Este texto é produto de uma urgência verborrágica estimulada pelo excelente vídeo do meu amigo Guerra, do canal 3DUs, sobre jogos quebrados.
E sim, falo exclusivamente do jogo solo e o título é um spoiler da conclusão. Não tomem isso aqui como uma tabula rasa, imutável e eterna, mas como a humilde opinião de um jogador solitário. Não sou nenhum expert nem em Imperial Settlers (embora seja um dos meus jogos mais jogados), nem em estatística (embora seja uma das coisas que eu mais goste de estudar e tenha usado bastante por ocasião do meu doutorado), nem em game design (isso eu não sou mesmo), mas gostaria de estimular um debate sadio e maduro no fórum.
Um ponto essencial para que um jogo entre em minha coleção é a possibilidade de ele ser jogado sozinho. E não basta isso ser possível, é necessário que o modo solo seja divertido, desafiador e, sobretudo, que o jogo seja interessante. Nessa busca infindável e insaciável, sempre procuro por portos seguros, um dos quais é a jogografia (seria esse um neologismo?) de algumas editoras e autores, sendo que o binômio Portal Games – Ignacy Trzewiczek é tiro quase certo muitas das vezes. Trouxeram Robinson Crusoe: Aventuras na Ilha Amaldiçoada ao mundo, devem ter mais cartas na manga. Imperial Settlers: A Ascensão de um Império é uma adaptação do ótimo 51st State, mas com algumas mecânicas aprimoradas, um reequilíbrio de alguns pontos e tema e arte mais amenos que seu predecessor. É uma grande máquina de fazer pontos com facções bastante assimétricas e muitas estratégias possíveis. Estava de olho nele fazia tempo, assisti o vídeo do igorknop repetidas vezes e, tão logo a Mandala o trouxe para o Brasil, assegurei a minha cópia logo na pré-venda. Chegando em casa, sleeves colocados, o jogo foi direto para mesa. E assim o fez por repetidas vezes, sempre solo. Veio o insert, que melhorou minha experiência mais ainda. Gostei tanto do jogo, que, diante da incerteza da publicação das expansões por aqui, vendi minha cópia nacional e peguei uma em inglês, devidamente acompanhada das 4 expansões já lançadas.
Nessa mesma época eu também peguei o BG Stats, um app para o celular no qual eu podia registrar partidas, o que foi uma boa, pois assim consigo controlar o que tenho jogado e o que ainda preciso jogar. Com o app, pude registrar boa parte dessas partidas. Digo isso, porque tenho 65 partidas solo logadas no BGG só com esse jogo, sempre com a minúcia de separar as partidas por facção utilizada. Talvez tenha algumas a mais, da era pré-app, mas devem ser poucas, não tenho certeza.
Durante este período também participei de uma liga de jogo solo do Imperial Settlers no BGG, que trouxe alguns resultados muito interessantes, que comentarei mais ao fim do texto. Dessa forma, tenho não apenas meus próprios resultados, mas os resultados dessa liga. Aqui estão registrados somente aqueles jogos com os materiais da caixa básica, nada das expansões.
Com base na análise desses resultados, e já dando spoilers do final do ouso afirmar que Imperial Settlers é meu jogo solo quebrado favorito.
Partirei primeiro para a demonstração de meus próprios resultados e as conclusões que tiro deles.
Como eu disse lá no início do texto, não sou nenhum expert no jogo, tive um começo meio às avessas com ele, mas depois peguei o jeito da coisa e consegui manter pontuações relativamente estáveis dentro de um intervalo mais estreito.
Isso fica muito claro quando observamos as medidas de tendência central (média e mediana) e de dispersão (desvio padrão e intervalo interquartil). Quanto mais eu jogava, mais aumentava essas medidas de tendência central, o que sugere pontuações mais altas, e mais reduzia as medidas de dispersão, o que sugere que as pontuações oscilavam menos em torno daqueles pontos centrais, logo os resultados eram mais previsíveis. Submeti esses dados a uma ANOVA e a testes t, cujos resultados não vou reproduzir aqui, mas que confirmam que as diferenças não são casuais, mas reais e significativas. A partir de 33 partidas, isto é, metade do caminho, a diferença entre as médias de pontos já não eram significativas.
Isso nos trás a primeira conclusão a respeito do jogo: Imperial Settlers premia o jogador mais experiente.
Em se tratando de um engine builder, quanto mais você joga, mais você conhece os atalhos para obter pontos e combinar os efeitos das cartas, logo tenderá a obter resultados melhores. Isto pode parecer óbvio, mas nem sempre o é. Além do mais é um ponto a se considerar quando apresentando esse jogo a grupos altamente competitivos nos quais há uma diferença muito grande entre a experiência dos jogadores com esse jogo. Isso pode arruinar a percepção da qualidade do jogo para aqueles que o jogaram menos vezes.
Eu tive essa nítida impressão ao longo do tempo, pois pude perceber minha clara evolução nas partidas. Os caminhos para cada facção eram mais claros depois de algumas partidas com cada uma e o deck de cartas gerais cada vez menos interferia com os resultados finais delas. Os dados aqui apresentados dão contornos mais formais ao meu achismo.
Ainda calcado no achismo, desde o início notei que algumas facções eram mais fáceis de se jogar do que outras. O próprio manual faz menção a isso, mas eu duvidava que isso pudesse ser fato. Bom, separei meus resultados para cada facção e os apresento abaixo. Joguei uma média de 16,3 partidas com cada facção da caixa básica, o que me deu uma excelente ideia geral de cada uma delas.
As medidas de tendência central foram diferentes e as de dispersão sugerem que os japoneses foram uma facção mais equilibrada em termos de resultados, pois estes variaram menos em torno do centro.
Novamente rodei uma ANOVA, seguindo-se uma sequência de testes t, que mostraram algumas coisas bem interessantes a respeito das facções. Os romanos foram significativamente piores do que bárbaros, egípcios e japoneses (p0.001, p0.000 e p0.000, respectivamente), mas a diferenças entre bárbaros e japoneses (p0.149), bárbaros e egípcios (p0.629) e egípcios e japoneses (p 0.376) não foram significativas, o que demonstra que a média de pontos dos romanos foi inferior às três demais e que as médias de japoneses, bárbaros e egípcios não tiveram diferenças significativas quando pareadas entre si.
Traduzindo isso para o português claro, o que pode se concluir é que o resultado final de se jogar com os romanos foi pior em minhas jogatinas solitárias, mas o mesmo não se pode dizer das demais facções da caixa básica, que foram equiparáveis. Há, portanto, uma clara distinção entre elas, sendo uma facção mais difícil de se jogar do que outras. Esta é a segunda conclusão que se obtém a partir dos meus resultados.
Para mim isso é a constatação de que o meu achismo tinha fundamento. Os romanos são uma facção difícil de se jogar. Demandam paciência e experiência para que se faça o jogo com a estratégia correta. Creio que eles tem menos recursos e opções de variações da estratégia para conseguir pontuar, o que faz com que a sequência certa de cartas seja essencial para boas pontuações. Quando isso acontece, no entanto, tenho a sensação de que o resultado pode ser muito bom, quase imbatível.
Na liga solo de Imperial Settlers haviam 44 jogadores, que disputaram 191 jogos, com uma média de 4,3 jogos por pessoa. A média global de pontos foi de 75, sendo que a média de pontos por facção foi a seguinte: bárbaros – 85, egípcios – 60, japoneses – 78 e romanos – 70. Quando analisados com a mesma metodologia que descrevi acima, os resultados da liga mostraram que os bárbaros não foram melhores do que os japoneses, mas o foram melhores do que os romanos, por exemplo. A média de pontos dos bárbaros foi de 92,07, enquanto os romanos tiveram média de 75,49 pontos (p 0.001). Se isso pode ser atribuído à qualidade dos jogadores ou à maior facilidade de se usar essa facção, é questionável, mas é interessante observar que as facções realmente são assimétricas.
Como o título afirma, Imperial Settlers é meu jogo solo quebrado favorito. Há variações consideráveis entre a performance das facções, mas isso nem de longe torna o jogo chato ou ruim. Trata-se de um dos meus jogos solo favoritos, um engine builder de primeira grandeza e que de jeito nenhum deve ser deixado de lado. Eu gostei tanto do sistema, que comprei também o seu predecessor, o 51st State em sua versão Master Set, que para mim talvez seja até melhor que esse aqui. É um jogo incrível, que recomendo de olhos fechados a quem quer que seja. Muito bom no solo e com 2 jogadores. De três jogadores para cima, dependendo da mesa, pode ficar muito travado, o que reduz seu fun factor.
Espero apenas que a Mandala traga logo as expansões, que acrescentam muita coisa ao jogo e que, quando incorporadas, deveriam ser motivo de reanálise dos resultados, porque o achismo me diz que o desequilíbrio pode ser maior com uma delas. Mas isso é conversa para outro post.