Desde os tempos mais primórdios, a mancala tá aí.
Talvez o sistema mais antigo de jogos de tabuleiro seja a Mancala. Dando uma pesquisada em artigos sobre o tema, especula-se que "Board Games" com essa mecânica tem sua origem há cerca de 4 mil anos atrás, essa teoria é sustentada por correntes que identificam que a ausência de equipamentos para o jogo e sementes utilizadas como componentes remetem as sociedades agrícolas mais remotas de nossa quase pré-história. Evidências mais concretas mostram que a Mancala bombava mesmo na época dos faraós. Como exemplo: no terraço do templo de Seth I construído pelo seu filho o Faraó Ramsés II foi encontrado um tabuleiro que remetia ao sistema de Mancala. Sacerdotes utilizavam esses terraços para estudarem as estrelas e deduz-se que enquanto esperavam o céu se manifestar disputavam algumas partidinhas do tataravô do five tribes.
Mas o que é Mancala?
Mancala é um sistema que se utiliza do conceito de colheita e semeadura, onde você captura todas as peças de um espaço e vai semeando em espaços subsequentes uma a uma. A condição de pontuação ou ação desencadeada varia de jogo pra jogo. Mas tenho certeza que já veio aqui há sua mente jogos como o já citado five tribes, yamatai, Trajan, até mesmo a inspiração para Istambul entre tantos outros inclusive esse que vos trago The Staufer Dynasty.
A apropriação da Mancala por Andreas Steding
Mesmo dividindo opiniões com o recente Gugong (jogo que até gosto mas não é o melhor dele) Andreas Steding se tornou um designer extremamente consistente na minha opinião. Famoso pelo excelente Hansa Teutônica e Firenze (relançado recentemente e muito bom também), The Staufer Dinasty (que passarei a chamar de TSD) foi o quarto jogo do alemão (nunca joguei Norenberc) que não entrou muito no Buzz mas que merecia mais atenção. O fato é que é um portfólio com jogos bastante consistentes.
TSD é um jogo fundamentalmente estrtuturado sobre esse sistema de Mancala e mostra como um raciocínio quase pré-histórico pode ser explorado gerando um desafio estratégico extremamente interessante e gostoso de jogar.
O Rei da estrada
O tema é basicamente inexistente, porém serve pra fixar conceitualmente a regra de contagem. O Jogo se passa durante o reinado de Henrique VI e sua road trip a cavalo pela europa e aonde o Rei ia, nobres e puxa sacos iam atrás. E você é um deles. Seguindo o rei e tentando alocar nobres e embaixadores em postos de prestígio nas cidades visitadas.
Em TSD você só tem duas ações pra fazer. Ou coleta suprimentos, ou se move semeando suas peças. Ponto.
Porém, por baixo dessas escolhes simples, há uma vasta combinação de táticas e estratégias. E nessa união de simplicidade com profundidade, TSD traz MUITA fluidez no seu gameplay sem deixar de lado o desafio do jogo.
A ação de coleta permite que você aumente o número de peças nas mãos (e isso é fundamental) e recolha baús que te dão benefícios (como não pagar viagens, ou custo de cadeira) e possibilidade de pontuação no final.
Já a ação de movimento você utiliza para alocar seus embaixadores em cadeiras de um dos territórios, sendo que para isso você sempre parte da cidade de onde o Rei está e vai largando peças até chegar no destino onde quer ocupar, além disso ainda paga da mesma forma (semeando peças no board) o custo da cadeira que quer ocupar (cada cadeira também dá baús de bonificação). Fazendo que ações de viagens longas sejam extremamente custosas já que você só recolherá as peças para sua mão de novo quando e por onde o rei se movimentar no final dos turnos.
No final dos turnos algumas regiões são pontuadas, sendo uma cidade específica e uma região com alguma condição variável (maior numero de cadeiras ocupadas, menor numero de baus disponiveis, etc...), a pontuação se dá através de um controle de área de cadeiras mais influentes.
Estratégia x Tática
Essa sempre é uma discussão que vejo surgir e até diferenciar tipos de jogadores em seus gostos. Alguns preferem jogos mais táticos, acelerados, de ações imediatas, pontuações constantes, etc.. (five tribes é um bom exemplo de jogo tático) achando jogos mais estratégicos, com um ritmo mais lento e de desenvolvimento mais elaborado um pouco chato (Tzolkin como citado recentemente em uma boa análise por aqui). Outros preferem justamente o contrário, e ao jogar The Staufer Dinasty me surgiu a excelente dúvida se esse era um jogo mais tático ou estratégico.
A Natureza completamente modular do jogo, a disputa incessante dos poucos espaços e baús de bonificação, a mecânica excepcional da definição de ordem dos turnos, e critério de pontuação de região que pode variar dentro de um mesmo turno, dão um dinamismo tático pro jogo que frequentemente pode exigir dos jogadores algum ajuste de rota. Porém as informações completas no inicio da partida sobre quais provincias vão pontuar, quando e como o rei vai se movimentar, e os criterios das pontuações variáveis, permitem ao jogador desenhar uma estratégia no início do jogo mesmo lidando com alguns ajustes táticos de percurso. Somado a isso o fato das cartas de objetivo escondidas que cada jogador recebe no início do jogo e geram uma diferença bastante considerável para quem cumpri-las.
Conclusão
The Staufer Dynasty se apropria do conceito mais antigo do nosso hobbie para entregar um jogo rápido (15 a 20min por jogador) e divertido sem ser raso (bem longe disso). Todas as vezes que joguei, imediatamente ao final da primeira partida, o jogo foi resetado e partimos para uma próxima. O conceito modular dá uma enorme rejogabilidade e tornou esse um dos meus euros abstratos queridinhos andando de mão dadas com Calimala.
Um jogo estratégico com ritmo acelerado de um designer que vale ficar de olho sempre que se movimentar, seja você um dos que curtiu o tal jogo sem nome ou não. Afinal de contas, a escola alemã de designers, apesar dos problemas com tema, também é capaz de fazer jogos divertidos rs...
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