Disclaimer: Uma coisa que eu preciso deixar claro nesse review é que eu ainda não terminei minha campanha. Nesse momento me encontro praticamente na metade dela. Gostaria até de escrever esse review ao final, mas a Quarentena está impedindo nosso grupo de se encontrar. Creio no entanto que, após mais de 7 partidas e 30 horas de história, eu possa dar uma opinião real do que você vai encontrar em Tainted Grail
Eu nunca fui fã de RPG. Nunca! Aliás, ROLE PLAYING é algo que eu tenho um bloqueio imenso. Sabe quando, no trabalho, que alguém resolve fazer um treinamento com ROLE PLAYING de uma situação qualquer, tipo uma negociação, um conflito ou sei lá, como seria a interação ideal entre colegas de trabalho? Então eu já ofereci uma grana para minha chefe deixar eu dizer que estava passando mal e ir embora (true story) só para não passar por essa situação (ela riu e obviamente disse não, para quem ficou curioso).
Não sei dizer bem o que me tirava do clima de RPG já que sempre gostei de jogos. Acho que primeiro, o tema nunca me pegou totalmente. Depois, me parecia longo e trabalhoso demais. Por último, a visão do mestre que vai inventando umas situações da cabeça dele sempre me pareceu aleatório e demasiadamente dependente. Nem mesmo em Videogame. Diablo, Baldur's Gate, e jogos Hack and Slash nunca me chamaram a atenção. E aí vieram os boardgames. E por mais que eu fugisse dos jogos baseados em RPG que fossem dungeon crawler (Sword & Sorcery, Gloomhaven, etc) eu percebi que os que eram baseados em história e imersão estavam se tornando meu estilo favorito. E é aí que entra Tainted Grail.
"Essa ilha nunca foi destinada a humanos. Crescendo sobre a fronteira entre nossa realidade e o poder ancião conhecido a Estranheza, ela era populada por uma raça lendária e misteriosa. Mas os humanos vieram mesmo assim, com seus barcos de madeira, seus reis ambiciossos e seu exército de cavalheiros.
Fugindo da praga que destruía sua distante terra natal, eles tomaram a ilha, pedaço a pedaço, erguendo Menhirs de formas agourentas e propósito misteriosos. Os antigos senhores da ilha, foram aos poucos, se tornando uma lenda.
Quatrocentos anos depois, nem mesmo seus nomes são relembrados; o povo de Avalon os chamam de os Primeiros-Nativos. Os tempos são difícieis. Os Menhirs estão morrendo, e sem seus poderes, a terra ira sucumbirar para dentro da Estranheza. É por isso que sua cidade juntou 5 dos seus maiores e mais sábios guerreiros para buscar ajuda na distante Kamelot. Esses heróis serão enviados à bravura pelos perigos desta terra selvagem. Você os observa de longe. Você NÃO é um deles"
Tainted Grail, como se pode ver, é um jogo ambientado na ilha de Avalon, mas você não joga como Merlin, Arthur ou qualquer um dos cavalheiros da Távola Redonda. Você sequer joga com um herói. Você é um ser comum. Que, ao ver todos os heróis falharem, vira a última linha de defesa entre seu povo e a escuridão da Estranheza. Os Menhris, grandes estátuas de poder mágico que afastam a Estranheza e iluminam o seu mundo estão cada fez mais fraco e cabe então a você, após todos os heróis falharem, arrumar uma solução.
A idéia do jogo é que você jogue um total de 15 capítulos dentro de uma campanha. Cada capítulo tem uma duração variada. Diria que o menor se joga em 2 horas e o maior em algo na casa de 10 horas (há como parar no meio e voltar outro dia). Em geral, duram cerca de 4 horas. E aqui, já falo qual é o maior mérito do jogo: por ter contratado um escritor profissional de livros e jogos de RPG, a história construída ficou extremamente imersiva e interessante. Essa, foi, sem a menor sombra de dúvida, o maior acerto da Awaken Realms na produção desse jogo.

A jogabilidade lembra um pouco a mistura do 7th Continent com Gloomhaven. A exploração do jogo é feita com um mosaico de cartas que vai desenhando a terra desolada. Essa escolha de mapa de exploração baseado em mosaico de cartas se mostra o mecanismo perfeito para esse tipo de jogo, criando uma grande visão do mapa da terra e a ansiedade de descobrir pedaço a pedaço, carta a carta, o que está ao lado. Já o combate, utiliza o sistema de deck building e baseado em cartas, que tem influências de Gloomhaven e de Jornada na Terra Média que parece que tem conquistado o público. O jogo, nem de longe, entrega a decisão estratégica de cartas do Gloomhaven, mas funciona de uma maneira mais redonda do que o jogo de Aragorn e Legolas tentou entregar. Alías, já que citei Jornadas na Terra média, diria que Tainted Grail é tudo aquilo que eu queria que o Jornadas fosse. Um jogo aberto, baseado em história de exploração a um mundo interessantíssimo.
A cada capítulo você é apresentado com uma ou mais tarefas e outras vão sendo descobertas no meio do caminho. Você LITERALMENTE, pode se embrenhar por qualquer canto do jogo. As vezes, as tarefas são quase que antagônicas. Você pode ir pra direita para seguir o caminho A do jogo ou para esquerda e fazer algo completamente diferente. Ambos, vão te levar a algum ramo da história. E garanto ser impossível abrir todas as situações. Muitas coisas, só estão abertas em um momento do jogo, e não adianta procurar ou explorar aquele mesmo local depois, pois o que estava lá já não está.
A evolução dos personagens também é interessante e notável. Você se equipa, desenvolve novas habilidades e, na metade do jogo, já é alguém muito mais preparado do que começou o jogo.
Tainted Grail então é um prato cheio para quem curte RPG: mundo de fantasia baseado nas aventuras arthurianas; história interessante que lhe faz querer explorar cada canto do tabuleiro; desenvolvimento de personagens e uma aventura cooperativa que lhe coloca no meio de um mundo fabuloso. Seria então o jogo perfeito para quem gosta de uma experiência imersiva? Também não é bem assim.
OS PROBLEMAS(E AS SOLUÇÕES) DE TAINTED GRAIL
Apesar de todas as qualidades do jogo, e da minha empolgação com as partidas ser real, o jogo recebeu muitas críticas de muita gente e acho que elas são quase todas pertinentes e precisam ser ditas, pois, definitivamente, não irá agradar a todos.
O primeiro, e talvez maior defeito do jogo, citado por 10 a cada 10 reviews que não curtiram, é o esforço hercúleo de manutenção do mundo vivo. O jogo tem a figura dos Menhirs que são interessantíssimas. São estátuas poderosas que ilumam o mundo a sua volta e mantém de fora a Estranheza. Só que elas precisam ser mantidas acesas. Elas só iluminam as cartas a sua volta e para explorar novos lugares, você precisa acender novos Menhirs. Mas todos eles tem um dial, com um número limitado (e CURTO!!!) de dias que eles ficam acesos. E, principalmente nas 3 primeiras aventuras do jogo, a impressão que dá é que você passa o dia arrumando recurso para manter o Menhrir aceso para ganhar mais tempo para pegar mais recurso para manter o Menhir mais tempo aceso para então buscar mais recursos.... e por aí vai. E com isso, ao invés de passar os capítulos explorando a excelente história e descobrindo os segredos desse novo mundo, você passa horas farmando comida para sobreviver mais tempo pra farmar mais comida.
Essa crítica foi tão grande, que a Awaken Realms teve de lançar um Guia de Sobrevivência, dando dicas a galera de coisas que são contra-intuitivas para alguns mas que ajudam bastante a passar por essa fase inicial mais difícil do jogo. Eles até sugeriram (e eu mantenho essa sugestão) que você jogue, pelo menos os capítulos iniciais, no modo fácil (chama Story Mode), onde as coisas custam um pouco mais barato para serem ativados e duram mais tempo. Com isso, você pode gastar mais tempo explorando a história, que é o melhor do jogo.
Outro problema no jogo é o tempo que se pode levar até encontrar o ramo correto da árvore da história. Não é apenas um caminho para seguir. O jogo permite que você siga uns 3 caminhos principais diferentes no mínimo, com inúmeras ramificações dentro deles. Mas existem sei lá, 40 lugares diferentes para ir. E por mais que a todo momento você tem dicas do que seguir, você pode gastar um bom tempo na tentativa e erro da coisa errada e parecer que está preso em um dead end e não conseguir prosseguir na história.
A minha opinião sobre esses 2 problemas é que eles são reais e válidos. Agora, quando eu comecei a jogar com meu grupo, o Guia de Sobrevivência já tinha saído. Li bem ele e li também dicas de quem tinha tido boa experiencia do jogo no BGG. Com isso, conseguimos seguir dicas gerais que melhorou nossa gestão de recurso no jogo. Saber a hora de comer e a hora de passar fome no jogo por exemplo é COMPLETAMENTE ESSENCIAL para uma boa experiência do jogo. Além disso, seja por que interpretamos bem os sinais, ou por que simplesmente demos sorte, nossas escolhas com relaçao a história foram acertadas e conseguimos, com relativa rapidez, encontrar o fio de condução que nos levaria onde queríamos. E depois que já conseguiu explorar tudo, fica bem mais fácil pois você já relaciona os enigmas com os locais.
Vale aqui fazer um comentário interessante. Jogar em 4 pessoas, ou pelo menos 4 personagens (você pode controlar mais de 1 caso queira jogar solo ou em 2) se mostrou uma escolha acertada. Quando precisavamos explorar mais coisas nos dividíamos e cada um ia para um canto, cobrir mais espaço de uma só vez. E quando precisavamos de estar mais forte ou buscar mais coisas, nos juntávamos para fazer as ações juntos. Isso nos deu a possibilidade de explorar mais rapidamente no início e abrir mais história e informações. Inclusive a escolha de com quem jogar, caso você jogue com menos personagem é importantíssima. O jogo tem um personagem chamado Beor, que parece ser o principal e mais escolhido, mas, jogar solo apenas com ele, por exemplo, pode ser suicídio pois ele tem defeitos que deixam tudo mais difícil para o jogador. Maggott e Arev são personagens muito mais equilibrados e capazes de render mais em um jogo de baixa contagem.
Ainda vi canais dizendo que a história é repetitiva e cansa após umas 3 partidas de jogo. E nisso eu discordo muito. Já joguei cerca de 30 horas de Tainted Grail e até agora eu mal posso esperar no que vai acontecer no lugar A, ou o que eu consigo abrir no local B se eu voltar lá com o ítem que eu consegui agora. No máximo, concordo com os que dizem que a exploração reduz com o tempo. Você para de ir a todos os lugares para ver como é e passa a jogar mais focado na história principal.
A única coisa que de fato me incomodou um pouco foi que, mesmo tendo tanto capricho na produção da arte, da história e das miniaturas, a Awaken Realms pareceu voltar no tempo ao incluir um livro de história no jogo. É basicamente 200 folhas encadernadas de forma que até destoa do resto do esmero da produção. Em pleno 2020, o jogo deveria ter feito um aplicativo, inclusive tendo contratado um narrador para narrar a história, o que, além de ajudar na imersão, ajuda a todos a acompanharem melhor a história ao invés de ficar foleando um livro pra baixo e pra cima e querendo que todos prestem a atenção no que apenas 1 está lendo. O app chegou a ser anunciado e vai sair. Mas aí, a minha campanha provavelmente já terá acabado. Ficará como atrativo para quem comprar no Retail o jogo.
CONCLUSÃO
Mecanicamente falando, acho que não há como se comparar Tainted Grail com Gloomhaven por exemplo. A evolução dos personagens e a implementação do combate baseado em carrtas do número 1 do BGG parece ser imbatível. Mas Gloomhaven nunca me conquistou. Isso por que, entrar numa sala, bater num cara e pegar ítem nunca foi algo que me entreteve num jogo. Eu preciso de um motivo para aquilo, que só uma história bem contada me fornece. Acho que é isso que Tainted Grail entregou para mim que o colocou tão acima também de 7th Continent por exemplo, que tem várias coisas interessantíssimas e até mais bem implementadas, mas novamente, falta uma narrativa.
Ter um bom grupo para jogar esse tipo de jogo, que se empolga com as descobertas e está curioso pelo próximo capítulo junto com você, ajuda DEMAIS nessa experiencia também. E olha que eu sou o Senhor Rabugento nesses jogos reclamando de tudo e de todos e eles me toleram com a paciencia de Jó.
Agora, não ignore as críticas. Do mesmo jeito que tem eu e outros canais adorando o jogo e colocando como uma das melhores experiências de tabuleiro, há inúmeros outros que, de forma bem embasada, tiveram uma experiência não tão positiva assim.
Mas mesmo assim, por tudo isso que já citei até aqui, seja pela excelente narrativa e história que me faz ficar ansioso a cada novo trecho que vamos ler, seja por mais uma produção primorosa da Awaken Realms ou seja pelo meu grupo que ajuda tudo ficar mais divetido, a experiência que Tainted Grail me fornece ao jogar, é exatamente a experiência que hoje eu mais busco num boardgame. E é por isso que, de todas as privações que eu tive nesse tempo de quarentena, não jogar Tainted Grail tem sido a mais dolorosa.
PS: TAINTED GRAIL NO BRASIL
Bem, como vocês podem imaginar de um jogo baseado em narrativa e com livro de história de 200 páginas, o jogo é, extremamente dependente de idioma. Por isso, quem precisa dele em Portugues para jogar com seu grupo pode ficar na esperança que a Galápagos tem trazido outros jogos da Awaken como This War of Mine, Lord of Hellas e Nemesis. Acho que mais cedo ou mais tarde vem Tainted Grail também. Mesmo por que, apesar de ser um Kickstarter cheio de exclusivos, esse jogo tem uma excelente implementação de um jogo base que não depende, nem um pouco dos exclusivos para ser um jogo melhor ou mais completo. É um exemplo de Kickstarter cheio de cosméticos para quem curte um jogo pimpado, mas sem buracos ou opções para quem quiser pegar a versão retail.
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