Em Abomination: The Heir of Frankenstein o ano é 1819, 20 anos após a morte do doutor Victor Frankenstein, e a sua criatura ainda está viva e perambulando pelo mundo. Um misterioso ser patrocina uma grande competição em Paris e renomados cientistas do mundo todo participam com o intuito de desbloquear o segredo da mortalidade e, de quebra, criar uma companhia para a criatura do doutor Frankenstein. Ou seja, no jargão popular estamos criando a noiva do Frankenstein nesse euro extremamente temático lançado em 2019 pela Plaid Hat Games.
Abomination: Jogo em andamento.
Criar seu próprio monstro é o grande objetivo do jogo.
Abomination é uma alocação de trabalhadores com um tema bastante mórbido: criar sua própria criatura ao estilo Frankenstein. Pra isso, você aloca seus trabalhadores em várias localidades de Paris e coleta "materiais" para fazer as experiências necessárias no seu laboratório. Ah, e que materiais são esses? Simples: Pedaços de cadáveres humanos, sangue e ossos! Pra coletar os recursos necessários pra construção da sua própria criatura os jogadores podem ir ao Cemitério, ao Hospital, esperar uma execução pública na praça da cidade ou - por que não? - até mesmo cometer um assassinato no beco pra pegar uns materiais fresquinhos! Sim, fresquinhos porque conforme a rodada passa, as partes humanas que você coleta pro seu laboratório se decompõem e vão perdendo o valor na hora de pontuar ao construir seu monstro. No cemitério, por exemplo, os recursos já estão bem decompostos e farão você pontuar menos, mas é barato, acessível a qualquer um - diferente de alguns locais - e pode trazer um monte de recursos de uma vez só.

Recursos se deterioram com o tempo.
A pegada principal de Abomination é basicamente essa: coletar recursos pra construir seu monstro. Mas não é só isso. Uma das partes mais importantes do jogo são os atributos de cada jogador que poderão aumentar o diminuir de acordo com suas ações no jogo: Humanidade, Reputação e Expertise. Conforme você aumenta esses atributos, bônus são desbloqueados como novos trabalhadores, pontos de vitória, dados melhorados, etc. Dados?? Num euro?? Calma, já chego lá. Não só é bom aumentá-los, mas também é necessário para poder fazer algumas ações. Por exemplo, para fabricar o torso ou a cabeça do monstro você precisa de um nível alto de Expertise, assim como para pegar cadáveres no hospital você precisa de um nível alto de Reputação. Além dos atributos, os jogadores se deparam com cartas de efeito único que podem ser utilizadas, objetivos abertos a serem alcançados, assimetria entre os personagens e eventos aleatórios abertos no começo de cada rodada.
Durante suas ações no seu laboratório, cada jogador pode gastar X recursos para iniciar uma parte do monstro ou completá-la, caso já tenha iniciado. Você simplesmente descarta o que vai ser utilizado e pega uma parte do monstro pro seu laboratório. Cada parte de monstro garante uma pontuação imediata baseada na qualidade dos componentes utilizados - sempre tendo como referência os materiais mais decompostos. E ao final do jogo cada parte "viva", ou seja, que passou pelo processo de choque com sucesso, garantirá pontos de vitória. Para trazer uma parte do monstro para a vida, o jogador vira uma das suas Garrafas de Leiden que esteja carregada e rola 2 dados. Se obtiver a face do sucesso a parte ganha vida, mas as outras faces podem danificar o corpo ou até mesmo fazer o jogador perder humanidade. Aqui o fator sorte pode desagradar, embora haja algumas maneiras de mitigá-lo com rerrolagens através de cartinhas especiais, gastando uma Garrafa de Leiden carregada e até melhorando os dados - subindo seu nível de Expertise.

Subir seus atributos traz benefícios ao longo do jogo.
E aí, o que é bom e o que é ruim em Abomination?
Bom, o jogo trás uma temática completamente inusitada e original, mergulhando os jogadores num euro com um tema muito bem amarrado. Tudo faz sentido dentro daquele universo: a coleta de partes de corpo humano, a decomposição dos seus materiais, a melhora das suas capacidades enquanto profissional daquele ramo conforme o jogo anda, a possível perda de humanidade por mexer com algo tão inumano, o fato de ser um experimento e, portanto, haver um fator de sorte na rolagem dos dados pra trazer o monstro à vida e, conforme você se torna mais experiente no assunto, suas chances de ter sucesso na empreitada serem maiores com os dados melhores. No começo de cada rodada também abre-se um evento aleatório que pode ajudar ou prejudicar os jogadores e até mesmo levá-los pra uma espécie de livro de encontros, onde há uma situação e o jogador com o qual aquela situação está ocorrendo escolhe se quer fazer A ou B e pode receber ou perder coisas de acordo com a sua escolha - algo parecido com as encruzilhadas de Dead of Winter. Então tudo se encaixa perfeitamente no tema do jogo.
A alocação de trabalhadores também trás uma pequena mudança de sua forma original, pois não necessariamente o espaço ocupado ficará indisponível na rodada. Os jogadores podem "empurrar" algum meeple já alocado, desde que pague 1 moeda para o dono do meeple, podendo assim fazer uma ação previamente utilizada. O jogador pode inclusive empurrar a si mesmo, sem pagar nada, e realizar novamente a ação que fez na rodada! Contudo, existe um número limite de empurrões a serem feitos - baseado em quantos jogadores estão na partida.
A assimetria entre os personagens faz com que cada um persiga de forma levemente diferente uma estratégia ou outra, e o jogo abre caminho para algumas variadas: correr pra pegar os objetivos abertos antes de todos? Finalizar o monstro com rapidez em detrimento de qualidade pra pontuar sozinho no fim do jogo ou fazer um monstro de qualidade e garantir pontuações maiores? Deixar de lado minha humanidade pra pegar materiais fresquinhos o tempo todo ou aumentá-la pra desbloquear novos trabalhadores e outros bônus? Existem alguns caminhos a serem seguidos e é difícil dizer o que é melhor.
Agora, Abomination tem algumas coisas que podem incomodar. Primeiro, o fato de ser um jogo muito longo pro que se propõe. Você com certeza vai passar cerca de 3 horas jogando, pois o jogo só termina quando um monstro estiver completamente vivo ou 12 rodadas se passarem. Mas repare, é um worker placement de peso médio! Três horas é muita coisa! O fator sorte também pode incomodar os mais puristas, pois pode em alguns momentos atrapalhar seu jogo. Ambas as situações foram reclamações da comunidade e o designer logo lançou uma variante para reduzir tanto o tempo de jogo quanto o fator sorte, que você encontra AQUI. Depois de jogar ambas as versões, posso dizer que, pra mim, a variante ficou ótima e resolveu meu maior problema com o jogo - o tempo de partida. E por fim, o fato de algumas cartas de Humanidade, que são cartas que você pega para ganhar um benefício, serem extremamente situacionais, então o jogador pode se ver numa situação de "peguei a carta, quero o benefício, mas não consigo jogá-la porque o jogo ainda não permitiu!" Então é necessário ficar bem alerta com as situações descritas na carta para poder usá-la - algo, que, honestamente, acho que não cabe nesse tipo de jogo.
Abomination é um jogo que não reinventa a roda, mas traz uma grande renovação com seu tema - nada de vikings, Marte, fazenda ou Cthulhu - e acopla de forma muito eficiente tema e mecânicas. Um tapa na cara de temas preguiçosos e mostra que os euros podem sim buscar a coexistência entre tema aplicado e mecânicas sólidas - e arte excelente também! O jogo derrapa um pouco com sua duração e a aleatoriedade que pode incomodar para alguns, mas no geral, vale conhecer e por aqui foi uma das ótimas surpresas de 2019.
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