Como você faz para se interessar por um jogo do nada? Autor? Tema? Mecanica? Para mim são 2 principais pontos: o autor e a editora. O autor é o mais óbvio né. Vejo o estilo do cara, o que ele já fez no passado e quando ele lança algo eu fico de olho. Desses, o Pfister é um dos mais badalados. Eu nem curto tanto Isle of Skie mas GWT, Maracaibo, Mombasa estão entre os meus jogos favoritos. E até mesmo os pequenos Oh My Goods e Port Royal são jogos que eu curto bem.
Já a questão da editora é um pouco menos direto, mas é a confiança na capacidade de editar, desenvolver e principalmente, fazer uma curadoria de bons jogos para lançar algo que faz meu estilo. Nesse ponto, poucas editoras lançaram tantos títulos que eu curto nos ultimos anos quanto a Capstone Games: Pipeline, Arkwright, Cooper Island, Crystal Palace, Watergate, Bus, Irish Gauge, Ride the Rails fazem 80% do portfolio deles e são todos jogos bem sólidos. Imagina então a minha sensação quando eu soube que a Capstone Games e o Alexander Pfister (junto com a dlp games) estavam se unindo para lançar o CloudAge. Eu achei que não havia a menor chance desse jogo ser ruim. Bem, eu não poderia estar mais enganado. Deixa eu explicar melhor.
CloudAge é um jogo de alocação de trabalhadores, construção de engine e um pouco (bem pouquinho mesmo) de deck-building, que se passa num ambiente meio Mad Max de Zepelim. No início de cada rodada você saca 2 cartas do seu baralho e uma vai dizer o quanto você anda na rodada e o quanto de entulho você encontrou no caminho. No seu movimento você sempre precisa parar num local de cidade, e batalhar contra a Milícia que controla o local.
A batalha no jogo (como em outros jogos do Pfister) é super lúdica e pouco punitiva. Você sempre compra uma carta do baralho e compara força com a da milícia. Se não vencer, você adiciona força de canhões já construídos e pode ainda gastar mais energia para comprar mais cartas que adicionam força. Vencendo, ganha os espólios da batalha. Perdendo, só deixa de ganhar. Não há penalidade real. No final, há uma fase de alocação de trabalhadores.
Até aí tudo bem. Não há nada de errado, mas também, isso não é mais do que 15% do jogo. Essa compra de cartas para batalhar/andar no tabuleiro é até interessante e onde o jogo tem um pouco de elemento de deckbuilding. Todos começamos com baralho com valores 0, 1, 2 e 3 e durante o jogo você pode comprar cartas que melhoram seu deck e elas irão melhorar sua capacidade de movimentação e de batalha. O problema do jogo está nos outros 85% que é a fase de alocação de trabalhadores.
O restante de CloudAge é algo tão simplório, e tão sem opção, que parece simplesmente INACREDITÁVEL que, em pleno 2020 (ano de lançamento) alguém lançou esse jogo e ele foi aprovado. Só consigo pensar que deixaram se levar pelo nome do Pfister e na sua capacidade de vender qualquer coisa (Blackout: Hong Kong discorda).
Vou colocar abaixo, o tamanho do "tabuleiro" do jogo onde você pode alocar seus trabalhadores(foto abaixo). Tá vendo? É só isso aí. Todo o resto do tabuleiro enorme só serve para você andar com seu Zepelim pelas cidades. O jogo mesmo é jogado em uma alocação de trabalhadores que tem, INACREDITÁVEIS, 3 opções de alocação. E mesmo dentro dessas 3 algumas coisas se repetem.
Na opção 1 você vai construir coisas, gastando recursos que você ganhou no jogo em cartas ou lutando com milícias. Você pode construir uma carta criando um pouco do seu engine ou melhorar a capacidade da sua nave em andar, combater ou colocar tiles no jogo. Na opção 3 (vou pular a 2 por enquanto, mas volto nela) você pode colocar tiles no jogo que podem ser uma plantação ou coisa do tipo que ajuda a recuperar o local devastado. Na pratica o tile te dá... mais recursos.
E aí tem a opção 2, que na teoria é o pulo do gato do jogo. O mecanismo "super bacana, diferentão" que faz desse jogo "único". Nele você compra uma dessas 3 cartas escolhendo qual recurso quer explorar nela (Água, Metal, energia ou mais cartas). E ela vem com esses sleeves com nuvens que deixam umas partes a vista e outras tampadas, como se você tivesse lá do alto do Zepelim, decidindo onde ia descer pra extrair recursos. E são essas mesmas cartas que vão depois para teu deck e os números viram sua movimentação ou combate dependendo da hora que você comprá-las. Qual o problema disso? Bem, o jogo adiciona uma aleatoriedade meio inútil pro jogo, pois você escolhe uma carta pelo que vê, mas pode descobrir depois que ela dá menos recursos do que imaginava e mais para o outro jogador que foi lá. Não me incomoda tanto pela questão temática, mas dizer que isso sozinho sustenta como a inovação do jogo já é demais né.

O problema do jogo então é que é só isso. Acabou. Você vai no meio, escolhe uma carta, ganha recurso e tiles (Veja na carta 2 ali no canto que ela te dá 3 tiles). Na próxima rodada, você vai na opção 1 e constrói algo com os recursos que tem ou vai na opção 2 e coloca tile. E você passa o jogo inteiro nesse nheco nheco que parece não ter fim. O 1o jogador vai na construção e constroi, o 2o vai na carta pra pegar recurso e o 3o vai no tile. Próxima rodada, o cara que pegou recurso vai construir, o que construiu vai por tile e o que colocou tile vai pegar recurso. E você fica nisso até o jogo acabar. Desde a minha aula de Ética Cristã lá na PUC que 50 minutos não duravam tanto. O jogo fica tão monótono e repetitivo que chegou um ponto que eu tava olhando a agenda do condomínio pra ver se não tinha uma eleição de síndico que eu PRECISAVA comparecer.
E o que me impressionou ainda mais é que, no modo campanha, o Pfister achou que tudo isso aí parecia complexo demais e resolveu tirar a opção 3 das duas primeiras partidas, afinal, a gente precisa ser introduzido aos poucos a um mecanismo tão complexo né?
O pior de tudo, é que o jogo ainda poderia se salvar se ele fosse todo baseado na construção das cartas e do seu engine pessoal. Se o jogo tivesse reação em cadeia, crescimento dos poderes assimétricos durante a partida e de repente você está fazendo 1000 coisas com 1 simples ação, ele poderia até brilhar. Mas o problema é que a preguiça que o Pfister teve na concepção das mecânicas foi transferida também para a criação das cartas e meio que 50% delas apenas aumentam sua força de batalha ou capacidade de se movimentar, que é basicamente a mesma coisa que você consegue na ação de melhorar seu Zepelim. É tipo, a mesma m*rda só que agora na cor azul.
Você então usa as cartas para ganhar alguns benefícios imediatos (cartas verdes), upgrades de nave que você já conseguiria de outra forma(cartas azuis) e poderes passivos(cartas amarela) totalmente situacionais que você quase não usa em apenas 8 rodadas de uma partida. Me desculpem o palavreado, mas é de cair o c* da bunda.
Para não dizer que esse jogo não serve para nada, ele serve para você apresentar jogos de tabuleiro para aquele seu primo que nunca jogou nada e precisa de uma coisa bem simplezinha para não perder o foco sabe. Mas mesmo ele, depois de 3 partidas vai achar repetitivo. Eu até ouvi falar que a Capstone estava revendo o manual para fazer um twists no jogo, mas acho que a única coisa que resolve aí é tacar fogo mesmo.
A verdade é que a gente sequer conseguiu terminar a campanha (de apenas 7 partidas). Após a 4a nós não queriamos mais perder tempo da nossa joga semanal com CloudAge. A vida é muito curta pra ser gasta com jogo ruim.
Talvez vocês joguem e achem, ah, é exagero do LPP, nem é tão ruim assim. E talvez não seja, por que o jogo não é quebrado, ou com um erro de design. É apenas sem graça, sem sal, sem escolha e sem diversão. Nem é tão ruim assim talvez seja o maior elogio que ele ganhe e eu duvido que você chegue na 3a partida querendo jogar a 4a.
Fosse CloudAge um jogo de qualquer outro autor, ele estaria mofando nas prateleiras de uma loja na Alemanha e sendo ofertado por 1,99 euro na próxima Essen. Mas como não é, a gente acaba se vendo preso numa pegadinha do Pfister e importando esse jogo por algumas preciosas centenas de reais. O jogo parece um trabalho preguiçoso de um autor que não estava com paciência ou saco mesmo para criar algo bom. Ou ainda, apenas não se importou mais com que saiu, desde que pagasse os boletos no fim do mês. Parece obra protesto de um artista que está tendo que lançar algo por mera obrigação contratual sabe.
O pior de tudo isso que CloudAge me fez perceber uma coisa importante sobre o Pfister. Apesar dos grandes sucessos no início da sua carreira ele parece estar sem criatividade para produzir algo diferente. Blackout: Hong Kong recicla de forma monótona as mecanicas do Mombasa e veio para comprovar que só o nome do autor não é suficiente para vender jogo. Maracaibo, apesar de entregar uma experiência bem bacana também é um amontoado de mecânicas do GWT e outras do Mombasa que ele não tinha utilizado no Blackout. Em pleno 2020, com milhares de jogos sendo lançado o cara tentar emplacar uma alocação de trabalhadores com 3 slotes de alocação e ações/cartas que se repetem no meio das já escassas escolhas foi demais para mim. Não é que CloudAge não valha o preço dele, ele sequer vale o espaço que ocupa na prateleira.