Gosto de jogos abstratos. Apesar de ter passado por muitas mudanças desde o dia em que foi rabiscado pela primeira vez o Projeto 3R preservou por muito tempo suas principais características:
- É um jogo de corrida por um trilha.
- É um jogo de marcar pontos.
- É um jogo de componentes simples.
- É um jogo sem profundidade tática ou estratégica.
É o tipo de jogo que eu não compraria se nunca tivesse jogado. Tenho uma aversão grande por jogos rasos. Prefiro passar oito horas jogando um único jogo e ter uma experiência épica por toda a vida do que jogar trinta partidas de um jogo que nem vou me lembrar dele na semana seguinte. A vida é curta demais para perder tempo com coisas sem importância.
Comentei com uns meninos sobre o Projeto 3R em um outro colégio (lecionar em mais de um colégio é uma necessidade grande para mim). Eles que são adeptos do zombicide torceram o nariz para algo tão rudimentar. Mas a ideia de desenvolver um jogo analógico despertou interesse neles e então passamos a dedicar nossos encontros para discutir sobre isso ao invés de meramente jogar alguma coisa.
No dia em que joguei pela primeira vez o Projeto 3R, ao chegar em casa escrevi as regras do jogo e me debrucei sobre o desafio de criar um tabuleiro nas dimensões de uma folha de papel no formato A4. Persegui esse formato durante todo o desenvolvimento, pois em minha mente ele viabilizaria a confecção de um jogo de baixo custo. Esse fator me obrigou a encarar a impossibilidade de criar uma trilha maior (a nossa pista de corrida) mas ao mesmo tempo me desafiou torná-la atraente e inteligente (no final acho que falhei nisso).
As tampinhas de garrafas no meu texto de regras foram substituídas por cubinhos de madeira, uma cor para cada jogador. Os dados permaneceram mas eu sentia uma frieza muito grande ao manipulá-los apesar de gostar do fato de representarem uma soma de números positivos e negativos.
O material impresso empolgou os meninos do grupo original, com os quais concebi o Projeto 3R. Apesar do jogo continuar divertindo ele era muito lento e a trilha de pontos do tabuleiro não funcionava muito bem. A regra de poder rejogar um dos dados ao custo de retornar 1 posição na trilha deu aos jogadores um pouco mais de controle sobre o fator sorte mas banalizou um pouco os resultados obtidos. Uma regra combinada "em cima da hora" era que um jogador no inicio da trilha não poderia rejogar o dado já que não poderia pagar o custo (voltar 1 casa na trilha).
Nossas tampinhas plásticas de garrafa estavam em uma corrida mas permaneciam paradas em uma posição da trilha enquanto acumulávamos pontos para vencer o jogo (ou reduzir os nossos pontos negativos). A corrida que disputávamos não parecia acontecer no plano das 3 dimensões físicas e isso me fez pensar em associar um tema para o jogo: talvez pudéssemos associar com as 4 dimensões do espaço-tempo como teorizada por Eisntein.
Em casa pensei em uma forma de diminuir a frieza dos dados e descrevi sua regra simplesmente como rolar os dois dados e subtrair o menor resultado do maior. Pronto. Sem menção aos números inteiros ou operações com positivos e negativos o jogo ficaria mais simples, mais fácil de entender e explicar. Em uma explicação posterior usei uma analogia que marcou definitivamente o projeto:
Pense que o dado vermelho representa um numero de ratos e o dado branco representa grãos de milho. Cada rato obtido no dado vermelho come um milho obtido no dado branco. No final sobram ratos ou milhos. Os milhos te dão pontos e os ratos comem seus pontos!
Os dado "brasileiro" e "floresta negra"(apelidados carinhosamente por alunos).
Peguei dois dados e pintei-os. Verde e amarelo para o dado dos milhos. Marrom e vermelho para o dado dos ratos. Apesar de estarem longe de uma obra prima achei os dados bonitos demais para terem uma função tão rudimentar e passei a pensar em como poderia usá-los de uma forma mais inteligente. Claro que não consegui mas me veio em mente a possibilidade de que ratos e milhos fossem os "recursos" do Projeto 3R.
As tampinhas de garrafa passaram a se mover apenas 1 área por turno. Mas os jogadores poderiam alocar na trilha cubos amarelos ou cubos marrons (ratos e milhos respectivamente). Ratos bloqueavam a passagem enquanto que os milhos faziam as tampinhas voarem até eles, conseguindo mover-se uma distância maior.
Os jogadores poderiam "estocar milho" ao invés de alocá-los mas os ratos deveriam ser alocados imediatamente ou comeriam pontos do jogador. Surgiu a ideia de fazer o jogo em acontecer em duas fases:
1 ) Fase de obtenção / alocação de recursos.
2 ) Fase de movimento.
Na alocação de ratos ou milhos eles se neutralizariam obviamente: cada rato pega seu milho feliz e vai embora. Mas o que fazer quando as tampinhas de garrafa chegavam na mesma área da trilha que estava alocado o milho?
De forma intuitiva o jogador poderia pegar o milho dali e descartar evitando que outros jogadores pudessem voar para alcançá-lo. Limitei o número de jogadores em uma mesma posição da trilha a 3.
Não me lembro como mas a expressão de limpar os milhos de uma área passou a ser referenciada como "eu como esses milhos". Intuitivamente a ideia de usar dados no lugar das tampinhas de garrafa surgiu definitiva em minha mente: Os jogadores controlam galinhas que na verdade são dados e quando comem milho se tornam dados de valores mais altos!
Desisti da ideia da Relatividade. Seria estranho ver galinhas movendo-se no espaço tempo, comendo milho enquanto distorciam a teia da realidade em uma corrida por uma folha de A4.
A elegância do Quantum me mostrou um caminho por onde seguir: galinhas menores eram mais rápidas e as maiores eram mais pesadas porém poderiam botar ovos e se tornar mais leves! Ao invés de 1 única galinha o jogador deveria controlar 6 galinhas e levar ao menos 4 até o final da trilha.
As principais diretrizes do Projeto 3R finalmente estavam definidas. Mas ainda faltava um toque de estratégia e então a ordem dos turnos passou a ser o próximo do ponto. Na Fase de Obtenção/Alocação de recursos os turnos aconteceriam em ordem inversa (o primeiro jogador seria o ultimo) enquanto que na Fase de Movimento os turnos aconteceriam normalmente (com o primeiro jogador jogando primeiro).
Os testes que se seguiram mostraram um jogo travado, lento e de fritar o cérebro mas ainda com alguma pitada de sorte graças aos dois dados de recursos. O jogo simples de corrida se tornou em um verdadeiro quebra cabeça com mais de 2 horas de duração com 4 jogadores. Adorei o monstro que tínhamos criado mas o maior desafio estava por vir: lapidá-lo em busca da simplicidade inicial.