Desde muito cedo o menino Asclépio foi acometido de uma praga incurável. Sua família mandou trazer curandeiros, sacerdotes e até xamãs para tentar livrá-lo desse mal tão tenebroso, mas tudo em vão, nem Santos nem Demônios pareciam querer curar o garoto.
Seu pai, já conformado com o destino de seu primogênito, decidiu conceder a ele todos os seus desejos até a hora de sua morte. O jovem Asclépio passou a viver amargurado com seu vil destino e se entregou aos prazeres que o mundo poderia proporcionar. Com o passar dos anos, o menino virou um jovem adulto mesquinho e incapaz de se solidarizar com alguma dor que não fosse a sua. Certo dia desejou a sacerdotisa que acompanhava um grupo de aventureiros e a mandou sequestrar, porém seu intento foi detido pelos viajantes.
A clériga se compadeceu da vida miserável de Asclépio e contou-lhe que ao redor do mundo brotavam fontes de água sagrada tão milagrosas que são capazes de trazer uma pessoa de volta a vida. No entanto, essas fontes são quase impossíveis de encontrar.
Asclépio então pediu a seu pai sua parte da herança e partiu pelo mundo em busca dessa fonte milagrosa. Por 7 anos, viajou na companhia de aventureiros e mercenários, até que toda sua riqueza foi consumida. Por onde passou, consultou registros históricos e conversou com anciões, descobriu que raramente elas surgem e que o conhecimento da existência das mesmas geralmente levava à guerras, pois seu poder era bastante almejado por Reis e Governantes, mas não descobriu nada que lhe indicasse a direção de uma fonte viva.
Nos últimos 3 anos de peregrinação, sua doença já havia lhe roubado quase todas as forças e o mesmo vivia como um mendigo, pois o dinheiro havia acabado e ele não tinha com o que retornar para a casa de seu pai. No limiar de suas forças, ele chegou a um vilarejo próximo de uma exuberante floresta, já aceitava a sua morte e decidiu passar seus últimos dias por ali mesmo, o chefe da vila o acolhera muito bem e os habitantes foram muito simpáticos com ele.
Nos primeiros dias de repouso, ele resolveu conhecer as pessoas do vilarejo e ajudá-las da melhor maneira que podia. Asclépio percebeu que as pessoas do vilarejo eram fisicamente superiores às pessoas que conhecera no restante do mundo, que doenças nunca as abatiam, e seus anciões viviam mais que um homem comum. Indagando-os sobre isso, eles não souberam o que dizer, senão que sempre foi assim. Ao perguntar sobre a floresta, também pouco diziam, pois tinham medo de entrar, uma vez que ela era escura mesmo de dia.
A esperança mais uma vez brotou no coração do já cansado Asclépio, e reunindo suas últimas forças, mesmo a contragosto de seu anfitrião, abriu caminho na mata da floresta munido apenas de uma pequena bolsa de couro, contendo algum alimento, e uma faca.
Asclépio vagou por 2 dias na escuridão da mata, seguindo o leito do rio até chegar na base da montanha da qual o rio brotava, mas não tinha como passar pelo túnel subterrâneo do qual saia as águas. Então ele buscou por uma entrada, até achar uma caverna e nela vagou perdido por 7 dias. Ao final do sétimo dia, encontrou uma fonte que jorrava água cristalina, e no fundo dessa fonte uma luz azulada podia ser vista iluminando o interior da caverna. A água que escorria da fonte formava um córrego e saia por um túnel.
Asclépio conseguia sentir o poder daquela fonte viva e sabia que esse era o segredo do vilarejo. Com o coração repleto de esperança e alegria mergulhou naquelas águas e lá ficou deitado por 3 dias. Ao sair, percebeu que seu corpo havia ganhado força e que a doença não mais o afligia. Pensou em chamar os homens do vilarejo, contar a novidade, agradecer-lhes por tudo, mas lembrou de tudo que aprendera sobre essas fontes mágicas, lembrou que a ganância dos homens sempre levavam a guerras e a destruição das mesmas.
Asclépio decidiu ficar em Bwindi e proteger a fonte. Com a ajuda dela, aprendeu a manipular a natureza com a magia e logo passou a proteger também os seres da floresta. Ele também não havia esquecido de seus benfeitores do vilarejo, passando a visitá-los e ajudá-los em suas demandas. Também visitou e ajudou a instalar novos vilarejos próximos a floresta, desde que todos respeitassem a floresta e suas regras.
Os anos se passaram e com a força da fonte o frágil garotinho, que deveria ter morrido jovem, se tornara um velho e sábio druida, acredita-se que ele tenha vivido mais de 200 anos. Quando o cansaço do mundo lhe roubou o ânimo, Asclépio decidiu deixar de prolongar sua vida, mas antes de morrer tomou para si uma criança órfã de um dos vilarejos e passou-lhe seus conhecimentos druídicos e sua missão sagrada.
Filhos de Asclépio
Os “Filhos de Asclépio” são uma ordem druídica que reside apenas na floresta de Bwindi, e a eles é imbuído o dever de proteger a floresta e a fonte de água viva.
Eles se denominam “Filhos de Asclépio”, pois para entrar na ordem o indivíduo deve ser adotado pelo protetor da floresta e ser criado em seus ensinamentos, assim como Asclépio fez com a primeira criança. Cada druida adota apenas uma criança órfã de um dos vilarejos e ensina tudo o que sabe. Sendo assim, a floresta e a ordem tem apenas um guardião por vez.
Cada membro da ordem tem acesso aos poderes da fonte, que ele deve manter em segredo como forma de proteger a mesma. Devido a uma longa vida em meio a floresta, os “Filhos de Asclépio” aprenderam a habilidade de se comunicar com os seres da floresta sem o auxílio de magia.
Não se sabe ao certo há quanto tempo Asclépio fundou a ordem, nem quantos membros ela já possui, pois seus membros não deixam registros escritos e todo o seu conhecimento é passado oralmente para a criança seguinte em seu treinamento.
A ordem não discrimina crianças por gênero ou raça, mas devido à proximidade com as vilas humanas, somente crianças humanas fizeram parte da mesma até os dias atuais. Os druidas de Bwindi se abstém de ter um contato mais próximo de outras pessoas, com exceção da criança adotada.
Na verdade, o treinamento druídico da ordem é um grande aprendizado de pai para filho, uma vez que o tempo significa pouco para eles, as crianças amadurecem lentamente antes de serem deixadas pelo seu tutor. No entanto, como um rito de passagem para a fase adulta e para finalmente ser considerado um membro da ordem, a criança deve desafiar um “Lobo da Noite” e derrotá-lo num combate de vida ou morte.
A criança vitoriosa deve retornar a fonte vestindo a pele do lobo para receber o último ensinamento e despedir-se de seu mentor. A partir daí ele é o único guardião e estará sozinho, até que julgue ser a hora de outro órfão tomar o seu lugar.
- Autor Paulo Victor