Agora é a vez de Cthulhu!
Nesta série sobre os Living Card Games – LCGs cooperativos da editora Fantasy Flight Games – FFG, falei, na parte 1, sobre o conceito e formatação, de forma geral, dos LCG e algumas características comuns de seus dois card games cooperativos. Já na parte 2, centrei no primeiro desses dois jogos, O Senhor dos Anéis: Card Game. Agora iremos para o segundo, o Arkham Horror: The Card Game, em que falarei sobre como ele funciona, em termos de regras e publicações, e tecerei alguns comentários sobre o jogo. Para maior entendimento do conteúdo abaixo, sugiro a leitura da parte 1, que, como dito, trata de alguns conceitos generalizados. Considerando que O Senhor dos Anéis: Card Game é mais antigo e sua resenha veio antes, comparações serão inevitáveis, portanto também sugiro leitura do texto anterior.
Arkham Horror: Card Game foi publicado em 2016 pela FFG como uma espécie de “versão” em cartas, seguindo o esquema de LCG, de um de seus mais antigos e maiores sucessos, o Arkham Horror (reimplementado, também, como Eldritch Horror), sendo, por enquanto, o penúltimo LCG lançado pela editora (seguido da nova versão do Legend of the Five Rings). Está, atualmente, no topo do ranking de jogos customizáveis de acordo com o BGG e é considerado por muitos um dos melhores card games existentes.

Assim como O Senhor dos Anéis, a caixa base (ou core set) proporciona uma experiência cooperativa e completa para 1 ou 2 pessoas, porém, algumas cartas não estão em número suficiente para serem usadas nos dois baralhos dos jogadores (o que não atrapalha a jogabilidade de forma alguma, nem se torna obrigatório para aproveitamento do jogo como um todo). Para uma melhor otimização dos decks, ou ainda para uma jogatina com até 4 pessoas, basta a aquisição de um core set adicional.
O jogo tem um formato de campanhas divididas em cenários, dispostos em diversas expansões que são lançadas quase que mensalmente, e possui um elemento narrativo muito forte. Desta forma, essa caixa base é o mínimo que você precisa para ser iniciado neste universo, com uma campanha introdutória formada por três cenários, e é pré-requisito obrigatório para todas as suas expansões.
Em Arkham Horror, os jogadores irão representar investigadores que, cooperativamente, tentarão desvendas os mistérios do universo de H. P. Lovecraft e, acima de tudo, sobreviver às suas terríveis criaturas. Cada investigador terá seu baralho composto de habilidades, eventos e recursos diversos (itens, aliados, armas, etc.) para ajudá-los em sua jornada, acessando e investigando diversas localizações a fim de cumprir objetivos específicos.
Antes de partir para o resumo das regras, para um melhor entendimento dos conceitos do jogo, irei falar sobre a estrutura de lançamentos e suas expansões. Cabe aqui uma observação: como o jogo não foi lançado em português, irei usar alguns termos de jogo como no original, ou seja, em inglês. Sempre que achar necessário, colocarei uma tradução livre entre parênteses, logo após mencionar o respectivo termo.
ESTRUTURA DAS EXPANSÕES
Como dito, Arkham Horror é um jogo formado por diversas campanhas narrativas (equivalentes aos “ciclos” n’O Senhor dos Anéis: Card Game), cada uma dividida em vários cenários, que constituirão uma partida completa do jogo, de modo que cada cenário possuirá seu próprio enredo, ambientação, localidades, baralhos e condições de vitórias específicas. O core set vem com uma campanha introdutória dividida em três cenários. Depois disso, cada nova campanha se inicia com uma deluxe expansion, que contém cerca de 2 ou 3 cenários, e continua através de mais seis mythos pack (equivale às pack expansions), cada uma com um único cenário.

Como dito, o core set, devido aos componentes que não são cartas, presentes somente aqui, e a algumas cartas de cenário, é obrigatório para se jogar toda e qualquer expansão. Já as deluxe expansions são obrigatórias para as mythos pack de sua própria campanha. Apesar da estrutura narrativa muito forte, envolvendo uma continuidade de acontecimentos interdependentes, é possível jogar um cenário qualquer como uma “aventura independente”, mas, devido à necessidade de algumas para compor o deck do cenário, ainda é necessário a aquisição do core set e da deluxe expansion da mesma campanha. Porém, apesar de continuidade narrativa dentro das campanhas, elas são independentes umas das outras, tanto em termos de componentes quanto em termos de história.
Então, após o core set, o ciclo de lançamentos segue uma periodicidade quase que mensal, seguindo esse esquema de publicação de uma deluxe expansion seguida das publicações de seis mythos expansions. Atualmente, a linha Arkham Horror: Card Game se encontra na sua 4ª campanha, denominada “The Circle Undone”.
Em termos de conteúdo, o core set vem com cinco investigadores, cartas de jogador, para montagem dos respectivos decks, e as cartas de cenário, necessárias para a campanha introdutória e contendo alguns sets que serão usados nas expansões (melhor explicado adiante). Além disso, o core é a única caixa que vem com os componentes “não-cartas” necessários ao jogo: mini cards de cada investigador e tokens de dano, horror, recurso, pista (clue)/perdição (doom) e caos (chaos). Cada deluxe expansion vem com mais cinco investigadores, mais cartas de jogador e mais cartas de cenário. Já as mythos packs vêm com algumas poucas cartas de jogador e cartas de cenário, estas somente em um único set, o que irá ser base para o cenário da pack.

Além disso, temos as expansões standalone adventures (aventuras independentes), que contempla uma aventura de um único cenário e contém somente as cartas do set que será base para tal cenário.
O core set e todas as expansões vêm, também, com um livreto/folder contendo as regras da campanha (campaign rules). Sendo um jogo com elemento narrativo forte, se torna necessário uma boa quantidade de texto introduzindo a ambientação e história daquele cenário, bem como os resultados dos possíveis desfechos. Além desse conteúdo narrativo, o livreto também trará o esquema de montagem dos decks que serão usados pelo “jogo” (ver adiante), bem como as regras especiais que podem estar presentes em algumas cartas. Enfim, trará tudo que é necessário (e que, em termos de regras, não estão no manual) para montagem e ambientação do cenário e da campanha como um todo.
Por fim, a FFG começou a lançar as expansões “Returno to the...”, que trazem novas cartas de jogador e cenário para que os jogadores possam revisitar a respectiva campanha com algumas mudanças na sua estrutura (e, aparentemente, tornando-a mais difícil). Então, por exemplo, a primeira expansão desse tipo foi a “Return to the Night of Zealot”, que é o nome da campanha introdutória do core set, permitindo que os jogadores a “rejoguem” com algumas modificações.
AS CARTAS
Existem, basicamente, três grandes grupos de cartas em Arkham Horror: The card Game.
As cartas de investigadores representam o investigador que cada jogador controlará. Cada investigador terá seu próprio deck/baralho, o player deck, que, como o próprio nome diz, é formado por cartas de jogador, que podem ser: asset cards (itens, aliados, armas, etc.); skill cards (habilidades que ajudarão nos testes de skill, conforme melhor explicado adiante); event cards (cartas de eventos); e weakness cards (fraquezas que irão atrapalhar o jogador quando compradas). As cartas de jogador (incluindo as cartas de investigador e excluindo as weakness) possuem uma dentre cinco classes (ou podem ser neutras), cada um com sua respectiva cor: guardian (azul), seeker (amarelo), mystic (roxo), rogue (verde) e survivor (vermelho). Cada classe é especializada em um tipo de habilidade ou efeito (por exemplo, as cartas da guardian focam em combate) e são importantes para a construção do deck de jogador.

Além disso, temos também as cartas de cenário usadas na montagem de três decks/baralhos: o agenda deck (formado com agenda cards); o act deck (act cards); e o encounter deck (formado por enemy cards (cartas de inimigos) e treachery cards (cartas de traição/infortúnio)). Temos também as location cards (as localidades por onde os jogadores poderão andar e que, geralmente, já começam em jogo) e as scenario reference cards (cartas de referência para o cenário), onde terá informações sobre os chaos tokens especiais (também melhor explicado adiante).
As cartas de cenário são divididas em conjuntos denominados sets (num esquema igual a’O Senhor dos Anéis: Card Game). Todo cenário terá seu set básico, com o mesmo nome do próprio cenário, e somente nestes sets estarão contidas as agenda, act, location e scenario reference cards, necessárias para montagem do cenário e seus respectivos decks. Terão também as enemy e treachery cards que comporão, juntamente com outros sets “secundários” (que só possuem esses dois tipos de cartas), o encounter deck – basicamente o deck contra qual os investigadores irão jogar. O livreto contendo as regras de campanha indicará qual é o set básico do cenário, bem como quais os sets secundários serão usados e as regras para montagem do restante do cenário (quais cartas começam fora do jogo, como se dá a distribuição das localizações, etc.).
Então, por exemplo, para deixar mais claro, o core set englobará uma campanha introdutória, “Night of the Zealot”, constituída de três cenários: “The Gathering”, “The Midnight Masks” e “The Devourer Below”. A caixa virá com o livreto que será guia para toda a campanha e explicará a montagem de cada uma deles, além de todo o conteúdo narrativo necessário. Conterá, também, os três sets básicos, cada um com o nome do cenário, e cerca de 13 sets secundários, que serão usados para complementar os encounter decks desses três cenários, bem como de diversos outros cenários das expansões. As deluxe expansions funcionará de maneira parecida, com os sets básicos de cada um de seus cenários mais diversos outros sets secundários, porém estes serão exclusivos para sua própria campanha. Já as mythos packs trarão somente o set básico, necessitando dos sets secundários do core e da respectiva deluxe expansion.

Cartas de Investigador
Como dito, numa partida de Arkham Horror: The Card Game, cada jogador irá interpretar um investigar que irá enfrentar os desafios do Mythos. Estes investigadores, obviamente, serão selecionados e representados pelas cartas de investigadores.

Cada carta de investigador possui seu nome e subtítulo [5, de acordo com a imagem acima]; sua classe [4]; o trait (traço/subtipo) [8], importante para sinergia com efeitos de cartas; suas habilidades [9 e 10]; e health (saúde) [11] e sanity (sanidade) [12], que indicam quanto de dano ou horror, respectivamente, aquele investigador suporta.
Além disso, os investigadores também terão um valor para suas quatro skills [7]: willpower (força de vontade), intellect (intelecto), combat (combate) e agility (agilidade). Esses valores são de suma importância e serão usados nos testes de skill, conforme explicado adiante.
No verso de cada carta de investigador terá indicado as regras de deckbuilding (construção de deck/baralho) para montagem do respectivo deck de jogador. Ao contrário da maioria dos cardgames em que cada jogador tem seu deck, em Arkham Horror: The Card Game não há uma regra generalizada para construção do deck. Tais regras serão próprias para cada investigador e virão, como dito, no verso da respectiva carta, contendo as condições para: tamanho do deck (quantidade de cartas que o deck pode ter, normalmente 30); os tipos de cartas que podem compor o deck em termos de classes e level (níveis), visto que as cartas de jogadores possuem níveis que vão de 1 a 5; e as cartas obrigatórias que devem constar no deck (não entram no limite de tamanho), que normalmente são duas cartas exclusivas do investigador e uma fraqueza básica escolhida aleatoriamente.
Player Deck
Este é o deck com o qual os jogadores irão seguir sua partida e do qual irão comprar cartas para serem usadas durante o jogo. É formado por quatro tipos de cartas, todas elas com algumas informações em comum: o título [5] (as cartas únicas também irão possuir um subtítulo); o level da carta [2]; o símbolo de sua classe [4]; e a descrição de suas habilidades [9].

As assets cards são cartas que serão colocadas na mesa do jogador, onde ficam até serem mortas ou destruídas. Além dos dados já mencionados, elas também terão o custo para seu uso [1]. São divididas em diversos subtipos, podendo ser aliados (que também terão health [11] e sanity [12]), itens, armas, etc.
Os eventos são cartas com efeitos imediatos, resolvidos na hora que a carta é lançada e, após, ela é descartada. Também possuem um custo para seu uso [1].
Já as skill cards não possuem custo de uso, mas só serão utilizadas em testes de skill, provavelmente contendo alguma habilidade [9] que irão ser resolvidas durante (ou após) o teste.
Aliás, quase todas as cartas de jogador possuem também um ou mais ícones de skill, permitindo que elas possam ser usadas nos testes de skill – neste caso, após o teste, as cartas serão descartadas e não poderão ser utilizadas para sua função normal (no caso de asset e event). As skill cards, portanto, só poderão ser utilizadas nestes casos. Cada ícone de skill será somado ao valor da respectiva skill do investigador, aumentando-o para que ele tenha uma maior chance de ser bem sucedido no teste (ver “testes de skill” adiante).
Por fim, como dito, o player deck conterá, também, ao menos uma weakness card, ou seja, uma fraqueza que aquele investigador terá e que provavelmente atrapalhará a sua trajetória quando comprada. Elas possuem características bem diferentes das demais player cards e funcionam mais como uma carta do encounter deck (o baralho do “inimigo”). Seus efeitos normalmente são aplicados imediatamente, mas podem também ficar em mesa (como um asset) ou até ir para uma localização como uma enemy card. Essa carta traz uma dinâmica muito interessante, pois torna até o baralho do próprio jogador perigoso (nada menos esperado pra um jogo do Cthulhu) e se mostra como uma peculiaridade do investigador, dando a ele uma identidade ainda mais completa.
Agenda e Act Deck
Do mesmo jeito que n’O Senhor dos Anéis: Card Game, o Arkham Horror terá um pequeno baralho, com cerca de 3 cartas, que indicará os objetivos e andamento do cenário. Na verdade, diferente do primeiro jogo, dois baralhos: os agenda e act decks. Ambos conterão cartas numeradas, com faces ‘a’ e ‘b’. A montagem de cada deck deverá seguir essa numeração, em ordem, com a face ‘a’ indicando o que será necessário para virá-la. Quando isso acontecer, a face ‘b’ conterá, em termos de narrativa e regras, a descrição do que acontece, e o jogo seguirá com a face ‘a’ da próxima carta. Se a última carta de um destes dois decks for resolvida (ou seja, chegar à sua face ‘b’), o jogo irá acabar – por bem ou por mal.
O agenda deck indicará os objetivos do inimigo, possuindo uma espécie de contagem de tempo (com tokens de doom) que fará com que o deck vá avançando e, provavelmente, tornando os desafios mais difíceis ou trazendo algum efeito prejudicial. Se esse deck chegar ao final, significa que os jogadores não conseguiram cumprir algum dos objetivos do cenário e foram derrotados. Em termos de layout, as cartas deste deck terão a indicação de sua sequência, com o símbolo do set logo abaixo [14]; seu título [3]; e o doom threshold (limite de doom) [16]. Como mencionado, quase sempre esse deck irá avançar, basicamente, quando a quantidade de tokens de doom em cima da carta da vez igualar o valor do doom threshold.

O act deck terá uma montagem igual ao deck anterior, com a anatomia das cartas bem parecidas. A principal diferença, aqui, é que o deck indicará qual(is) o(s) objetivo(s) atual(is) dos jogadores, normalmente necessitando de uma quantidade de clue tokens (tokens de pista) sobre a carta da vez para que ela avance. Estes tokens são adquiridos durante a partida e a última carta do act deck indicará as possíveis resoluções para o cenário, quase sempre, neste caso, representando algum sucesso.
Location Cards
Estas cartas não compõem deck nenhum e, normalmente, já começam em jogo demonstrando a disposição das localidades para as quais os investigadores podem se mover. O livreto com o guia da campanha indicará, para cada cenário, quais as locations cards que começam o jogo, sugerindo, algumas vezes, como fazer sua montagem. Algumas localidades iniciam o cenário fora de jogo, e poderão vir à mesa a medida que os jogadores vão explorando outras localidades.

Estas cartas possuirão duas faces: a face “não-revelada”, indicando que aquela localidade ainda não foi acessada, e a face “revelada”, que se mostra quando algum investigador entrar nela pela primeira vez. Ambas as faces terão indicação do título [3] e o tipo, com o símbolo do set logo acima [2]. Também, estas cartas terão símbolos de conexão (connection symbols) [13], necessários para indicar como elas estão conectadas entre si, ou seja, como os investigadores podem ser mover entre as localidades. No canto superior esquerdo está um único símbolo de conexão referente à própria carta; já no canto inferior central, estão um ou mais símbolos de conexão das cartas à qual ela está conectada.

No lado “revelado” temos o clue value (valor de pista) [12], indicando quantas pistas são colocadas naquela carta quando ela é acessada pela primeira vez, e o shroud (cobertura/proteção) [11], indicando o nível de dificuldade para que os jogadores consigam obter essas pistas num teste de investigação (ver abaixo). Além disso, no seu corpo, podem estar contidas regras ou ações especiais próprias daquela localidade.
Este esquema de localidades é outra grande sacada do jogo, trazendo um aspecto de dungeon crawler e outras características dos ameritrashes, e criando uma imersão fantástica, dando realmente a impressão que estamos explorando um lugar e emulando a tensão de se estar acessando uma localidade pela primeira vez sem saber o que você pode se encontrar lá dentro.
Encounter Deck
Por fim, temos o encounter deck (deck de encontros), formado basicamente pelas enemy cards (inimigos que irão para alguma localização e poderão se engajar com os investigadores e combate-los) e as treachery cards (eventos prejudiciais para os jogadores que podem ter efeitos instantâneos ou permanentes).

Ambas as cartas terão seu título; o símbolo de seu set [1], com seu tipo logo abaixo; um subtipo (trait) [4]; e a descrição de seus efeitos. As cartas de inimigos também conterão alguns atributos usados em combates: fight (luta/força) [6]; health (saúde) [7]; evade (evasão) [8]; e o dano [9] e horror [10] que o inimigo pode causar.
TESTES DE SKILL
Ao contrário do seu irmão mais velho, o Arkham Horror: The Card Game envolve diversos testes que serão realizados durante uma partida, para as mais diversas situações. Apesar de trazer incerteza ao jogo, estes testes são parte responsável pela imersão e tensão que uma partida proporciona, natural para um jogo que envolve a mitologia lovecraftiana.
Como dito, cada investigador terá um valor para quatro skills diferentes: força de vontade, intelecto, combate e agilidade. Todo teste indicará qual skill deverá ser usado como base e um determinado nível de dificuldade. Para que o jogador seja bem sucedido no teste, o valor final da skill, após modificações, deverá ser igual ou maior que o valor da dificuldade.
No início do teste, o jogador poderá descartar cartas para usar os ícones de skill correspondentes e aumentar o valor da respectiva skill de seu investigador. Cada ícone aumenta esse valor em um. Estas cartas não poderão ser usadas para seus efeitos normais (caso não seja uma carta de skill, que, inclusive, só podem ser utilizadas neste momento). Além disso, antes ou depois de descartar cartas para usar seus ícones de skill, o jogador poderá usar habilidades e outras cartas para causar um efeito ou aumentar, ainda mais, o valor de sua skill.
Depois que se preparou para o teste, o jogador irá puxar, aleatoriamente, um chaos token (token de caos) da chaos bag (sacola de caos). Esses chaos tokens normalmente serão modificadores numéricos (quase sempre negativos) que irão afetar o valor da skill do investigador. Como dito, após aplicar os modificadores de cartas, efeitos e chaos token, o jogador irá comparar o valor final da skill com a dificuldade e determinar se foi bem sucedido ou não. O próprio teste indicará os resultados para sucesso ou falha.

O core set vem com diversos chaos tokens, contendo modificadores que vão de +1 até -8 (modificadores de valor -1 ou -2 são usados em maiores quantidades). Além disso, alguns chaos tokens possuem símbolos especiais com efeitos que vão variar de cenário para cenário. Estes efeitos específicos estão indicados na scenario reference card, uma carta de referência exclusiva e pertencente ao set básico de cada cenário. A montagem da chaos bag também será indicada no guia da campanha, e pode variar de acordo com a dificuldade que o jogador quer proporcionar para a partida.

Essa chaos bag é mais um elemento forte no jogo. Além de trazer a possibilidade de seleção de um nível de dificuldade para o jogo, ele traz um aspecto diferente para testes em jogos desse tipo, não usando dados ou cartas. A montagem da chaos bag e os tokens especiais também pode tornar cada cenário mais personalizado, com suas dificuldades e efeitos correspondendo à ideia do cenário, além de tornar possível a adição de mais tokens diferentes, como consequência das escolhas dos jogadores, à medida que a campanha vai se desenvolvendo.
ANDAMENTO DO JOGO
Uma partida de Arkham Horror: The Card Game ocorre numa série de diversas rodadas. Cada rodada é dividida em quatro fases, nalgumas os jogadores agem simultaneamente, noutras, seguem a ordem do turno, com o primeiro jogador sendo escolhido pelo próprio grupo. As quatro fases, que sempre seguem a mesma ordem, são: Mythos; Investigation; Enemy; e Upkeep.
1. Mythos Phase
A primeira fase é dividida em três passos:
- Os jogadores colocam um token de doom em cima da agenda card ativa (a que está no topo do agenda deck).
- Agora os jogadores comparam a quantidade de tokens de doom sobre todas as cartas em jogo (agenda, locations, enemies, etc.) com o valor limite de doom (doom threshold) da agenda card ativa. Se essa quantidade for igual ou maior, a agenda card avança para sua face ‘b’ e todos os tokens de doom em jogo são descartados. A face ‘b’ da agenda card trará um texto narrativo e instruções, e, após essas instruções serem seguidas, ela é descartada, com a nova agenda card, face ‘a’, sendo a ativa. Somente neste momento as agenda cards podem avançar, mesmo que, noutras fases, existam mais tokens de doom em jogo que o limite da agenda ativa. Se a última agenda card avançar, o jogo provavelmente irá acabar com consequências ruins para os investigadores.
- Por fim, todos os jogadores, em ordem, compram uma carta do encounter deck, resolvendo-a de acordo com o seu tipo. É, principalmente, neste momento que os eventos ruins irão ocorrer e que os inimigos irão entrar em jogo, em alguma localidade de acordo com suas instruções.
2. Investigation Phase
Esta é a principal fase do jogo, onde cada jogador irá agir. Em ordem, cada um poderá realizar até três ações dentre nove disponíveis:
- Comprar uma carta de seu baralho de jogador (player deck).
- Ganhar 1 recurso (token usado para pagar pelas cartas e algumas habilidades).
- Usar uma carta de sua mão, pagando pelo seu custo com recursos.
- Ativar uma habilidade de ação (action triggered abilities) de uma carta em jogo.
- Investigar o local onde seu personagem está (esta ação exige um teste de skill contra o intelecto do personagem e, caso bem sucedido, irá proporcionar um token de pista (clue token) da localidade para o personagem). Estes tokens de pista são parte essencial para a evolução do cenário, visto que são, normalmente, eles que fazem a act card ativa avançar.
- Mover para um outro local, seguindo as conexões de acordo com os respectivos símbolos.
- Engajar com um inimigo (enemy card) em sua localidade, normalmente um que já está engajado a outro jogador (engajamento e combate será explicado adiante).
- Tentar evadir (evade) um inimigo que esteja engajado a ele (teste de skill contra a agilidade do personagem; se bem sucedido, ele se desengaja do inimigo e deixa-o exausto (virado em 90º), impedindo que este o ataque na fase 3).
- Lutar (fight) contra um inimigo com o qual ele está engajado (test de skill contra o combate do personagem; se bem sucedido, o inimigo leva 1 dano).
Algumas cartas possuem habilidades de ação livre (
free triggered abilities), que não gastam ação e podem ser usadas em qualquer
janela de ação do jogador, inclusive em outras fases ou turnos de outros jogadores. Da mesma maneira, cartas com a habilidade
fast (rapidez) podem ser usadas de sua mão sem gastar ação (eventos também podem ser usados em outras fases, dependendo da carta).
3. Enemy Phase
Nesta fase, primeiramente, todos os inimigos (enemy cards) com a habilidade
hunter (caçador) irão se mover uma vez, indo em direção ao investigador mais próximo (algumas cartas de inimigo indicam um tipo de “presa” específica). Depois disso, todos os inimigos que estão engajados a algum personagem irão realizar um único ataque (independente se esse inimigo se moveu nesta fase ou não). Este é o único momento em que os inimigos irão se mover por conta própria e atacar (com exceção dos ataques de oportunidade). Ataques dos inimigos são resolvidos sem teste, aplicando-se diretamente o dano e horror especificados na carta do inimigo. Inimigos exaustos não se movem nem atacam e irão desvirar, voltando a posição normal, somente na fase 4.
Sempre que um inimigo se encontra na mesma localidade que um investigador, ele irá se engajar automaticamente com aquele investigador, independentemente da fase em que isso acontece ou de quem realizou o movimento. Um inimigo engajado irá se mover junto com o investigador e irá provocar um
ataque de oportunidade sempre que este realizar uma ação que não seja lutar ou evadir (e algumas habilidades específicas).
4. Upkeep Phase
Por fim, na última fase, os jogadores deverão desvirar todas as cartas exaustas, ou seja, coloca-las em sua posição normal (cartas de investigadores, inimigos, itens usados, etc.). Em seguida, cada jogador ganha 1 recurso e compra 1 carta (neste momento, os jogadores não podem ter mais de 8 cartas na mão, devendo descartar as excedentes até que fique com 8).
Ganhando ou Perdendo
O jogo assim segue, rodada após rodada, até que os jogadores cheguem a uma das diversas
resoluções do cenário. Estas resoluções vão ser atingidas dependendo do que está descrito nas agenda ou act cards (ou quando os investigadores são eliminados). Estas cartas irão indicar quando uma determinada resolução é alcançada, o que causa o gatilho do fim do cenário (Ex.: “Se o Ghul Priest for eliminado: -> R2”). A descrição da resolução, incluindo as consequências narrativas e regras para o próximo cenário, estará no guia da campanha em questão.
Algumas resoluções serão ruins (derrota), normalmente advindas da última carta do agenda deck ou quando ambos os investigadores são eliminados, ou seja, receberem dano ou horror suficiente para zerar sua saúde (
health) ou sanidade (
sanity) – neste caso, o personagem não morre, mas é “apenas” eliminado da partida, podendo seguir normalmente para o próximo cenário (porém, com desvantagens provenientes dessa eliminação). Outras resoluções, normalmente advindas da última act card, serão boas e poderão ser consideradas uma vitória, possivelmente trazendo alguma vantagem para a próxima partida.
De qualquer maneira, sendo derrotados ou vitoriosos, os jogadores seguirão para o próximo cenário da campanha. De acordo com a resolução atingida, os personagens podem começar o cenário com dano/horror permanente, com novas cartas adicionadas aos seus baralhos, com vantagens ou desvantagens... De um jeito ou de outro, não há (como n’O Senhor dos Anéis) uma condição de vitória/derrota específica, que impediria os jogadores de partir para o cenário seguinte. A ideia aqui é seguir a estrutura narrativa da campanha, carregando as consequências do que foi feito no cenário anterior, e não ficar jogando repetidamente um mesmo cenário até que uma resolução satisfatória seja atingida. O objetivo, no fim, é vivenciar toda aquela história, todo o enredo da campanha. Ao termina-la, os jogadores estarão livres para repeti-la, do início ao fim, agora sim, com o intuito de atingir um melhor resultado geral ou de seguir outros caminhos narrativos e descobrir mais sobre aquela campanha.
Experiência
Outro elemento de jogos narrativos presente em Arkham Horror: The Card Game é a obtenção de
experiência por parte dos investigadores, que poderá ser usado para melhorar seu baralho durante o restante da campanha.
Ao fim do cenário, alguns inimigos (quando derrotados) e localidades (quando investigadas totalmente) irão proporcionar pontos de experiência, além dos pontos obtidos devido à própria resolução ou outros meios. Estes pontos poderão, entre um cenário e outro, ser gastos para comprar cartas de nível (
level) 1 ou mais (a imagem abaixo mostra uma carta de nível 3).
Inicialmente, o deck do jogador só poderá ter cartas de nível 0. Como dito, com gasto de pontos de experiência, numa proporção de 1 para 1, os jogadores poderão substituir estas cartas por outras de níveis maiores, que são, obviamente, melhores. Isto não possibilita o aumento do limite de cartas no deck, mas pode trazer a evolução de algumas cartas específicas, ou a aquisição de cartas bem melhores que as de nível inferior.
Esse aspecto de experiência no jogo ficou muito bem feito, conseguindo trazer a sensação de evolução para seu investigador sem se concentrar tão fortemente do deckbuilding. Há, claro, uma modificação do próprio deck (afinal, é assim que o personagem evolui), mas não é uma sensação de que você está refazendo o seu deck para um outro melhor, mas que, de fato, você está melhorando-o de acordo com os resultados que conseguiu.
CONSIDERAÇÕES
A FFG fez um trabalho sensacional com o Arkham Horror: The Card Game ao trazer toda o feeling e parte da jogabilidade de um ameritrash para um jogo de cartas (e aqui, bem como em tudo que escrevo, não há nenhum demérito no uso da palavra “ameritrash”). A estrutura narrativa dividida em cenários numa grande campanha, a disposição de localidades com conexões específicas entre si, os monstros que vão aparecendo, as pistas que vão sendo obtidas, a sensação do desconhecido e de urgência... Tudo isso foi realizado de forma muito bem sucedida num jogo de (quase) somente cartas com regras bem simples, como demonstrado nesse texto (foi mais complicado explicar como montar o agenda/act deck do que explicar as regras em si).
A imersão que o jogo traz é fantástica, principalmente se considerarmos os aspectos já relacionados. Por esse motivo, eu diria, na minha opinião, que é um jogo bem superior a
Mansions of Madness e Eldritch Horror, por exemplo (só para ficar nos jogos da série
Arkham Files, da FFG). A própria relação de jogador e investigador fica mais forte nesse jogo que em seus dois outros irmãos.
Esse alto grau de imersão advém, além do forte aspecto narrativo, de algumas pequenas mecânicas presentes no jogo que se casam perfeitamente com a narrativa e a ambientação do cenário: os agenda e act deck próprios para cada cenário, a montagem da chaos bag e os efeito personalizados dos tokens de doom especiais, o esquema de localidades e a maneira como se conectam e são posicionadas, dentre outros detalhes menores. Considerando que todos esses sistemas adquirem características próprias de acordo com o cenário, a imersão e personalização de cada um chega a níveis incríveis, visto que muitos cenários acabam sendo completamente diferentes entre si, tanto em termos de ambientação e narrativa, quando de montagem e mecânicas. E também por isso, essa imersão não só fica presa dentro de uma perspectiva de exploração de um prédio ou de uma universidade, como é o caso de muitos dungeon crawlers (aqui, obviamente, para dungeons), mas nos mais diversos tipos de ambientação e situações. Isso fica fácil pelo fato da “limitação” do jogo, em termos de componentes, estarem basicamente nas cartas, elemento que é muito mais fácil de ser explorado e individualizado. Então, por exemplo, tem um cenário que se passa todo dentro de um trem, onde os jogadores vão ficar andando de vagão para vagão; enquanto outro se passa na floresta, onde os jogadores ficam explorando a mata às cegas para encontrar um local específico.
Como é comum em jogos ameritrashes, a aleatoriedade é bem presente, principalmente nas compras de cartas e nos testes de skill, o que pode incomodar alguns. Mas ela é até prevista (excluindo-se as surpresas que cada cenário pode trazer), apesar de não ser sempre controlável. Mas isso é esperado num jogo como esse, com um sistema e uma ambientação que pede um alto nível de dificuldade (e, para um cooperativo, a dificuldade tem que vir de elementos aleatórios, se não o jogo nada mais será que um grande puzzle). Porém, esse aspecto se torna ainda mais irrelevante quando você considera que não há uma derrota/vitória bem definida no jogo. De um jeito ou de outro a história daqueles investigadores irá seguir e eles chegarão ao fim da campanha. Por mais que você seja, por exemplo, eliminado devido à uma grande falta de sorte, não existe aquela sensação de “esse azar pôs tudo a perder”. Há uma certa frustração, claro, mas em dose necessária para que os jogadores se sintam estimulados a encarar o próximo desafio e, assim, agir com mais eficiência e cuidado para uma resolução mais satisfatória.
Não é um jogo de estratégia. Mas é sim um jogo de eficiência de ações. Apesar da aleatoriedade contida não ser completamente controlável, ela pode ser prevista (e sempre espere o pior), de modo que agir eficientemente, para obtenção de um resultado melhor em menos tempo de jogo, pode fazer com que as probabilidades fiquem um pouco mais a seu favor.
Apesar de existir sim uma possibilidade de otimização/eficiência de ações, Arkham Horror: The Card Game não é exatamente um jogo de estratégia. E isso fica mais visível no fato de que o deckbuilding não é tão importante assim. Ao contrário d’O Senhor dos Anéis: Card Game – um jogo onde o deck building é uma parte importantíssima do jogo justamente por ele ser muito matemático, o que exige um planejamento estratégico anterior, bem metajogo –, a ideia do Arkham Horror é mais explorativa e narrativa mesmo. É importante, claro, um conhecimento prévio das cartas e uma boa noção de montagem de deck, porém não vai ser um deck construído exatamente para lidar com aquele cenário. Na teoria, um bom deck vai se virar em qualquer cenário – o que vai importar são as escolhas feitas durante a partida e as cartas que serão reveladas. Mais uma vez, o fator aleatório está sempre presente, então o essencial é você estar preparado para qualquer situação. Vai acabar existindo alguns cenários que exige uma maior rapidez por parte dos investigadores, que, daí, vão ter que focar em pegar tokens de pista o mais rápido possível; outros vão ter inimigos mais forte, exigindo um maior foco em combate. Por isso mesmo, em dois jogadores, o ideal seria um deck mais voltado para a ação de investigar (para pegar pistas) e outro bem preparado para encarar os monstros que vão aparecer. Ou seja, como dito, o deckbuilding é importante (claro, é um jogo de cartas!), mas não é algo com o qual os jogadores vão ter que estar sempre preocupados e estudando cartas e possibilidades e modificando decks e coisas assim.
Essa forte imersão em conjunto com um sistema de regras muito simples, que não exige uma análise de cartas tão pesada, em relação à construção de decks, e se concentra mais na experiência narrativa (sem deixar de lado o aspecto mecânico), torna o Arkham Horror: The Card Game um jogo muito acessível, fácil de ser entendido e “digerido”. Isso explica seu grande e instantâneo sucesso e tantos elogios tanto do público geral quanto dos criadores de conteúdo. E por todas essas razões, posso dizer que é um dos meus card games preferidos e, na minha opinião, o jogo que melhor carrega, em termos de imersão aliada às mecânicas, a mitologia lovecraftiana.
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Com esse texto, cobrimos os dois LCG cooperativos da FFG. Como isso, a questionamento é inevitável: qual dos dois é melhor? Na parte 4 desta série, a última, iremos justamente fazer essa comparação com os comentários pertinentes, para que cada um possa ter embasamento para saber qual dos dois comprar (já adianto que, por mim, compra os dois!).
Leia as outras partes desta série: