições devem colocá-las na mesa. As cartas privadas ficam escondidas e valem só para o jogador que as baixou; já as públicas são abertas a todos os jogadores. As lições são nada mais do que objetivos que renderão pontos de vitória no final do jogo. Um exemplo: "cada gato da cor verde que você tiver no seu navio vale 1 ponto no final"
- Depois disso, vem a fase mais interessante: a compra, ou melhor, o resgate dos gatos! Eles estarão espalhados em dois lados da ilha: em um dos lados, cada gato custa três peixes, no outro, cinco (a cada início de rodada este "mercado" é reciclado, sorteando-se os gatos de um saco de pano). Os gatos tem as mais diversas formas e podem ser encontrados em 5 cores. Como na maioria dos jogos do gênero, a ficha que você comprar tem que ser colocada adjacente a uma outra que você já colocou. Assim, você vai brincando de quebra-cabeça, enchendo seu navio de gatinhos e tentando otimizar ao máximo a colocação dos bichanos
- Finalmente a última fase da rodada: comprar tesouros raros e os tais gatos "Ozark": são também peças nos mais variados tamanhos e que devem ser colocadas no seu navio, garantindo alguns bônus ao término da partida
Gatos e navios em uma toalha de poker: isso não vai dar certo!
Ao final de cinco rodadas, pontuam-se várias coisas, entre elas: famílias de gatos (quantidade de gatos da mesma cor que estão adjacentes, mínimo de 3), ocupação do seu navio (são 7 setores, cada setor que não estiver totalmente ocupado rende pontos negativos), ratos no navio (sim, seu navio está repleto de ratos, e todos aqueles que estiverem visíveis ao final fazem você perder pontos), cartas de lições públicas e privadas, e tesouros.
"- Acho que vi um gatinho"
A cada partida que jogo (já são 13), aprecio mais e mais as inúmeras camadas de desafio que IG proporciona. A começar pelo draft que, pela simplicidade (me parece até mais simples do que o 7 Wonders, por exemplo), faz com que você possa focar no que realmente importa: "quais cartas me vão ser úteis e quais servem demais ao meu adversário?" É fácil fazer esta análise: difícil é tomar alguma decisão a respeito disso!
Ainda no draft, as cartas de lição geram uma experiência ótima: as privadas servem como um direcionador estratégico da sua partida; já as públicas, além de direcionar o jogo de todos, podem servir como elemento surpresa e tornam as decisões difíceis e, as disputas, mais acirradas, principalmente nos últimos turnos em que o seu navio já está repleto de gatos e uma única lição pública pode ser a diferença entre a vitória e a derrota.
Alguns podem dizer que, neste ponto, os jogadores ficam muito expostos à sorte e eu tenho que concordar que isso pode acontecer eventualmente, mas o fato de o jogo ser rápido, e haver outros pontos de diversão (sim, especialmente em IG não estamos concorrendo apelas pela vitória, esqueceu que estamos salvando gatinhos fofos?), mitigam muito este fator.
O desafio de encaixar os gatos nos setores do seu navio e tentar casar isso com seus objetivos secretos (lições privadas) é outro charme deste jogo: não é fácil, mas é extremamente divertido. Só quem jogou para saber como é satisfatório encaixar um gato no último lugar vazio de um aposento ou sofrer quando alguém comprar o único gato que te serviria para completar uma bichanada de 10 felinos da mesma família!
Os gato-tetris são fofos demais!
No que diz respeito a colocação dos gatos, há a possibilidade de encará-la como um grande desafio de visualização espacial, em que os jogadores são proibidos de testar se aquele gato específico vai encaixar no lugar esperado, isto é, o posicionamento deve ser mentalizado e só. Particularmente, prefiro jogar em um modo mais leve, em que é sim permitido testar as peças antes de adquirí-las: entendo que a versão mais hard core iria explodir meu pobre cérebro limitado!
Finalmente, é muito satisfatório poder jogar IG marcando fortemente seus adversários no draft e tentando otimizar cada colocação de gato, mas, é igualmente satisfatório jogá-lo de forma leve, informal, sem a necessidade de pensar muito se aquela carta vai dar ou não a vitória a seu oponente, apenas focando no seu navio e no delicioso puzzle a sua frente.
Notem que nem estou falando da versão família, incluída no jogo. Acredito fortemente que dá para usar a versão padrão, mesmo com jogadores novatos, e apenas encará-la de um jeito mais amigável. Também não testei a versão solo, mas imagino que deva ser igualmente gostoso de jogar.
Um monte de papelão por este preço?
Este é um assunto polêmico, para dizer o mínimo. No momento que escrevo, é possível achar o IG por R$ 400,00 aqui na Ludo. Caro? Barato não é. Mas o preço dos jogos subiram todos de modo geral, né? Eu poderia tecer várias comparações aqui, falar do dólar e de muito que já foi dito, mas não vou fazê-lo. Ao invés disso, vou usar uma métrica que gosto muito e que acalenta o meu coração quando penso em quanto paguei no jogo: a ideia é dividir o valor pela quantidade de horas jogadas.
Disclaimer: essa ideia não é minha. Várias pessoas já fazem isso. Alguém me explicou em alguma lista de discussão de um passado remoto (não me lembro quem, infelizmente!), gostei muito e passei a seguir.
Vamos a alguns exemplos.
- Paguei R$ 900,00 no On Mars. Quantas horas já joguei? Zero. Valor por hora (v/h) = infinito! rs. Este jogo é um absurdo de caro!
- Paguei R$ 650,00 no Praga. Já joguei em torno de 10 horas. v/h = R$ 65,00. Hmmm... uma valor razoável.
- Paguei R$ 350,00 no Nations. Já joguei mais de 80 horas. v/h = R$ 4,38. BARATO demais!
No caso do IG, já joguei 13 partidas, média de 1 hora por partida. v/h ~= R$ 30,77. Isso é caro? Eu acho ok, principalmente porque sei que a tendência é este valor diminuir mais e mais.
(As vezes penso em alterar essa métrica para que contenha também o número de jogadores ao redor da mesa... mas daí penso se isso não complicaria muito algo que deveria ser simples...hehehe)
É bonitinho e ordinário? (não!)
Não vou responder se justifica ou não o custo, mas o jogo é lindo e super bem acabado. A qualidade das fichas de gato é superior a de similares do mercado, a caixa é mais dura e as cartas são bem boas também.
Na minha análise anterior em que falei do
Praga, critiquei o excesso de zelo e detalhes da produção artística que, naquele jogo, acabam comprometendo o prazer de disputar uma partida. IG também possui muito detalhes, especialmente no navio onde os gatos serão alocados. Teria ele, então, o mesmo problema? Já vi algumas pessoas reclamando disso, mas, ao meu ver, não é o caso.
Em IG, a estética é uma qualidade que apenas aumenta o grau de imersão do jogo. Tudo bem, em uma primeira partida, você pode sim enfrentar alguma dificuldade em identificar os 7 aposentos do navio, mas, com alguma prática, isso fica muito intuitivo (e como fica bonito o navio no final da partida, hein?)

Meu navio no final do jogo: perdi, mas salvei gato pra dedéu!
Conclusão
IG é um jogo único, bem original e divertido, em que tema e mecânicas são bem amarrados e que deve agradar a jogadores com os mais variados interesses. O tema de gatinhos, ajudado pela arte, é fofo o suficiente para atrair jogadores casuais e novatos interessados em conhecer o hobby. A versão família ou mesmo a versão completa funcionam muito bem para este tipo de público, pois a partida pode ser encarada com um desafio de quebra-cabeças com baixa interação (inclusive arrisco dizer que IG aposentou o Patchwork aqui em casa). Por outro lado, o draft e as lições privadas e, especialmente, as públicas, podem elevar o jogo a um desafio mais cerebral, tendendo a agradar jogadores mais experientes também.
No geral, não tenho críticas negativas ao IG e, após 13 partidas, digo que este jogo e suas eventuais expansões (sim, IG tem muito potencial para isso) podem sim figurar na minha lista de clássicos de todos os tempos.
Veredito: permanece na coleção (com grandes chances de ficar lá para sempre)
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Praga Captu Regni e a preguiça
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