A primeira vez que eu joguei Brazil ele nem se chamava Brazil. Era Mundus Imperial, um protótipo que o Zé Roberto levou no DOFF de 2018 e eu sentei junto com meu amigo @
joaoclaudio para testar o Demo. Na época ele ainda dividia mesa com o Futboard, outro protótipo que estava na feira. Lembro que pelo tema, muita gente me perguntou o que eu achava do jogo e eu sempre disse que só joguei 1 era, mas que via bastante potencial. Hoje, cerca de 4 anos depois, pude testar a versão final (ou próxima de) e posso dizer que o potencial de fato se materalizou em um lindo jogo.
Brazil: Imperial se coloca como um euro 4x e acho que essa descrição é bem acurada. Acho que ele é mais euro do que 4x mas os elementos estão lá. Você eXpande, eXplora, eXtrai e eXtermina. Talvez não extermina exatamente, mas há um combate bem lúdico. Mas saiba que o jogo é muito mais de gestão de recursos e construção/colonização do Brasil do que exatamente andar com exército pra dar porrada no coleguinha. Acho que ao se posicionar dessa forma, até mesmo pela cara do jogo e das peças, ele não corre o risco de causar a mesma decepção que o Scythe criou para alguns que esperavam um jogo de porrada no mapa. As comparações com o Scythe incluse não param por aí. Vou explicar melhor.
O Funcionamento do jogo e suas semelhanças com Scythe
Explicar Brazil para quem já jogou ou conhece Scythe é bem fácil. O mecanismo central de escolha de ações do jogo é mesmo. Você tem um board dividido em áreas de ações e no seu turno você escolhe uma das possíveis ações para fazer. As ações, assim como Scythe, são constituidas de uma principal, um bônus e uma possibilidade de aprimoramento (que você faz colocando aqueles cubos/cilindros/pentagonos coloridos na parte debaixo da ação). Elas também não podem, de forma geral, serem repetidas. Por isso, mecanicamente, o jogo funciona de forma parecidade com Scythe no sentido de você escolhe uma ação, faz ela, o bonus, passa pra outro e na sua vez já escolhe outras ações.

As semelhanças com Scythe ainda não param por aí. Existem algumas outras coisas. A Ação Manufaturar como eu já disse, em muito se assemelha a Aprimorar onde você paga um custo para tirar uma peça do tabuleiro e colocar embaixo da ação e com isso destravando bonus ao fazer as mesmas. Outra coisa que me lembrou bastante é a questão dos recursos produzidos ficarem no tabuleiro e não na sua área de jogador, podendo passar a ser de outra pessoa se aquele hexágono for tomado. Aqui o Zé já tinha dito pra mim que foi algo que ele se inspirou no Agrícola, mas o Scythe também utilizou-se disso e pelas demais semelhanças acabei sendo remetido a ele. A última semelhança que notei foi a questão da necessidade de utilizar-se de uma ação de produção para que teus locais produzam e aqui, ponto para o Brazil pois eu acho que foi até melhor implementado.
De resto, a movimentação do tabuleiro das suas Forças Militares, a necessidade de ter algumas delas para expandir seu range etc são outras coisas que lembram de longe. Mas apesar das imensas semelhanças, Brazil NÃO É apenas um re-theme do primo rico de Stegmeier. O jogo tem suas diferenças, suas qualidades e suas características que o fazem único.
As qualidades do Brazil e o que o diferenciam como jogo único
Apesar do arcaboço ser parecido, não dá para dizer que Brazil é Scythe no Engenho. Veja o exemplo de Concórdia, Transatlantic e Flotilla. Os 3 jogos contam com EXATAMENTE a mesma mecânica única de Rondel de cartas, onde você faz um pequeno deck building e vai descendo as cartas até usar todas que quer e usar uma ação para reciclá-las de volta a sua mão. Até a carta do Diplomata que clona a ação da carta do topo de outro jogador os 3 jogos tem. Nem toda alocação de trabalhadores é igual por exemplo. O jogo tomou escolhas unicas que na minha opinão foram a maioria bem acertadas.
Uma das coisas que gostei no jogo foi que, a assimetria inicial dos personagens é bem leve, sem um tableau extra de facção. Isso evita aquela macetada e eventual banimento de composições que o Scythe teve de fazer. A assimetria e evolução da sua facção aqui é garantida não por algo pré-estabelecido mas por algo que você constroi de acordo com sua estratégia no jogo. Você faz isso com a ação de QUADRO, onde você pode escolher (e pagar o custo) de uma carta que lhe dará poder específico no jogo. Isso é super bacana para quem curte a criação de combos e motores no jogo, pois embora não seja nenhuma reação em cadeia que lhe dará 20 ações, você nota claramente o benefício que as cartas lhe dão durante a partida, além de ser uma ótima fonte de pontuação.
Alías, paro aqui por um segundo de falar da mecânica para dizer o quanto essas cartas me agradaram. Não só pelas sua função óbvia no jogo mas pela arte aplicada nelas e pela possibilidade de poder ver vários personagens da história nacional serem representados. Estamos acostumados em ver jogos e dizer que todos os personagens existiram de verdade, mas aqui no caso, existiram e a gente conhece eles. Pode ter sido um pouco de nacionalismo meu, mas me deu prazer olhar para as cartas e ver Machado de Assis, Araribóia ou Princesa Isabel nas opções. Curti inclusive de ver muitos dos povos indígenas de alguma forma representado. Nunca curti muito a arte do índio da capa, que mais parece um Apache de barriga trincada(mas a verdade é que a imagem é inspirada na estátua Tibiriça de Chaves Pinheiro), mas ao ver que nas cartas há uma caracterização muito mais próxima aos nossos Tupis Guaranis, eu me dei por satisfeito.

Outra coisa bem interessante do jogo foi a implementação do Fog of War. São terrenos que começam o jogo com um tile. Você pode, se quiser, explorá-los e poderá achar animais brasileiros (um set colection que dá ponto no final do jogo), recursos ou forças inimigas que você PODE (se quiser) derrotar em batalha e ganhar os pontos de vitórias associados a eles. Foi bacana que mesmo as forças inimigas você não tem penalidade de encontrá-la. Isso reduz o caos de outros jogos Civ de você abrir um tile e ter de lutar com alguém mais forte que você.
O jogo aliás, pega leve nessa questão de batalha. Não há, a princípio grande vantagem ou benefício em atacar o adversário. Não lhe dá diretamente ponto de vitória. Você pode tomar uma cidade ou construção de alguém, mas você só será dono dela enquanto estiver ocupando-a. O mecanismo existe mais como uma guerra fria mesmo, onde cada um se protege um pouco. O cara vai ter de recolher uma tropa ou talvez perder uns recursos, mas só. Conversando com a galera do Covil, só teve batalha em 1 das 4 partidas e mesmo assim bem pontual. Ela existe mas não é um jogo de porrada. Eventualmente você pode atacar algo mais para atrasar um adversário que saiu na frente.
Isso por que o jogo funciona, de uma forma geral como uma corrida. Cada jogador tem 3 missões para cumprir (isso me lembrou Clash of Culture) e ele termina o jogo quando alguém cumprir a carta de 3a era. Essa questão de Eras inclusive foi outra coisa bacana, pois ela vai destravando aos poucos quais prédios podem ser construidos, dando uma impressão de passagem do tempo/colonização do Brasil mesmo. No início temos Fazendas, Engenhos, Serrarias e Canaviais. Com o tempo você começa a construir Casas de Fundição, grandes Plantações e a fundar cidades e por aí vai.
Com isso o jogo passa mesmo a impressão de evolução e colonização. Você começa com um vilarejo, começa a fazer prédios que irão lhe dar recursos nos tiles em volta, começa a crescer e de repente você funda Ouro Preto, coloca igrejas etc e tudo isso no caminho de resolver suas missões.
Essa ligação do tema com a mecânica e escolhas do autor para mim fazem, de uma forma geral, o jogo brilhar, principalmente para nós brasileiros. Inclusive uma das coisas brilhantes (e lindas) foi a escolha de fazer o mapa no formato do Brasil. Não sei como funciona para outras contagens de jogador, mas em 4 o mapa foi perfeito. Funcionou bem, dá para crescer mas ao mesmo tempo começa a ficar apertado no final do jogo, você começa a fazer divisa com muita gente e começa a se preocupar com aquela Guerra Fria que citei ali em cima.
Por último, uma coisa que o jogo difere demais a todos os outros já citados aqui e coloca no peito seu crachá de euro é a maneira de pontuação. No jogo, você vai pontuar por quase tudo que você constroi/evolui no seu tableau. Cada cidade construida, construição feita, cada força militar convocada, cada Quadro comprado, tudo vai pontuar. Não chega a ser uma salada de pontos pois está tudo, em geral conectado. É apenas vários caminhos para chegar na vitória. Uma coisa que curti nisso é que, cada carta de missão completada te dá o direito de construir um palácio que vai destravar uma nova pontuação de final de jogo que melhor encaixa no teu jogo. E esse tipo de pontuação tem gerado partidas bem disputadas e pontuação bem apertadas ao conversar com as pessoas que tem testado o jogo.
De negativo para mim foi a duração que passou um pouco das duas horas. Mas como foi no Tabletopia que é uma plataforma que eu odeio e não me dou bem, e com 3 jogadores que estavam jogando pela 1a vez, acho que o jogo tem potencial para baixar para próximo de 1h30-1h45 e ver muito mais mesa aqui.
Com relação ao tema, existiram simplificações da implementação que me incomodaram, mas acho que foi capricho meu. Por exemplo, eu estava localizado na região do Pantanal e de repente ia fundar Belém do Pará. É um pouco anticlimático né. Pensei que podiam ter locais pré-determinados para cada cidade e todas disponíveis (há uma pilha com 2 disponívels em cada), mas entendo que as vezes, se você quer encaixar certinho o tema na mecanica você acaba complicando ela demais (tipo Vital Lacerda) e o intuito aqui foi não criar excessões e regras desnecessárias.
Conclusão
Scythe foi um dos primeiros jogos famosos a trazer um pouco da presença de tabuleiro e guerra fria de um 4x para um jogo que é basicamente um euro de otimização de ações. Isso fez com que o jogo caisse na graça de muitos e no ódio de outros. Brazil claramente se inspira nele mas traz elementos o suficiente para ser um jogo diferente. Talvez eu tenha algum bias do jogo ser Brazil né. O mapa do brasil no meio do tabuleiro, os personagens e etc tiveramo efeito em mim e provavelmente terá em muitos de vocês também.
Agora, se o jogo serve para você ou não, acho que cada um tem que analisar. O jogo passa bastante o feeling de jogos como Scythe, Clash of Culture, Civilization (o antigo) e trazendo elementos de todos esses jogos. Agora, ele é um jogo com mais cara de euro do que qualquer um desses 3. Eu diria que ele é tudo que eu esperava do Civilization New Dawn/Novo Amanhecer e não encontrei por exemplo. Para quem quer um jogo de Civilização curto, com flavor de 4x diria que é uma ótima opção. Acho também que a cara de euro vai mais agradar o publico nacional do que o contrário, embora possa não encaixar tão bem com a galera que curte a parte militar mais forte de outros jogos de Civilização.
A semelhança com o Scythe mais me agradou do que o contrário. Do mesmo jeito que eu tenho vários jogos do Feld por exemplo que tem um estilo parecido, ficarei feliz em ter um novo jogo no mesmo estilo de um dos meus favoritos e com um tema que me agradou demais. A pré venda começar dia 22 de abril, dia do Descobrimento do Brasil para mim é apenas a cereja do bolo. E embora eu não esteja recebendo absolutamente NADA para dizer isso, eu acredito que o preço da pré-venda saiu super em conta para os dias atuais (R$ 349,00 pelo que anunciaram).
No final um pouco pelo tema único, um pouco pela mecanicas redondas que me agradaram bastante, já adianto que é um jogo que não só vai entrar na minha coleção, como será um que eu pretendo apresentar para muitas pessoas.
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