Pode ser que a palavra “filler” tenha surgido (ou pelo menos ganhado força) quando a luta entre Goku e Freeza durou uns 25 episódios, sendo que o planeta Namekusei explodiria em 5 minutos. Sendo assim, sempre que queremos dizer que algo está ali só pra preencher um período de tempo, sem pretensões, chamamos esse algo de filler. No campo dos board games, geralmente são jogos bem curtos, que duram até 15 minutos, com regras muito simples, tema leve e, na maioria das vezes, descontraído.
Ao fazer tal associação, o termo chega a causar certo incômodo, pois carrega consigo o sentido de que um filler necessariamente é um jogo fútil, com a única proposta de manter jogadores ocupados antes ou depois de partidas mais longas, evitando que discussões infindáveis do tipo “Power Grid é só um jogo de leilão?” acabem matando todo mundo de tédio (ou de porrada, a depender do grupo).
Vamos lá, um jogo não pode apenas querer ser simples, rápido e divertido? E se ele atende muito bem a esta proposta, não é um bom jogo? Claro que sim. Nem só de cubos coloridos e salada de pontos é feito o pódio dos jogos de tabuleiro. Reiner Knizia sabe disso, e, pra corroborar com tais ideias, basta olhar para este finalista do Prêmio Spiel des Jahres como Jogo do Ano de 2019: Lhama.
Em Lhama, cada jogador deve jogar uma carta de acordo com a que foi jogada por último na mesa, sendo igual ou maior a esta. As cartas vão de 1 a 6. Há ainda a carta da Lhama, que só pode ser jogada depois do 6. O 1 só pode ser jogado após uma carta de Lhama. Se o jogador não puder jogar nada, ele escolhe comprar da pilha ou passar. Basicamente, o jogo é isso.
A rodada termina quando alguém bater - descartar a sua mão - ou se todos passarem. Soma-se os pontos das cartas restantes da mão (cartas iguais só pontuam uma vez). A carta de Lhama vale 10 pontos. O jogo termina quando alguém faz 40 pontos, com o vencedor sendo aquele que fez menos pontos.
A estratégia de Lhama está nas tomadas de decisão: saber quando jogar determinada carta e quando comprar/passar. Jogar determinada carta pode ter um impacto no resto da rodada se você ficar sem opções de jogada, o que leva a uma nova tomada de decisão: continuar jogando ou passar? Será que vale a pena comprar uma nova carta, já que minha pontuação é relativamente baixa? E se eu comprar uma carta de Lhama? Como as decisões dos jogadores impactam no todo, cria-se uma camada estratégica bem sólida se levar em conta que suas mecânicas são simples. Bons designers sabem implementar isso muito bem.
Knizia usa também um artifício muito interessante: os pontos dos jogadores são acumulados em forma de fichas de valor 1 e 10. Quando um jogador bate, ele pode devolver uma de suas fichas, reduzindo sua pontuação. Sendo assim, pode-se devolver 10 pontos em uma rodada – causando reviravoltas na partida. Isso torna o jogo menos punitivo e, consequentemente, mais competitivo.
Se juntarmos esses fatores à inexistência de take that, com blocks quase sempre indiretos, consegue-se explicar o motivo de Lhama ter agradado vários tipos de jogadores, pois até os fãs de jogos com pouca interação vão se sentir representados. Por isso, não se espante quando você e seu grupo perceberem que estão jogando este “filler” há horas. O fato dele ser rápido proporciona algo que você provavelmente não vai conseguir fazer com seu euro favorito: jogar várias partidas em sequência sem derreter o cérebro. Afinal de contas, é mais difícil repetir o prato principal do que se entupir de aperitivos a noite toda.
Lhama é um must have na coleção e um dos melhores JOGOS já feitos.