No último
texto que postei aqui na 1PGBR, falei sobre o Mautoma, um modo solo baseado em cartas concebido por usuário do BGG, o Mauro Gilbertoni, para o
Brass: Birmingham. Ainda que eu não goste muito de modos solo não oficiais (e reforço isso sempre, porque ainda acho que os bons modos solo não oficiais são exceção), me diverti muito com ele. Gostei tanto da fórmula proposta pelo jogo que fui atrás de seu predecessor, o
Brass: Lancashire.
Antes de comprá-lo, ou mesmo jogá-lo, já tinha lido bastante a respeito do jogo e tinha boa idéia do que encontraria, sobretudo pela experiência prévia com o Birmingham. Achei particularmente informativos os comentários dos usuários junto às notas tanto na Ludopedia, quanto no BGG. No geral, me parecia um bom jogo, mas havia quem o amasse e quem o odiasse, sobretudo no BGG. Ainda que Martin Wallace tenha bons jogos, ele está longe de ser um autor regular ou mesmo uma unanimidade. Além dos dois Brass, tenho só um jogo dele, o
Auztralia, que, cedo ou tarde, vai ganhar review por aqui.
Bem, voltando a Lancashire e ao Mautoma. Trata-se de um oponente automatizado guiado por um baralho próprio. Com relação ao baralho, gostaria de pontuar uma coisa de cunho prático antes de partir para os comentários a respeito do jogo em si. As cartas estão disponíveis em um arquivo que subi aqui para a página do jogo. São os originais do criador em um único arquivo, ao invés dos dois que ele tem disponíveis no site dele. Eu mandei imprimir em tamanho A3 em uma gráfica rápida, ao custo de 21 reais, e levei o material para casa, cortando as cartas com estilete e uma placa de corte. Em seguida, utilizando sobras de cartas de outros jogos, fiz um sanduíche com as cartas do Mautoma coberto com sleeve em tamanho padrão. Sem modéstia, o acabamento ficou excelente. Se você tiver uma canteadeira para arredondar os cantos das cartas, vai ficar melhor ainda.

Aqui uma das cartas que fiz para o Mautoma como descrevi acima. Aproveitei sobras de cartas do meu Warfighter, que por coincidência, também tinha bordas escuras, o que melhorou o acabamento.
O baralho, nesse jogo, deve ser customizado conforme o mapa e a era que você estiver jogando, o que é diferente do que ocorre no Birmingham. Dá um pouco mais de trabalho no setup das duas eras, mas não é nada demais, não piora a experiência. A iconografia é meio chatinha para se aprender, mas, tendo a experiência prévia e tendo traduzido o manual antes de jogar, foi muito mais fácil. Com uma ou duas partidas eu mal precisava consultar o manual e a coisa fluiu muito bem. Joguei 5 partidas com o mapa clássico e mais 5 com o mapa variante da comunidade para 2 jogadores para ter uma boa ideia de como ele funcionava na mesa. Como fiz o caminho inverso ao de muita gente, que foi começar pelo Birmingham e depois partir para o Lancashire, estranhei um pouco a primeira partida e patinei nas pequenas diferenças de regras e estratégia. Depois peguei o caminho das pedras e a coisa foi tranquila.
Brass: Lancashire é um jogo bem do tipo que gosto: apertado, um pouco punitivo e sem muita margem para erros. Não dá para ficar de bobeira. Em meu texto anterior, comentei que suspeitava que o Mautoma seria melhor no Lancashire do que no Birmingham e minhas jogatinas confirmaram essa impressão. Achei ele melhor implementado aqui. O Mauro Gilbertoni havia criado ele para essa versão e posteriormente o adaptou para a segunda, o que talvez justifique isso, mas jogo muitos modos solo diferentes e tenho a sensação de que automas, sobretudo os guiados por cartas, funcionam melhor em jogos com opções mais apertadas, mais fechados, nos quais o peso das decisões é considerável. O jogo foi muito bom e interessante no mapa clássico, porém a melhor experiência que tive foi no mapa variante da comunidade para 2 jogadores. Foi o ponto mais alto. O mapa mais apertado e com menos espaços de construção favorece a natureza agressiva de construtor do Mautoma e isso torna o jogo muito recompensador. Se tivesse que ranquear essas experiências de jogo, colocaria o Brass: Lancashire com o mapa variante para 2 jogadores no topo e, empatados no segundo lugar, Lancashire com mapa clássico e Birmingham.
Da mesma forma que para o Brass: Birmingham, a essência da interação entre os jogadores encontra-se preservada e bem simulada. A manutenção do Mautoma é simples e, além do setup que falei há pouco, ele não dá trabalho nenhum. O escalonamento de dificuldade é bom e não é fácil ganhar dele, sobretudo nos níveis normal e difícil. Realmente gostei muito do jogo e do modo solo. Diferentemente do que fiz para o Birmingham, para o qual eu tenho dúvidas se recomendaria a compra pelo modo solo não oficial, eu faria essa recomendação para quem quiser jogar o Lancashire com o mapa variante para 2 jogadores. Achei uma experiência realmente recompensadora, divertida e desafiadora e certamente é um jogo que verá mesa regularmente por aqui. Talvez mantenha o Birmingham até colocá-lo na mesa cheia, mas, como meu foco é o jogo solo, não sei se ele ficará na coleção, ainda que seja um ótimo jogo.
No fim, o que eu mais gostei foi olhar para as 20 partidas de Brass (10 de cada) e repensar como aprendi alguns caminhos estratégicos a partir dos meus embates contra um simples baralho, ou seja, o que o Mautoma revela a respeito das linhas gerais de estratégia nesse jogo. Ele, em essência, constrói muito, amplia sua rede em direção a fontes de carvão, portos e mercados e vende tanto quanto possível. Tendo entendido como o Mautoma se comporta, comecei a jogar priorizando o tipo de ações que ele favorece e o resultado foi que meus pontos foram catapultados para um outro patamar e as vitórias começaram a acontecer com mais facilidade.
Vejo muita gente comentar que Brass é um jogo tático, mas discordo parcialmente dessa afirmação. Acho que isso é tão mais verdadeiro quanto maior a contagem de jogadores. Quanto maior o número de jogadores, maior a volatilidade do tabuleiro entre suas jogadas, o que aumenta muito o componente tático. Todavia, Brass não deixa, de modo algum, de ser um jogo estratégico. Para duas pessoas é muito mais estratégico do que tático, porque essas condições são menos volúveis entre as rodadas, isto é, o estado do tabuleiro é mais estático e tende a mudar menos entre suas jogadas. Reduzi-lo somente ao componente tático é não entender as muitas camadas por trás das escolhas que ele te fornece. Não sou o melhor jogador do mundo, muito longe disso, mas acho que aprendi alguns pontos sobre as linhas gerais de estratégia em Brass: Lancashire.
Em primeiro lugar, o que te dá pontos de verdade é construir, sobretudo construções que não saiam do tabuleiro entre as duas eras (nível II ou mais). Uma construção de nível 2 que te dá 5 pontos na era dos canais, na verdade te dá 10 pontos ao fim do jogo, porque ela continuará por ali. Construir também é importante porque você ocupa espaços que seu adversário pode eventualmente aproveitar. Por isso é muito importante entender que a ação de desenvolver é sua amiga, use-a copiosamente a seu favor e procure construir prédios duradouros para a partida. Não se preocupe em vencer na era dos canais. É bom que isso aconteça, claro, mas entenda que o jogo só acaba quando termina, no fim da era das ferrovias. Arme a coisa para vencer nesse momento.
Brass, amigos, é um jogo sobre o alvorecer do capitalismo e sobre os primeiros barões da indústria. Você deve se portar como tal se quiser vencer. O que quero dizer? Rico, muitas vezes, não tem dinheiro, mas tem crédito! Use-o! Pegue empréstimos no máximo valor possível e reduza sua renda, não se preocupe. Sua renda eventualmente subirá na medida em que você exaurir suas minas de carvão, siderúrgias, portos e fábricas e, ainda que você não ganhe nada com renda alta ao fim da partida, pode ganhar tendo domínio territorial e construções e conexões nos pontos certos. Ademais, como é um jogo sobre o capitalismo, o que vai te dar pontos vai ser vender. Trabalhe bem suas ações de venda, construindo oportunidades para executá-las bem. Isso vai render muitos pontos.
É relativamente intuitivo e muito tentador construirmos uma série de conexões durante a partida, mas percebi que elas valem relativamente poucos pontos ao fim da partida. Com raras exceções e em momentos muito circunstanciais, mais vale você se conectar aos pontos certos e com objetivos muito bem definidos (acesso a carvão, portos e mercados externos) do que construir conexões com o simples objetivo de obter pontos. Isso é verdade, sobretudo, na era dos canais. Na era das ferrovias, isso pode te ajudar a pontuar em alguns contextos específicos, como as conexões próximas às grandes cidades com 3 e 4 espaços, mas o custo de oportunidade das ferrovias pode ser superior ao de algumas construções, que lhe darão pontos, renda e bloquearão espaços para seu adversário. Adicionalmente, na era das ferrovias, evite construir apenas uma conexão, procure sempre construir duas para aproveitar sua ação ao máximo.
Um ponto importantíssimo durante o jogo é a passagem da era dos canais para a das ferrovias. Você precisa se posicionar bem ao fim da primeira para entrar com tudo na segunda. O que entendo por me posicionar bem? Construções de nível II ou mais em lugares estratégicos, acesso fácil a carvão e dinheiro em caixa. Você consegue isso se programando bem na era dos canais, com opções certeiras para construir, não exaurindo suas minas em locais de interesse e/ou com portos de nível II ou mais em locais de fácil acesso para você e com um ou mais empréstimos no finalzinho da era. Com esses cuidados você consegue uma vantagem enorme na era das ferrovias e da metade para o fim dela é muito difícil te segurar. A renda aumentará, mas não abra mão dos empréstimos, almejando construções de nível IV sempre.
Essas são apenas divagações estratégicas de alguém que começou a jogar há pouco tempo e que restringiu seu cenário a partidas solo contra um automa. Com mesa cheia, Brass é outro jogo, que depende muito do turno imediatamente anterior ao seu, do estado do mapa e do preço das commodities. Mesmo nessa situação creio haver linhas estratégicas que colocam o jogador experimentado, aquele que sabe as melhores ações, em vantagem. Brass premia partidas repetidas. Inquestionavelmente o jogador mais experimentado, com maior conhecimento estratégico, fará melhores escolhas táticas também. Isso vale para muitos jogos, mas acho ser particularmente verdadeiro para esse.
Enfim, pessoal, sou grato aos criadores dos jogos e ao do modo solo por essas duas ótimas adições à minha coleção. Para quem já tem o jogo e tem interesse no modo solo, recomendo muito testar. Se você prestar atenção e calcular bem suas ações contra o Mautoma, você se tornará um jogador multiplayer muito melhor.
Para finalizar, um caloroso abraço com distanciamento social no
Rogerionicolo pela leitura antecipada do texto e correções. Você fica devendo um comentário aqui no post com suas impressões!
Se você gostou desse texto, não se esqueça de clicar no botão de curtir aqui em baixo. Inscreva-se no canal para acompanhar as próximas postagens e confira os outros que já estão disponíveis.
E lembre-se: TOGETHER, WE GAME ALONE!