Poucos jogos mexem tanto com as pessoas como Terra Mystica. O jogo ficou no Top 1 da Ludopedia por uns bons 2 anos e ai de quem ousasse falar mal do jogo. O culto é tão grande, que metade das pessoas tem birra até com Gaia Project, que é o mesmo jogo, do mesmo autor, só que com arestas acertadas. Mas seja pelo amor cego, seja por birra ou pelo o que for, tem gente que não aguenta nem ouvir o nome do irmão espacial do jogo que mais ama.
Mas eu não sou um desses. Gaia é o motivo pelo qual eu tenho esse blog hoje. Eu joguei o jogo na primeira semana após Essen eu e simplesmente PRECISAVA contar pras pessoas o quão bom era. E mesmo gostando muito de Terra Mystica, nunca mais vi motivo para jogá-lo e terminei, após 6 meses de Gaia, passando a minha cópia de TM para frente.
É de se esperar então que eu não tenha tido um treco quando ouvi falar da nova expansão do jogo né. Fiquei até meio cabreiro quando ela foi anunciada e a empolgação só começou a crescer quando eu cheguei a Essen, com o Eduardo Andrade (um colegal de boards aqui do Rio que dividiu quarto lá comigo) quando ele me disse que estava ali para apresentar o novo protótipo dele e para o lançamento da expansão do Terra Mystica que ele era um dos autores. Foi tipo: mas ein????? Você é autor dela????? E não é que era! E foi assim que eu passei a me interessar por ela a ponto de comprar a expansão sem sequer ter o jogo base, loucura essa que eu justifico pras pessoas dizendo que eu precisava jogá-la para fazer essa resenha. Agora só preciso de uma justificativa para o motivo pelo qual não vou vendê-la após o review.

Quando falo que joguei a expansão do Terra Mystica, a pergunta que mais me fazem é: ela resolve o problema dos cultos do TM como Gaia fez com a trilha de tecnologia? É como se as pessoas quisessem jogar Gaia, as com nome de Terra Mystica para não trair o movimento. Bem, a resposta aqui é um simples NÃO! E é justamente isso o interessante dessa expansão.
Quando o nosso amigo Eduardo Andrade teve as ideias de fazer barquinhos para aproveitar os rios já existentes no tabuleiro, o Gaia ainda nem tinha sido lançado e toda essa discussão da trilha de tecnologia nem existia ainda. E é por isso que a Mercadores do Mar (tradução livre de Merchants of the Sea) tem um grande mérito de não aproximar, mas sim, distanciar ainda mais o Terra Mystica do Gaia. Quase que justificando a existencia dos 2 jogos na coleção.
A Mercadores do Mar, implementa, de forma resumida, a existencia da Navegação de verdade no jogo. Em uma das casinhas iniciais, você pode escolher onde será seu pier inicial e a partir de lá, você pode construir barcos. Uma nova ação, de movimentar os barcos é adicionada ao tabuleiro individual e de poderes. Com ela, você pode andar com os barcos um número de espaços igual ao da sua navegação, podendo gastar X Poderes para movimentar ele mais X espaços extras.
E o que você faz com esses barcos? Bem, ele tem basicamente 2 funções: primeiro ele pode ser usado para que você construa algo longe de onde está nesse momento. É uma ótima opção para você criar um novo vilarejo seu em outro lugar quando você se sente preso ou precisa de um novo local. Como você pode movimentar gastando poder, dá para ganhar adjacencia a um hexágono longe ainda no começo do jogo, quando você ainda não subiu nada de navegação. Detalhe aqui é que o você pode até mesmo pagar com o Barco o custo de construção de uma casinha.
A outra função do barco e a mais comum delas, é a de fazer comércio com cidades e prédios adversários. Esse comércio é simples: você chega com seu barco até um prédio do adversário, entrega ele lá em troca de recursos e pontos de vitória, que variam com o nível do prédio com quem você está negociando. Se for uma Fortaleza, o benefício será maior do que com uma casinha. O interessante aqui é que você só pode negociar com cada local apenas uma vez, ou seja, mesmo se uma casinha virar um templo depois, se você já negociou antes, não pode mais negociar agora que houve upgrade. E isso traz um custo benefício de você pensar se quer pouco recurso agora ou esperar um pouco pra negociar depois quando já vale mais.
Há ainda uma estrutura nova de nível 3 que é o Porto que lhe dá avanço na navegação e receita de barcos. Também há novos tokens de pontuação de final de rodada, de fim de jogo, novos favores, novas cidades e novos bônus de turno. Nada revolucionário, mas tudo faz sentido na nova expansão.
O fato de que me fez gostar dessa expansão então, passa em muito pela simplicidade dela. São mudanças que você entende mas não revolucionam a jogabilidade do jogo básico. É como se cada um dos elementos novos já devesse estar no jogo desde o início sabe. Quase que fica estranho jogar sem ela depois de já ter jogado com. Eu nunca senti isso com a Gelo e Fogo por exemplo. Por mais que mais raças sejam legais e o tabuleiro novo é rebalanceado, nunca senti falta dela quando ela não estava lá.
Ao mesmo tempo ela introduz uma mecânica que dá algum sentido ao Rio e ao conceito de navegação do jogo, que convenhamos, só servia no final pra ajudar a conectar as estruturas. A Mercadores do Mar traz mais um elemento que o diferencia para o Gaia, fazendo que ele se torne um jogo diferente no mesmo universo ao invés de uma versão menos otimizada de um jogo que já ficou ultrapassado.
Nada na nova expansão é revolucionário. Nada vai fazer você pensar CARARA, MINHA CABEÇA EXPLODIU AGORA. E sinceramente, nem acho que deveria fazer. Pra mim, as melhores expansões são aquelas que adicionam elementos de uma maneira que você ache que deveria ser assim já desde o início. Ela não traz muitas complexidades de regra ou mecanismos que fazem o jogo demorar 1 hora a mais.
E se Mercadores do Mar tem 1 mérito acima de qualquer outro, é o de lhe dar motivos e oportunidades para tirar o Terra Mystica da prateleira e colocar ele na mesa de novo. Você vai se lembrar então de quão bom é esse jogo é e quão gostoso é jogar ele. E se você não gosta de Terra Mystica, vai continuar a não gostar e se você ama o jogo vai continuar a amar.
Mercadores do Mar é, então, uma expansão que não conserta, nem tenta consertar o Terra Mystica, mas traz a ele elementos que fazem sentido no jogo e re-moderniza um clássico sem perder sua excência. As mudanças fazem sentido e incrementam uma maneira nova e interessante de conseguir recursos no meio da partida, além de lhe dar um ponto de partida e escapatória num momento que você se vê encurralado no jogo(algo que me incomoda mais do que o culto). E se ela serviu para tornar o Terra Mystica relevante novamente, ela já serviu então para muita coisa!
PS: Pra quem tiver curiosidade, aqui está o
tópico do BGG onde o Eduardo teve a ideia e o James Ataei começou a trabalhar nela. Foi o início de tudo!