Alguma vez na sua vida você já terminou um filme, uma série ou um livro e queria sair correndo pela rua balançando as pessoas só pra dizer pra ela que elas PRECISAM conhecê-lo? Eu lembro quando fui ver Matrix pela 1a vez na vida. Eu nunca tinha ouvido falar sobre o filme (1999 gente!) e estava num engarrafamento no Rio voltando da faculdade. Era mês de Maio, mas Rio né, fazia fácil uns 36 graus que pareciam 50 dentro do busão. Olhei pro lado e já estava há uns 15 minutos parado em frente a um cinema. Admito que a idéia de entrar no ar condicionado foi mais hipnotizante do que o filme. Ver Matrix foi apenas uma maneira de me refrescar. E que maneira! Eu saí do cinema e quase chacoalhei as velhinhas de Copacabana para entrarem no cinema naquele segundo!
Aliás, foi assim que surgiu esse blog. Eu simplesmente precisava falar para as pessoas de Projeto Gaia e o Lukita não publicava uma 2a edição do MeepleZine a ponto de que eu simplesmente não aguentei mais esperar.
Talvez eu esteja exagerando um pouco sobre Clinic. Ele não entra (ainda) no meu top 10, talvez nem no top 20 de jogos da vida. Mas o jogo tem tantos conceitos originais e únicos que eu passei a madrugada pensando que eu precisava escrever sobre ele, ainda que fosse apenas após 1 partida (e isso precisa ser levado em consideração por vocês leitores).
Clinic é um jogo de 2014 que foi produzido quase que de uma forma de Print and Play pelo próprio autor de maneira independente. Lembro de ver a caixa original, feita de um papelão e igual a qualquer caixa que você encontra numa papelaria e com uma folha A4 com a arte do jogo impressa e colada nela, provavelmente com cola branca(Duvida?
Olha a caixa nessa foto). Mas ano passado o jogo ganhou uma versão Deluxe com arte do Ian O'toole e está, neste momento, num novo Kickstater para as expansões onde você consegue(e eu pretendo) comprar o jogo base (maiores detalhes
aqui na Ludonews). E por isso eu animei conhecer o jogo e por isso vocês estão lendo esse review.
Bem, Clinic, como o nome mesmo diz, é um jogo onde cada jogador é um Administrador de um Hospital/Clinica. O jogo funciona com a mecanica de seleção simultanea de ações. Cada jogador tem 6 tiles (2 de cada) com 3 ações bem simples e escolhe fazer 1 em cada um dos 3 turnos de cada rodada. Voce pode construir novos módulos/salas na sua Clínica, recrutar novos profissionais para a mesma (médicos, enfermeiros, etc) e admitir pacientes, de diferentes especialidades e gravidade de doença. A escolha das ações é bem simples e o que você faz também. Você constroi um centro de tratamento Ortopédico por exemplo, cria salas de atendimento, um suprimento de material hospitalar, contrata um médico e começa a admitir pacientes que irão te gerar renda. No final de cada turno você transforma renda em pontos. Simples e direto né? Mas o que esse jogo tem de diferente ou tão original assim?

Bem, pra mim, os 2 conceitos mais bacanas do jogo são o tempo e o uso de dinheiro para ganhar Popularidade (ponto de vitória). Você começa a construir sua clinica num Grid (4x3 ou 3x3) e pode inclusive subir andares. Você também constroi esteiras, entradas extras e até heliportos para conseguir admitir seus médicos e pacientes mais rápido. Mas cada movimento (ortogonal) que o médico/paciente tem de fazer no grid(que é sua clínica) gasta tempo. E tempo, não se recupera nunca. O paciente entra na clinica, 1 tempo gasto. Move para a sala ao lado, +1 tempo gasto. Sobe uma escada, +1 tempo gasto e por aí vai. O jogo então tem um track de tempo gasto e esse track dá penalidades de ponto de vitória no fim de jogo de acordo com o tanto que você avançou. E não dá para recuperar nunca, afinal, o tempo já passou, não tem como voltar no tempo. E quanto mais demorada sua Clinica for e mais tempo os pacientes demorarem lá ou os médicos demorarem para irem até a sala atendê-los, mais se perde popularidade. Super temático né?
Outra coisa que adorei no jogo, foi o conceito de transformação de verba em Popularidade (lembre-se, é o ponto de vitória). No jogo você faz os tratamentos, ganha dinheiro e paga salário/manutenção das salas. No final, quase sempre sobra algo que você pode investir para ganhar Popularidade, mas você só pode gastar o dinheiro com pontos naquele round(no próximo poderá fazer com o lucro do próximo round). Ou seja, em cada round você tem que decidir quanto do lucro você usa para Pontos de Vitória e quanto você guarda para reinvestir na própria Clinica (novas salas, novos médicos etc). E esse dinheiro para investir vai para os Administradores e sai do Caixa do Hospital para nunca mais voltar. E isso é uma decisão que eu não lembro de ter tido em outros jogos de forma tão direta.
A originalidade do jogo no entanto, não para por aí. Como eu já falei ali atrás, a Clinica pode ter vários andares, e o jogo introduz 3a Dimensão no tabuleiro que são os andares e o conceito de adjacencia vertical. Tipo, uma sala de suprimentos de material médico é necessária para uma sala de tratamento estar operando, mas 1 sala de suprimentos pode atender várias salas de tratamento. Com isso você pode colocar uma única sala de suprimentos que abastece o andar debaixo, o andar que ela está e o de cima. Basta que você consiga otimizar sua Clinica. E você tem vários conceitos de que para construir o andar de cima precisa o andar debaixo. Mas se construir um estacionamento de rua não pode construir nada em cima. E se colocar um jardim no hospital, só pode crescer o jardim, como um átrio central, não dá para construir salas de tratamento em cima e por aí vai. São uma série de regrinhas de construção que precisam de um player aid para lembrar.
Por último, tem ainda uma coisa muito bacana que são os carros e estacionamentos. Cada médico e cada paciente vem para sua Clínica de carro e você usa seu próprio grid para conseguir receber e manejar todo mundo. Esse é o grande limitador do jogo que controla que ninguém pode encher a clínica de pacientes ou de médicos em uma rodada poderosa e ficar sobrevivendo disso depois. Os carros são uma das principais fontes de queima mufa do jogo pois você quer ampliar a clinica mas precisa sempre de espaço aberto no seu grid para eles estacionarem e enquanto eles tiverem lá estacionados, eles bloqueiam o espaço para você construir. Aaaaaaahhhhhhhhh!!!

Clinic no final me pareceu muito com os jogos do Vital Lacerda sem a complexidade das mecânicas que o Vital traz para o jogo. Sabe como o Vital inventa 800 mecanicas nos jogos dele para conseguir tematizar o jogo? Então, Clinica faz isso com uma mecanica, super hiper simples de seleção de ações. As ações de construir, recrutar e admitir são tão intuitivas que você consegue explicar para uma criança. A complexidade do jogo está nas decisões e estratégias, essas sim, complexas. O jogo tem sim várias regrinhas de construção que são limitantes e dificeis de decorar, mas nada que um player aid não resolva isso. E a temática de gerenciamento da Clínica está SUPER PRESENTE no jogo (levem em conta que é um euro).
Clinic então me encantou por isso. Se num jogo do Vital eu gasto as vezes 90 minutos explicando as regras que com certeza serão esquecidas na primeira partida por quase todos jogadores(Ei On Mars, estou falando de você), e exige um esforço para que você consiga apreciar o jogo, Clinic faz algo parecido com 30 minutos de explicação e um bom player aid. Vocês vão todos jogar de forma ineficiente no início e ter uma pontuação baixa, mas todos vão conseguir jogar e saber o que fazer e o mais importante, entender o que estão fazendo. E isso é ponto pro Clinic!
Hoje em dia o Clinic tem exatamente o que eu busco em um jogo. Um nível de interação e adptação aos adversários razoável, variação da ordem dos jogadores baseada no que você faz naquele turno (lembra Brass onde você pode manipular a ordem para seu benefício) e principalmente, conceitos originais e únicos que fazem com que Clinic não seja apenas mais um jogo que eu experimentei essa semana. Apesar de ser um jogo considerado complexo, a complexidade está em jogar bem e por isso consigo introduzir ele melhor em grupos que tem preguça de aprender Vital. E isso é suficiente para que eu fure a fila de outros reviews e passe a noite pensando em tanta coisa que eu quero falar desse jogo enquanto as pessoas ainda podem comprá-lo.