Já passava da meia-noite quando eu cheguei à parte final do livro Harry Potter e As Relíquias da Morte. Naquele momento, a euforia por ver o desfecho daqueles personagens que acompanhei durante anos era tão grande que ficou impossível ir dormir. Terminei o livro naquele mesmo dia, quase cinco da manhã.
A quarta temporada de Breaking Bad pra mim é a melhor de todas. Eu me lembro que já passava das 11 da noite quando ainda faltavam uns quatro episódios para terminá-la. Naquele momento a narrativa tinha chegado a um ponto tão envolvente e tão apoteótico que eu sabia que eu PRECISAVA ver os episódios restantes. Fui dormir às quatro da manhã.
Você deve estar se perguntando: o que o fato desse cara ir dormir tarde tem a ver com um board game? Explico.
Usei os exemplos acima para abordar um aspecto comum que eles possuem com essa joia que é Detective: A Modern Crime Board Game: a capacidade que as três obras têm de te jogar dentro desse Maelstrom narrativo. Esse turbilhão de sensações e sentimentos que Detective traz por meio de sua trama e de sua mecânica é algo ímpar – posso apostar que nenhum outro board game vai te trazer uma imersão igual.
Com relação aos exemplos, Detective ainda tem como trunfo o fato de que não somos apenas leitores/espectadores, fazendo com que o jogador sinta que faz parte daquela narrativa e que tem o controle dela. Detective usa, basicamente, dois elementos para fazer isso: o texto bastante descritivo e as tomadas de decisão.
Cada carta traz em seu texto não só informações essenciais para que os jogadores possam desvendar a trama, mas descreve exatamente como as coisas estão acontecendo. Ao dizer algo como “você cruza a rua, compra um café e um donut enquanto espera o sistema realizar uma busca que provavelmente não vai dar em porra nenhuma”, o jogo traz detalhes de uma cena comum, sem nada de mais, mas que serve justamente para ambientar o jogador. O que o jogo está querendo dizer é: amigo, resolver crimes, na maior parte do tempo, é um trabalho cansativo e frustrante. Ou seja, ele está deixando o jogador bem mais próximo daquele universo. E isso é fantástico.
Outra coisa que o texto rico em detalhes proporciona é a possibilidade de esconder pistas relevantes em coisas que poderiam passar despercebidas. Diversas vezes nosso grupo relia as cartas para tentar pegar alguma nuance, alguma interpretação diferente de uma fala. Algo que um investigador na vida real faria, com toda certeza.
Outro ponto alto da imersão narrativa é a tomada de decisão. Há diversas formas de se chegar a uma mesma conclusão, deixando o jogador no comando. Mas diferentemente de outros board games, uma única decisão equivocada aqui pode te custar toda a resolução do caso, graças à pouca quantidade de prazo disponível para elucidá-lo. Há momentos em que uma carta errada e bum! O caso termina e você perdeu. Mais vida real que isso, impossível.
A maneira como os casos se relacionam e a tensão vai crescendo à medida que se avança no jogo é algo sublime. Cada caso, onde ele começa e como termina foi perfeitamente pensado para que a narrativa crie uma expectativa imensa. Sabe o livro e a série que citei no começo do texto e que não conseguia parar? Em Detective, cada caso é pensado pra ser um capítulo/episódio em que ao final, você esteja ávido pra começar o próximo.
Detective: A Modern Crime Board Game vai muito além de suas pretensões como um board game de dedução: é uma experiência narrativa e imersiva espetacular. Por isso, mesmo que você não seja fã do estilo, dê uma oportunidade a ele. Faça um curso de inglês, se for preciso. Pois Detective é como aquela viagem dos seus sonhos – cada minuto é desfrutado como se o resto não tivesse importância.