A civilização moderna se constituiu no refinamento da “arte” de reprimir nossos desejos por sexo e por violência. O entretenimento é uma das expressões máximas de repressão a esses desejos. O jogo é isso: uma oportunidade de esquecer(reprimir) o impulso sexual e o impulso agressivo.
Olhando para os jogos de hoje é perceptível o quanto os jogos se afastam (em sua maioria) da sexualidade ou abstraem (banalizam) a violência. Alias a violência é tão banalizada que ela se torna divertida, distante do que o é de fato e por vezes até motivo de orgulho de jogadores.
Freud diz que a modernidade “é mais ou menos beleza (“essa coisa inútil que esperamos ser valorizada pela civilização”), limpeza (“a sujeira de qualquer espécie parece-nos incompatível com a civilização”) e ordem (“Ordem é uma espécie de compulsão à repetição que, quando um regulamento foi definitivamente estabelecido, decide quando, onde e como uma coisa deve ser feita, de modo que em toda circunstância semelhante não haja exitação”.
Beleza, Limpeza e Ordem são características bem presentes no design e na execução dos jogos.
A termodinâmica diria que estamos evoluindo para um estado de maior desordem (e isso é uma Lei natural, não um postulado). Curiosamente o rompimento com a modernidade me faz pensar em como a palavra evolução é significada de forma tão pobre.
Temos cada vez mais jogos e menos tempo para jogar. Fazemos cada vez mais amizades longe de nossas cidades (com as quais talvez nunca jogaremos ou o faremos 1 vez por ano). Queremos aproveitar cada vez mais jogos no menor tempo possível. Nos reunimos cada vez mais para falar de jogos do que para jogar.
Me lembro também que colegas da área de artes sempre dizem: que o moderno é ultrapassado. Sou levado a pensar, portanto, se faz sentido chamar um jogo de tabuleiro contemporâneo de “moderno”. E essa reflexão se estende para o fato do questionamento de que ser moderno é ser melhor? O que é ser moderno?
Vendo esse fenômeno pelo prisma de que jogos analógicos de tabuleiros e jogos de cartas, hoje se constituem a um tipo de resistência frente a virtualização das relações e dos processos, adjetivar um jogo de moderno é uma atitude conservadora de negar o diálogo desse tipo de jogo com o mundo virtual da era contemporânea. Como uma tentativa de negar um futuro que já é presente mantendo no passado uma tradição cultural ao mesmo tempo em que carrega a ideia de atualização temporal (progresso) de conceitos. Então de fato, um jogo moderno é um jogo ultrapassado.
Essa característica não se constitui como um mérito ou defeito mas como algo que pode servir de refugio aos que de alguma maneira sentem algum desconforto frente aos novos paradigmas do mundo contemporâneo. Não raro adeptos dessa pratica (se divertir com jogos analógicos) se vangloriam justamente de ter no tempo de jogo uma “desconexão” com o mundo virtualizado.
Ser moderno então é viver o paradoxo de gastar 80% do tempo de hobby se relacionando digitalmente, consumindo digitalmente, se dedicando digitalmente e 20% jogando analogicamente. O jogo moderno me parece necessitar de resinificações ou permanecer nessa incoerência conceitual que Freud chamaria de mal estar moderno.