Como fazer um review de um jogo que tem inúmeros defeitos e que mesmo assim vai agradar a maior parte dos jogadores? Como poder pontuar coisas que pareceriam inaceitáveis e no final dizer para você que se este é seu estilo, indico para comprar? Bem, vou tentar fazer meu melhor.
J.R.R. Tolkien, literalmente mudou minha vida. O ano era 1999 e 2 amigos meus falavam de um filme que poderia sair. Um tal de Senhor dos Anéis. Ainda era apenas boato. Eu achei absurdo que o livro fosse composto de 3 volumes de 600 páginas cada. Disse que eu nunca leria algo tão grande, apesar da insistência deles de eu começar pelo menos pelo Hobbit.
O ano era 2003. Eu já havia lido O Hobbit (2x), Senhor dos Anéis(2x), Silmarillion (3x), Contos Inacabados de Númenor a Terra Média(2x) e agora estava entrando para equipe de moderação da
Valinor, o maior portal de Tolkien do Brasil e um dos maiores do mundo. Metade dos meus amigos me chamavam (e ainda chamam) de Fingolfin, ou Fingol e até mesmo Fin para os mais próximos. Daquele site, saíram 1 madrinha(que foi quem me apresentou a minha esposa) e 1 padrinho do meu casamento, além de inúmeros outros convidados. Daquele site que um dos meus amigos descobriu Catan, em 2004 e nos apresentou ao Boardgame. E foi nesse cenário que eu descobri que um novo jogo de Senhor dos Anéis estava saindo. E por mais que ele ele fosse quase uma síntese de quase tudo que eu não curto em boardgame, eu PRECISAVA jogá-lo.
E o jogo tem seus acertos. O mecanismo de combate e de resolução de testes é o principal deles. Não chega a ser revolucionário, afinal, essa troca de dados por gerenciamento de deck vem sendo tendência pós Gloomhaven. Os acertos vem então de símbolos nas cartas, que você gerencia quantos saíram e quanto tem ainda no deck para tomar suas decisões. Mas não é só isso, o mais bacana é que, no início de cada rodada você compra 2 a 3 cartas do seu deck, examina e decide se coloca elas no topo ou embaixo do deck. Uma dessas cartas também pode ser "preparada", que é colocá-la aberta na sua ficha de jogador e ela então lhe dará algum poder passivo ou ao descartá-la naquela jogada. Isso é bacana pois você consegue controlar seu deck. Sabe quantos acertos sobraram nele, se há chance de vencer ou o que fazer. E nisso o jogo acerta em cheio. Mas no tabuleiro, ele começa a decepcionar um pouco.

O primeiro defeito para mim e acredite, o menos importante, é a história. A história é ... genérica. Vejam só, eu passei uns 10 anos da minha vida dentro do fandom de Senhor dos Anéis, eu já vi fanfic, RPG, jogos e absolutamente qualquer coisa já feita do gênero. E a minha impressão do jogo é que eu estava lendo uma fanfic que não era nem das melhores. Qualquer história do universo estendido de qualquer outra série funciona muito melhor do que essa. Começa pela salada de fruta dos personagens. É Aragorn, Gimli, Legolas e ... Bilbo! Gente, eu adoro o Bilbo, mas o que tem a ver o Bilbo novo no meio deles ali. Não era para ser o Frodo? E cadê o Gandalf? Não tem! No lugar, tem Elena e Beravor personagens fictícios criados exclusivamente para o jogo. Não poderia ser a Eowyn ou a Arwen?
A Fantasy Flight vai te dizer que, ao criar novos personagens, você pode ter a sua identidade na Terra Média, e criar sua própria história e a ideia não é de toda ruim. Mas podiam deixar então você dar o nome ao personagem não? Ser um masculino e um feminino. Se tivesse essa coisa de criar personagem, remeteria ao RPG e teria algum crédito. Mas do jeito que é, fica óbvio que eles quiseram economizar personagens principais para uma expansão de uma nova campanha. E se colocamos Aragorn, Legolas e Gimli nessa, deixamos Gandalf, Boromir e Frodo para outra. E talvez tenhamos Faramir, Elrond, Merry e Pippin em uma terceira.
Mas a história não peca só aí. O momento que o jogo começou a me perder foi quando eu notei que ele quase não tem tomada de decisão. Se você já jogou alguma partida da campanha, note como o jogo não se preocupou de criar muitas coisas. As side quests beiram a inutilidade. Você tá jogando um jogo de exploração de um mundo fantástico, mas na prática, se fizer isso, vai desviar do objetivo principal a troco de nada. Você sobe numa torre para ver o horizonte... ganha uma inspiração. Você usa sua habilidade para construir uma ferramenta e abrir um baú e ganha... uma inspiração. Você interage com um Guardião que saiu de uma luta com os Orcs querendo descobrir pistas e no final acha apenas... uma inspiração. Nossa, que falta de inspiração! E aí, se eu só tenho um caminho a seguir, eu vou decidir o que? Quem bate primeiro no Orc e quem corre por fora? As decisões viram meramente táticas e poucas vezes você fica ansioso pelo que a história irá lhe trazer. Vira um jogo de matar orc, fazer teste e virar token. E se for pra ser um jogo meramente tático, Imperial Assault é exatamente isso, só que menos preguiçoso e com mais trabalho nos terrenos e na movimentação de batalha.
Vejam bem, Imperial Assault é muito parecido com Jornadas na Terra Média, só que aqui, pelo menos você tem a utilização do terreno tático de batalha. Você anda, dá um tiro, se esconde atrás de um arbusto. Existe a noção de linha de visão, a possibilidade de acerto depende da sua distancia. O tempo todo você está discutindo tática e movimento no grid. Me lembra os jogos da série Tom Clancy's, em que eu gastava mais tempo planejando a movimentação do time da SWAT em uma sala do que de fato batalhando. É um jogo onde a decisão do jogo está em escolher a tática a utilizar. Já em Jornadas na terra média, o terreno não importa. Ele vai lá diz que é uma colina, um pântano, uma ruína, e o que você faz com isso? Nada! Você tem uns 30 tiles, cada um com o desenho, mas na pratica, eles não se diferenciam por nada. Não existe a noção de por exemplo subir em um muro que está desenhado para ter bônus de defesa. Ou talvez um terreno pantanoso que dificulta locomoção, ou dá bônus de combate para os Orcs. Nada! Basicamente há o terreno normal e o terreno da escuridão. E é isso! Você pode andar sobre as águas como Jesus ou subir colinas como Moisés. Poderia voar pelas nuvens como Superman que não faz diferença. Os tiles, na maior parte das vezes, estão ali apenas para dar uma impressão de que algo vai mudar.

Em outros momentos, Jornada na Terra Média, tenta então flertar com Mansions of Madness, outro jogo do qual se inspirou. Ele adiciona, por exemplo, aventuras com dedução, onde você acha que finalmente irá tomar decisão. Será que investigo A ou B, se sigo pistas em Bree ou Rivendell, certo? Errado! O jogo mais uma vez mostra toda sua preguiça de design com uma dedução boba, que nada mais é do que uma combinação de 3 ou 4 variáveis. Foi tão fácil deduzir as coisas que nós acreditamos que não podia ser só aquilo e continuamos a procurar por mais.
E até mesmo os inimigos, são tão pouca variedade que eles ficam repetitivos em 3 partidas. Quando apareceu o Espectro(seria um Nazgul?) com Sourcery (Magia) eu achei, caraca, agora f****! O que será que ele faz? Nada! É um inimigo igual a outro qualquer, e a Magia nada mais é do que uma variação de uma armadura que outros já tem. Até mesmo os danos. Existem 2 tipos: dano de medo e dano de ... dano! Gente, que falta de criatividade! Gastaram toda inspiração nos tokens de exploração pelo visto.
E por último, os níveis do seu personagem. Quem tinha a impressão que o jogo iria usar o gerenciamento de mão para criar um deck building, um engine de cartas ou um escalonamento de níveis de personagem a la Gloomhavem, mais uma vez, se decepcionou. Parece que fazer isso de forma equilibrada dava muito trabalho. Balancear o deck com novos itens para todas as aventuras, nossa, que preguiça. E isso que Jornadas na Terra Média é... preguiçoso!
Jornadas na Terra Média é a síntese de várias tendências de mercado e que tem ficado claro na Fantasy Flight. Fazer grandes jogos clássicos, que irão ter tiragens por anos e anos é coisa do passado. O mercado atual é regido por enxurrada de lançamentos e tiragens rápidas. Esse é o jogo da sua vida, mas só até o próximo mês quando lançaremos o próximo jogo da sua vida. E pra isso, para que eu vou me preocupar com detalhes que vão atrasar o lançamento do jogo? O bom é inimigo do ótimo, diz o ditado. Discovery Lands Unkown é a fotografia disso. Na necessidade de fazer um jogo de Sobrevivência e exploração rápido, o jogo tem tanto erro que metade das coisas sequer faz sentido dentro do próprio jogo. Mas lançam assim mesmo pois já estouramos o deadline. E aí, o o conceito de jogos Unique que vem para revolucionar o mercado, a gente esconde debaixo do tapete e finge que nunca existiu.
O pensamento do mercado hoje é, gasta-se muito para fazer um novo Star Wars Rebellion. E a chance de errar é maior do que a de acertar. Então eu lanço um jogo rápido, descartável, que se fizer sucesso eu transformo num clássico nas expansões. Se a pessoa curtiu o jogo, vai entrar no mundo de cabeça e comprar tudo. Se não, ótimo que eu gastei menos pra fazer esse jogo e perdi menos dinheiro com o que seria um fracasso de vendas.
Jornadas na Terra Média no entanto, será um sucesso comercial! Não tem como não ser. Mesmo no auge da sua preguiça, ele se baseia em mecanismos que já funcionavam em Imperial Assault e Mansions of Madness. Além disso, ele mexe com o fã de Senhor dos Anéis que é ainda é mais nerd do que os fãs em geral de Star Wars. Talvez pela origem do RPG, eles já estão mais propensos a jogos offline. E é justamente por isso que eu aconselho muito ele para quem já jogou e gostou desses 2 jogos já citados aqui.
Ele tem algumas características que fazem ele ser sucesso absoluto antes mesmo de ser lançado. Pensa aqui comigo. Mansions é sucesso. IA não foi lançado no Brasil para que a maior parte das pessoas possa comparar. O jogo mexe com uma história que tem inúmeros fãs e atinge um público além do heavy gamer. Ele é cooperativo o que facilita ser jogado em grupo de amigos menos cascudos. Ele funciona bem com qualquer número de jogadores, podendo atingir o público do interior, público que não tem grupo para jogar além de 1 irmão ou a esposa. Ele funciona bem até para quem quer jogar solo contra o aplicativo.
Jogar Jornada na Terra média é então tipo assistir a nova trilogia de Star Wars. Eu posso ficar aqui horas dizendo para você que o 1o filme da nova trilogia é uma cópia descarada do 1o filme de 1979. Posso perder mais tempo ainda dizendo que o 2o filme novo puxa para o humor e para coisas sem o menor sentido no roteiro, que chegaram a me dar vergonha no cinema. Dito tudo isso, alguém duvida que eu e muitos que concordam comigo estaremos no cinema no lançamento do próximo Star Wars? Claro que vou estar lá.
Talvez a comparação aqui tenha sido até exagerada da minha parte. Pois acho que no final, o jogo diverte a maioria das pessoas que jogam. E ele funciona tá? No meio disso tudo, eu, que ainda estou mais ou menos na metade da minha Campanha, não penso em parar. Talvez, o sangue Noldor que corre pelas minhas veias (entendedores entenderão) faz com que o jogo ainda passe um sentimento nostálgico para mim. Talvez seja o prazer solitário de saber que minha espada se chama Thorongil e meu cavalo de Roheryn, ainda que isso não acrescente em nada. Ou talvez seja o grupo de amigos, que podem fazer com que qualquer experiência seja divertida. Mas no final, mesmo estando me divertindo no caminho e mesmo sabendo que o jogo será um sucesso com muita gente, é irônico perceber que a coisa que você mais vai achar no jogo (inspiração) é também aquela que mais faltou a ele.
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