O ano de 2021 mal começou e duas campanhas de Kickstarter já chamaram a minha atenção: Darwin's Journey e Carnegie. E já que o segundo terá entrega/lançamento no Brasil pela Mosaico Jogos, eu resolvi começar meus testes e análises por ele. Para quem interessar, o jogo está disponível para teste, não apenas no Tabletop Simulator mas também no Boardgame Arena.
Logo de cara, uma das coisas que mais me interessaram no Carnegie é o mecanismo de seleção de ações que lembra muito jogos como Puerto Rico ou New Frontiers, onde 1 jogador escolhe a açao que irá fazer e todos podem fazer a mesma açao logo depois deste jogador. O interessante aqui é que, ao contrário de Puerto Rico, não há nenhuma vantagem para quem escolhe aquela ação. Em Carnegie a vantagem é apenas você controlar o momento em que cada ação é feita e quem faz ela primeiro em cada turno. Vou tentar explicar melhor.

Em Carnegie, os jogadores tem 4 tipos de ação que podem escolher durante a partida(foto acima). São elas: recursos humanos, administração, construção e pesquisa e desenvolvimento. Ao escolher uma ação, todos os departamentos da sua empresa daquele mesmo setor são ativadas. Todos jogadores começam aqui com os mesmos departamentos iguais no jogo, mas ao longo da partida vão construindo novos departamentos em suas empresas criando uma assimetria construída durante o jogo. Ou seja, embora todos os jogadores comecem com os mesmos "poderes", tao logo passe alguns turnos, isso muda, o que faz com que embora todos façam as mesmas 20 ações na partida, o que cada uma delas ativa para cada jogador passa a ser diferente. Dá para ver isso na foto abaixo. Uma empresa tem vários departamentos do mesmo símbolo. Ao fazer aquela açao você ativa todos os deptos com o mesmo símbolo.
O interessante aqui para mim é que praticamente tudo está na sua mão. Todos os jogadores vão fazer EXATAMENTE as mesmas ações. Ou seja, vai ganhar quem conseguir executar melhor o que está acontecendo na mesa, e mais importante, quem conseguir LER melhor o que está acontecendo na mesa. Isso por que, em Carnegie, não basta selecionar a ação que você irá fazer, você precisa de ter um trabalhador no departamento para poder executar a ação. E é aí que o jogo apresenta uma coisa interessantíssima e diferente de outros que eu conheci. É aqui, que Carnegie se torna um jogo único.
Além de construir seus próprios departamentos, você precisa por trabalhadores lá para ativar aquela ação, só que, muitas das ações requerem que você mande o trabalhador para uma "missão" no mapa do jogo. Ou seja, ele sai do seu escritório, vai para o mapa, e só no futuro poderá retornar, chegando sempre no lobby/elevador de entrada e então você tem de movimentar o meeples novamente para reposicioná-los nos seus departamentos. E o jogo vira um ciclo muito bacana de programar uma ou várias ações para fazer, decidir o momento de fazê-las, desprogramar seu tabuleiro para isso e depois ter de reprogramar de novo para quando você for precisar dela outra vez. E é nesse timing de programação e desprogramação que você pega alguém de calça curta chamando uma ação que só você pode se beneficiar dela.

E é aí que o Carnigie brilha. Por que, como todo mundo acaba criando seus próprios departamentos e se programando e desprogramando de forma diferente, você passa a ter de acompanhar o jogo dos seus adversários para tentar ler, antecipadamente qual ação ele deve escolher fazer para que você já esteja preparado para ela e não seja pego de calça curta. Nada é mais frustrante no jogo do que alguém puxar a ação de construir e você não ter nenhum trabalhador programado para fazer construçao, ou não ter recurso para construir. É uma ação a menos que você faz no jogo sabe. Num jogo com apenas 20 ações em toda partida.
E o interessante de tudo isso é que o jogo cria uma grande interação entre os jogadores mas sem pernada ou take that. É uma interação positiva. Ou seja, você nunca pode fazer alguém perder algo, mas pode sempre aproveitar a ação do colega para fazer algo você mesmo. Claro que, se o colega puxar uma ação naquele momento exato que você não pode aproveitá-la, você irá odiá-lo para vida, mas até aí ele não te tirou nada, apenas você não foi capaz de aproveitar-se disso.
O jogo ainda tem outros momentos de interação positiva. Ao mandar os meeples para o mapa você escolhe em que região do país você quer que ele vá e cada ação escolhida ativa uma região para você trazer os meeples de volta. Ou seja, se você ler certinho o seu adversário, você não só antecipará a ação dele se programando para ela, como ira trazer rapidamente de volta seus meeples para o escritório para utilizá-los novamente e ainda ganha renda no jogo para isso. E é nesse jogo de estica e puxa que se dá a nova festa da Xuxa. E eu adorei!
Há no entanto, como sempre, algumas coisas para se pontuar sobre o jogo que não é para todos. Carnegie é um euro médio-pesado. Não é nenhum Spottler ou Vital Lacerda não, mas diria que o jogo encaixa bem para pessoas que curtem Brass, Pipeline, Nippon ou Cooper Island. Não é parecido com nenhum deles, mas acho que tá nesse perfil. Além disso é um jogo que demora 40 minutos por jogador. Pode colocar aí 3 horas em 4 pessoas com algum downtime e AP enquanto os outros estão decidindo o que farão com suas ações. O momento da escolha é importante, mas depois, você meio que fica no celular enquanto cada um está executando o que planejou. Por isso inclusive, eu achei ele melhor em 3 jogadores do que em 4. Reduziu o tempo e abaixou bastante o downtime. Por último, o jogo não apresenta nenhuma variação intrínseca do jogo. O setup é levemente variado. Muda-se os departamentos disponíveis para compra em cada jogo e a ordem de ativação de cada região do mapa, mas é pouco. Vi gente reclamando que ele vai "cansar" com o tempo.
Vale dizer, no entanto, que, ao contrário desses jogos que eu citei, Carnegie é até relativamente tranquilo quando a gerenciamento de recursos e disputa das rotas no mapa (construir rotas, ligando cidades, dá pontos no jogo). Embora tenha uma disputa mínima, não cheguei a ver ninguém sendo bloqueado por uma construção ou ficando pobre grande parte do jogo. Carnegie não é um jogo de cobertor curto de recursos, mas sim de número de ações. Ele é um daqueles jogos que você fica dizendo, po, se eu pudesse construir mais uma vez aqui eu faria mais 7 milhões de pontos. Como não pode, eu fiz 12. Mas todo mundo sai da mesa com essa sensação.

Eu na prática, não me importei com esses contras. Acho que os euros medio-pesados com interação se encaixam exatamente no sweet spot de não serem só mecanicos e repetitivos e me apresentarem um desafio interessante. Não me importo tanto com a duração. Mas acho que pra muita gente isso vai evitar que o jogo vá sempre pra mesa. Pra mim, a única coisa no jogo que deixou a desejar foi a seleção das últimas ações de cada tipo.
O jogo se apresenta como um jogo fechadinho de 20 ações sendo 5 de cada, que cada jogador poderá escolher e é só isso. Mas não é verdade. Após acabar um tipo de ação, digamos, construir, você pode continuar escolhendo fazer ela, mas vai fechar a 1a ação disponível abaixo dela e ativar o mapa onde essa ação debaixo indicar. Isso para mim deu uma quebrada na programação e controle total do jogo sabe. Eu gostava de saber que o jogo era inflexível. Você vai fazer cada ação 5x e é isso. Se planeje para fazer o melhor disso. Ele dá um token coringa para cada jogador que você pode usar pra fazer uma ação qualquer independente do que foi puxado. Pra mim isso já era o suficiente, o direito de num momento crucial fazer algo diferente 1x. Mas não. O jogo teve que afroxar.
Chegou no final, quando uma ação já foi escolhida 5x e na teoria já não tem mais dela disponível do tabuleiro de seleção de ações, e o jogo permite que você faça uma ação a 6a vez (ou 7a, 8a, etc). Basta para isso que você bloqueie o local de ação disponível imediatamente abaixo. Essa possibilidade de no final, alguém escolher fazer uma ação a 6a vez e deixar outra sem fazer, acho que adiciona um pequeno caos e imprevisibilidade da ultima rodada, premiando o mal planejamento que eu, particularmente não curti. Mas não foi o suficiente para estragar o jogo pra mim. Eu entendi que foi a maneira que o jogo encontrou para não deixar os últimos jogadores sem opções e equilibrar a ordem de início de partida.
Por último, vale dizer que Carnegie é um jogo mais sobre execução do que sobre estratégia. Como todos farão a mesma coisa, ganha quem fizer essas mesmas coisas melhor! Isso pra mim traz um elemento tático do jogo de se adaptar ao que está acontecendo na mesa que se torna a origem de toda rejogabilidade dele.
Por isso, pra mim, Carnegie já abre o ano como forte concorrente ao Top 10 de 2021. E depois de um ano como 2020, que foi horrível até mesmo nos lançamentos globais de jogos, é bom olhar para frente e ver que as mudanças já estão chegando!
E se você se interessou, o
financiamento do jogo está aberto até dia 07 de fevereiro (este post NÃO é financiado pela Quined ou Mosaico, acho que ambos nem sabem que eu existo inclusive). Eu juntei 6 amigos e peguei o pledge em grupo que reduziu bem tanto o preço do jogo quanto o do frete. Aconselho a você fazer o mesmo.
********************************
Siga o Red Meeple também no instagram pelo
@redmeepleblog
E se quiser ler mais textos nossos, se inscreva e siga a gente para receber notificação quando tiver novas atualizações.
Veja abaixo os últimos textos do Red Meeple Blog
E muitos outros textos que você pode encontrar
aqui
It's a Wonderful World e os jogos simples que divertem