Depois de bastante tempo, resolvi voltar a escrever resenhas pra Ludopédia. Como o intuito do canal não é monetizar e sim falar de jogos que eu gosto (principalmente os pouco conhecidos), não sei a frequência que voltarei a escrever. Mas sei que sem sombra de dúvidas, esse é o jogo legal mais desconhecido do qual falarei. Ele sequer estava cadastrado na Ludopédia antes desta resenha e de seus dois irmãos anteriores, apenas um está por aqui.
Conheci este jogo no kickstarter. Em 2019 eu estava com uma grana sobrando e acabei abusando dos KS, pegando alguns mesmo sem conhecer ou saber do que se tratavam. Exatamente o caso de Sands of Shurax.
Agora que o jogo chegou, descobri que "Hexplore It" é uma série de jogos que utilizam a mesma mecânica e Sands of Shurax é o terceiro volume da série, funcionando tanto como stand alone quanto como expansão para os anteriores. Isso por que, por utilizarem o mesmo sistema, é possível misturar criaturas, cartas e tudo o mais de um jogo com outro.
Mas o que é Sands of Shurax?
Bom, no geral eu gosto de fazer uma resenha explicando as regras por alto, mas neste caso é impossível. Sands of Shurax é um jogo estilo sandbox, completamente focado no RPG, para 1 a 6 jogadores. Na verdade, acho que ele só funciona em no máximo 3 jogadores, sendo 2 ou solo o número ideal para se jogar.
No jogo, uma besta titânica está causando muitos problemas e cabe aos jogadores tentar fazer o melhor possível para ganhar o jogo. Digo fazer o melhor possível, pois existem 04 formas distintas de ganhar o jogo: matar a criatura - juntar MUITO (mas muito mesmo) dinheiro pra contratar um exército que pode matar a criatura - subjugar a criatura sugando todo seu poder mágico - ou a forma mais sombria de todas, se juntar a criatura fazendo com que ela destrua 3 das 4 cidades existentes.
Para realizar qualquer uma dessas missões é necessário criar sua party. E essa é uma das partes mais legais do jogo. Existem muitas classes e raças, cada uma pode ser combinada de maneira única.
Spoc'k meu templário da raça Vulcanus
As classes estão divididas em striker, healer, assist, debuffer e specialist. Muitas vezes existem mais de uma classe dentro da mesma divisão, então você pode ser um striker guerreiro ou comandante. Ou um debuffer psionico ou assassino e assim por diante. As raças também entram na conta, dando alguma vantagem e aumentando suas estatísticas. Em todos os aspectos, Sands of Shurax é o mais perto de um RPG de mesa em forma de jogo de tabuleiro.
O legal é que o game vem com fichas e canetas que podem ser apagadas, assim você cria seu personagem único em cada partida.
Scorpiana, assistente da raça Phororan
Um mundo muito aberto
Tabuleiro ainda inexplorado
A besta de Shurax é um inimigo muito dificil. A única forma de conseguir derrotá-lo, não importa qual das quatro formas você escolha, é explorando o mundo. E aí, existem dezenas de ações que podem ser feitas. Nesse sentido o jogo lembra muito Mage Knight. A maior parte da ação se passa nas Wastelands onde é possível realizar missões para uma das quatro cidades existentes, encontrar oásis onde há comida e podemos nos curar dos diversos status negativos, negociar com caravanas, ajudando as mesmas a ir até as cidades (o único jeito de acessar uma cidade é se juntando a uma caravana) ou lutando contra bosses.
Cada uma das quatro cidades é viva de sua própria forma. É possível participar de Arenas de luta e conseguir fama. Ou tentar a sorte em jogos de azar. Talvez encontrar um bazar e negociar itens ou mesmo melhorar suas estatísticas, comprando melhorias, entre mais algumas ações que com certeza estou esquecendo. Tudo é muito rico e detalhado.
Ações da Arena
Quando encontramos uma caravana por exemplo, ela é liderada por um "Mestre da Caravana". Existem muitas cartas de mestres da caravana e eles podem ter um temperamento cruel ou bom. Talvez tenham um espírito mercador e alguns itens para vender. Existem muitos mestres de caravana, cada um com sua peculiaridade. A viagem até qualquer cidade estado é repleta de eventos, resolvidos através de um deck de "viagem da caravana". Os heróis podem escolher ajudar ou não durante estes eventos. Caso ajudem, há uma tabela (que lembra bastante os alinhamentos de D&D) e os heróis andam em direção ao alinhamento do Mestre. Se escolherem não ajudar, os heróis andam no sentido contrário ao alinhamento do Mestre da Caravana. Quanto mais alinhado, mais descontos na negociação de itens entre outras vantagens.
As cidades também possuem os mesmos alinhamentos e quando estamos no mesmo espectro que a cidade, somos melhor recebidos.
Alinhamento do grupo de heróis
Conforme os turnos vão passando, os jogadores também ganham power ups ou mutações (estas últimas ganhas quando entramos em áreas com radiação), que modificam o personagem o deixando cada vez mais forte.
Mas e como o jogo se desenrola?
SoS e basicamente dividido em 5 fases:
- Movimentação dos heróis;
- Teste de Skills;
- Resolução de eventos;
- Resolução de locais;
- Fase do monstro.
Basicamente os jogadores andam pelo tabuleiro e jogam três dados de skill (navegação, exploração e sobrevivência). Uma falha no teste de navegação significa que os jogadores se perderam nas wastelands e são obrigados a andar um espaço numa direção aleatória determinada por dados. Sucesso na exploração permite que os jogadores encontrem dinheiro, que pode ser trocado por melhorias nas Skills nas cidades ou pra comprar mercadorias no bazar. Por fim, falha no teste de sobrevivência significa que não encontramos comida e portanto todos precisam consumir alimentos do estoque ou morrer de fome.
Durante a fase de eventos é possível enfrentar monstros ou situações estranhas. Alguns poucos eventos são benéficos aos jogadores.
A resolução de locais ocorre quando ao invés de parar num lugar aleatório, paramos num local como oásis, caravanas, locais de missão ou bosses.
Por fim, a fase do monstro. O jogo é dividido em 3 atos. Em cada ato o Ravager (a besta de Shurax), aparece de determinada forma e interage com o tabuleiro de formas diferentes. Geralmente, vai destruindo e tornando radiativo os Hex pelos quais ele passa.
E os combates?
Ravager brotando perto dos heróis. Só me restou fugir.
Os combates do jogo são bem estratégicos no geral, pois quase nunca dependem da sorte nos dados. Cada jogador possui um ataque, uma defesa e duas habilidades que gastam energia. No começo do round os jogadores declaram qual ataque vão usar (caso optem por se defender, eles apenas tomam menos dano do ataque do monstro). Após todos os jogadores declararem e anotarem suas ações e quantidade de danos, o inimigo rola um dado para ver qual ataque irá utilizar. Por fim, na resolução são atribuídos os danos tanto aos heróis quanto aos inimigos e começa-se uma nova fase. Com a derrota do inimigo, diversos itens podem ser dropados. Tudo resolvido sem rolagem de dados. Existem inimigos que são considerados "bando" como formigas, aranhas, alguns grupos de mortos vivos, que para combater é necessário rolar dados, mas eles são a minoria,
Exemplo de ficha de inimigo. Ravager o monstrão.
Vale a pena?
Essa é uma resposta muito particular e pessoal. O jogo é muito legal. É possível fazer milhares de coisas. Não é muito dependente de sorte embora tenha muita rolagem de dados. Em muitos aspectos lembra mesmo o Mage Knight pela quantidade de locais, por ter cartas que indicam as ações que podem ser realizadas em cada local, por ter centenas de formas de melhorar os personagens, entre outros. Porém, como é possível imaginar, o jogo é muito complexo em regras. Eu não quis focar nas regras justamente por isso. Mas por exemplo, existem 4 formas de se movimentar pelo tabuleiro. Cada local em que é possível interagir tem suas próprias regras (como é possível ver na ficha da arena mais acima). Durante um combate existem 13 condições diferentes que podem afetar os personagens, como blind, cursed, poisoned, debilitated, etc. Existem também 22 keywords de combate. Palavras que alteram a forma do ataque, tais como ataques que podem ou não ser bloqueados, que sustentam, que refletem, não letais, que não podem ser absorvidos por armadura.. A lista é imensa.
O manual é muito ruim e possui 90 páginas. Porém ele é de um tamanho muito pequeno e estranho e com letras grandes. Creio que se fosse um manual de tamanho normal, teria aproximadamente de 30 a 40 páginas, o que ainda assim é muita coisa. No BGG o jogo está muito bem avaliado, com uma nota 8,4 e uma das coisas mais comentadas é que o sistema Hexplore It (que é quase um sistema de RPG transformado em board) veio evoluindo. Assim, esse talvez não seja um bom jogo de entrada, pois acrescentou muitos detalhes que as versões anteriores não tinham. Ou seja, o sistema está mais robusto e pra quem já conhecia antes, é só se atentar nos detalhes novos, mas pra jogadores que irão conhecer o jogo agora, pode ficar bem pesado. Eu mesmo tive que ler o manual umas 3 vezes e assistir um gameplay, mesmo assim dúvidas aparecem por serem muitos detalhes. Por sorte o canal oficial do jogo no youtube tem diversos vídeos de setup, como jogar, etc.
A rejogabilidade é muito alta. a exploração aleatória, as centenas de cartas de eventos, bosses, caravanas, formas de vencer o jogo e combinação de raças e classes faz com que cada partida seja muito diferente da outra. Único porém negativo para mim, é que todos os heróis andam em grupo (o que até faz sentido na temática) e portanto são representados por uma única miniatura. Existem regras alternativas para separar o grupo em 2, mas são regras avançadas e não recomendadas.
Junto do manual há mais um livro com diferentes cenários (o que aumenta a rejogabilidade) e um livro de histórias apenas para aumentar o fator roleplay. Há também um modo campanha oficial disponível no site, mas vai demorar bastante até eu jogar.
Enfim, Sands of Shurax foi um jogo que acabou me atraindo bastante, mas tem uma barreira de entrada muito alta e portanto, qualquer decisão de aquisição deve ser bem pesada. Ainda assim, gera bons momentos de diversão para quem gosta do estilo.