Outro dia estava conversando com uma grande amiga e professora de linguagem. Ela reclamava que seus alunos possuíam uma preguiça muito grande de ler.
Minha opinião a esse respeito é justamente o contrário, no Brasil nunca se leu e escreveu tanto. O problema é a qualidade da leitura. O que se lê?
Historicamente o brasileiro nunca foi muito adepto da leitura. Grande dificuldade dos estudantes em resolver problemas de física reside em ler e interpretar o enunciado e posteriormente enunciar a resposta de forma coerente e objetiva.
Havia uma época em que se acreditou que o fato dos livros estarem acessíveis na “palma da mão” de qualquer pessoa dotada de um gadget nos tornaria leitores mais assíduos. Pelo contrário, isso provocou o desaparecimento de um numero muito grande de livrarias físicas e lançou os livros dentro do um caos de informações que é a rede mundial de computadores.
A virtualização dos livros dividiu opiniões. Alguns rejeitaram a ideia e continuam praticando a leitura física e “sentindo cheiro de papel”. Outros (como eu) andam com sua biblioteca na mochila, consultando-a a todo instante e lendo cerca de 80 livros por ano. Mas estamos falando de quem de alguma forma ja possui o habito de ler. E quanto aos que ainda não possuem o habito da boa leitura?
Estes navegam de informação e informação, repetindo-as sem análise e chegando a lugar nenhum. A escola enfrenta esse problema: os estudantes simplesmente não leem e quando o fazem, possuem uma dificuldade muito grande de interpretar o texto.
Os dados estão na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, feita com 5.012 pessoas em 311 municípios de todos os Estados em 2007.
Vejo esse problema como algo muito grave. Pois todo o pensamento humano e suas aplicações nas diversas áreas do conhecimento estão estruturadas por meio de uma lógica necessária de se entender para que ao apropriar-se dessa lógica, o individuo possa aplicá-la da forma que desejar. Sem o habito da leitura, a pessoa terá uma noção muito ruim, dessa estruturação lógica e sem se apropriar dela irá depender SEMPRE da interpretação de terceiros. Se esse problema for levado à vida adulta, a dependência desse individuo o tornará um alvo fácil e subserviente.
Quando comecei a ter contato com mais pessoas que também nutrem um gosto por jogos analógicos notei uma constante muito preocupante: Grande maioria não gosta ou tem preguiça de ler o manual. Para estes um manual de 12 páginas já é algo custoso. Para estes, ler um manual de 32 páginas é um desaforo.
Me lembro de quando pegava emprestado suplementos de RPG e me obrigava a ler cerca de 200 páginas em menos de uma semana para devolver o livro rapidamente. Ler e anotar “à mão” tudo que achasse relevante para os meus propósitos. E hoje a falta de leitura é um mal que afinge até mesmo RPGistas veteranos, que não se dão o trabalho nem ao menos de ler as informações mas básicas da raça ou da classe do seu personagem.
Não é atoa que vídeos de regras fazem tanto sucesso no youtube. Por meio do vídeo temos a informação “toda mastigada” por que o trabalho intelectual já foi feito por outra pessoa. Essa outra pessoa, estudou as regras, se apoderou de sua estrutura lógica e cresceu cognitivamente. Ela filtra o que bem entender e vende o que bem quiser a quem asiste o vídeo. Algumas vezes, quem assiste ao vídeo paga por algo que ela poderia ter “de graça”.
Espero que alguns descubram que ler e estudar um manual pode ser tão prazeroso quanto jogar. Antes do youtube era lendo o manual do jogo que se podia ter alguma noção de como o jogo funcionava na mesa. A facilidade do Youtube não deve substituir a leitura do manual, mas servir como ferramenta para enriquecer o entendimento sobre o jogo.
Considero que ler o manual e conhecer as regras, ainda que superficialmente deve ser uma obrigação de todos que se propõe a jogar. O habito de esperar que alguém sempre lhe explique as regras do jogo é um comportamento que denota no minimo uma falta de comprometimento com o ato de jogar.
Com grande frequência alguém quando vai se referir ao tempo do jogo, contabiliza o tempo de explicação das regras como se isso fosse algo “do jogo”. Se todos chegarem na mesa com uma boa noção da regras esse tempo tende a zero (ou a próximo de zero). Claro que sempre tem as pessoas que sentem algum prazer em receber a atenção quando explicam as regras para uma plateia e faz questão de que os outros sempre saibam menos que ele próprio, mas aí é outra história.
Se você está em um hobby que se propões a ser “analógico” deveria ao menos uma vez ponderar sobre estas questões. Por fim eu queria dizer apenas: parem de pedir explicação de regras, preguem a bunda na cadeira e leiam a droga do manual.