Hoje continuo a série de postagens sobre os modos solo dos jogos do Uwe Rosenberg. Espero que gostem!
Glass Road (2013)
Desses jogos que em torno da mecânica de gerenciamento e conversão de recursos, esse talvez seja o mais leve do Uwe até esse ponto. Isso não faz dele, todavia, menos estratégico. Nesse jogo, através de um inteligente mecanismo de seleção de cartas, faz-se uma espécie de alocação de trabalhadores sem trabalhadores. Ademais, retoma-se aqui o rondel de recursos utilizado por ocasião do Ora et Labora. Aqui o Uwe adiciona um tempero interessante, que são os tiles de construção, que certa forma vimos em Ora et Labora e Caverna, mas o posicionamento e a relação deles uns com os outros assume papel importante para a pontuação final, o que seria visto mais tarde em outros de seus jogos.
Seu modo solo é excelente, um dos melhores até aqui, perdendo somente para o At the Gates of Loyang. É um jogo simples, rápido, muito gostoso e cujo modo solo perde bem pouco em relação ao multiplayer. É uma pena que esse jogo não esteja sempre disponível, tendo tiragens relativamente pequenas e pouco hype. Acho que, na verdade, ele sofre devido ao gigantismo dos outros jogos do Uwe. Fosse de um outro designer qualquer, teria sido um grande sucesso.
Veredito solo:
Recomendadíssimo! Excelente!
Fields of Arle (Arler Erde) (2014)
Aqui o Uwe colocou todos os seus melhores ingredientes em um caldeirão, misturou tudo e fez um jogo absolutamente incrível. Trata-se de uma alocação de trabalhadores muito apertadinha, com decisões difíceis e relevantes a cada instante, com intenso foco em gerenciamento e conversão de recursos e alguns elementos de seleção e colocação de tiles. É um jogo brilhante, fantástico! A discussão se Agricola é melhor do que Caverna e vice versa esvazia o debate sobre os jogos do Uwe e nos faz olhar para a árvore sem enxergar a floresta. Este jogo é incrível, precisa ser valorizado! O que limita muito o Fields of Arle é a quantidade de jogadores, até 2, mas a expansão Tea & Trade, publicada esse ano e altamente recomendada, amplia o jogo para 3 pessoas e acrescenta mais prédios, mais um tipo de recurso e, o que eu mais gostei do jogo, um livro de referências sobre a Frísia Oriental. Uma vez estabelecido como designer, o Uwe tem se mostrado um verdadeiro memorialista, algo semelhante ao que o Pedro Nava foi para a literatura brasileira em alguns momentos. A temática de alguns de seus jogos gira em torno de assuntos bem específicos e estes tem sido muito enriquecidos com detalhes históricos e informações a respeito do porque de cada um dos elementos ali selecionados. Natural da Frísia Oriental, Uwe fez de Fields of Arle uma verdadeira ode à sua terra natal, algo que somente um nativo seria capaz de fazer.
Eu li muitos reviews do Fields of Arle antes de ir atrás dele pelo jogo solo, pois tinha dúvidas se, apesar de bom jogo, seria adequado para essa modalidade. Os reviews gringos eram quase unânimes de que sim, o jogo solo era ótimo. Eu tive dificuldade em acreditar. O setup era relativamente fixo, variavam alguns dos prédios na oferta. Apenas 4 trabalhadores para alocação, ora colocados em uma parte do tabuleiro, ora na outra. Gerenciamento e conversão de recursos de modo semelhante ao que se viu em Le Havre e Ora et Labora, dois jogos que não curti muito o solo. Por fim, dando o benefício da dúvida aos bons revisores, fui atrás e consegui uma cópia. Ficou parado na minha estante um tempo. Olhei para ele com muita desconfiança. Num dia meio despretencioso, montei ele na mesa e comecei a jogar. Em dois dias foram 9 partidas seguidas. Me apaixonei. Apesar dos problemas que mencionei, as estratégias são amplas como no Caverna, o jogo é muito aberto. O caráter relativamente estático não atrapalha absolutamente nada. Com a expansão, o jogo melhorou muito mais ainda, pois agora o setup varia mais e ainda há mais elementos. É um beat your own score fantástico.
Veredito solo:
Recomendadíssimo! Se comprar, pegue também a expansão. Reze, como eu, por um insert customizado. E aproveite para se embrenhar pela Frísia Oriental e tomar um bom chá. Esse jogo deve ser degustado, não testado.
Cottage Garden (2016)
Embalado pelo sucesso do Patchwork (2014, infelizmente sem modo solo oficial), Uwe seguiu na trilha dos seus jogos de seleção e colocação de peças. Esse aqui eu peguei logo que saiu, pois me frustrou muito o Patchwork não ter comportado o modo solo. O jogo é lindo, leve e consegue ser jogado mesmo por quem nunca pegou num jogo moderno antes. O modo solo dele é legal, eu gostei e jogo quando estou meio cansado e quero algo relaxante, mas não vale a pena ser comprado somente por isso. Eu achei interessante, tendo jogado o Patchwork e Cottage Garden, tentar entender a cabeça do designer, mas jamais vislumbrei o que viria a seguir, o Feast for Odin.
Veredito solo:
Legal, relaxante, mas o modo solo é um bônus para quem quer jogar ele multiplayer, sobretudo como jogo de entrada. Não recomendo sua compra para quem vá predominantemente jogar solo.
Um Banquete a Odin (2016)
Olha, não vou trocar o nome para o abrasileirado. Ficou feio, pouco sonoro. Ainda prefiro a sugestão do Paulo, do Covil dos Jogos, que disse que tinha que ser A Quermesse do Pai do Thor. Bom, mas falemos do jogo. Lembram-se do que disse do Fields of Arle? Tudo aquilo? Pois é, releiam, ponderem e potencializem isso à enésima potência. Neste jogo, Uwe pegou tudo aquilo que ele fez antes, apurou e fez muito melhor. Tem alocação de trabalhadores, cartas que modificam o jogo, gerenciamento e conversão de recursos, fase de alimentação dos trabalhadores, colocação de peças e, sobretudo, tema. Como fez com o Fields of Arle, o Uwe colocou um ótimo almanaque que detalha toda a pesquisa feita para que cada um dos elementos desse jogo tenha sido incorporado. É um show de game design, de temática e produção. É um jogo épico, cuja história se desenrola ao longo de muitos anos e representa um pouco da contribuição do povo nórdico ao desenvolvimento da humanidade de uma forma nada piegas ou folcórica. A princípio parece ser daqueles jogos enormes, com muita coisa acontecendo, mas que na prática é simples e profundamente estratégico. Basta consultar o BGG para se ver quantas postagens há comentando-se justamente os incontáveis caminhos para a vitória.
Eu confesso que à primeira vista, fiquei intimidado com o jogo para se jogar sozinho. Talvez o setup fosse longo, talvez as cartas não fossem o suficiente para assegurar a variedade no jogo, talvez as ações variando pouco ficassem manjadas e a estratégia fosse, com isso, estática. Esqueça isso! O jogo é excelente, o setup não é longo e jamais será possível jogar uma partida semelhante a outra.
Veredito solo:
Recomendadíssimo! O jogo é incrível. Se quiser uma experiência épica, transcontinental, secular, vá de A Feast for Odin. Se quiser uma experiência mais contida, local, geracional, vá de Fields of Arle.
Indian Summer (2017)
Jogo que segue a lógica de Patchwork e Cottage Garden, com colocação de peças em tabuleiros individuais e mecânica leve. O grande diferencial desse jogo é a arte primorosa, que, em minha modesta opinião, é a melhor de um jogo do Uwe até agora. É um jogo que adorei, mas cujo modo solo não é legal. Dá a impressão de que ele foi colado ali como uma opção a mais de jogo, mas não é nem interessante, nem atrativo, além de ser praticamente impossível de ser vencido. A dificuldade, para ser honesto, em nada me incomoda, pois gosto de jogos difíceis também, mas o que incomoda é a quase impossibilidade de vitória por qualquer caminho possível. Jogando-se isso é perceptível já a partir da primeira ou segunda partida. Talvez eu esteja ficando velho, ranzinza e, provavelmente, burro, mas foi a impressão que eu e outras pessoas tivemos.
Veredito solo:
Não recomendo o modo solo. Se tiver o jogo para jogar com outras pessoas, eventualmente vale jogar sozinho, mas não é nem de longe uma experiência memorável.
Caverna: Cave vs Cave (2017)
Propalado como um mini Caverna, da série dos jogos para 2 pessoas do Uwe, esse aqui foi uma grata surpresa. De semelhante com o Caverna há o tema, a arte e alguns pontos da mecânica, mas, para mim, a sensação é de um jogo completamente diferente. Uma alocação de trabalhadores sem trabalhadores, com setup algo variável como no Agricola e um esquema de construção com pontos e benefícios que a gente vê também em outros jogos do Uwe já citados aqui. Em particular, esse jogo tem algumas coisas que gostei demais: tamanho pequeno, poucos componentes, preço muito bom, setup rápido e regras simples. Com exceção do A Feast for Odin, para mim esse foi o melhor lançamento do Uwe desde Fields of Arle. Grande jogo numa caixa pequena.
O modo solo dele é muitíssimo semelhante ao de dois jogadores, não se perde praticamente nada.
Veredito solo:
Recomendo para o modo solo. É um dos meus mais jogados solo desde o lançamento. Adorei esse jogo. Em 1 hora dá para jogar umas três partidas sem problema algum.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Uwe Rosenberg, para mim, é para os jogos de tabuleiro o que o Woody Allen é para o cinema contemporâneo. O que quero dizer com isso? Quem conhece o Woody Allen sabe que seus filmes giram em torno dos mesmos temas, das mesmas neuroses, os personagens são, de certa forma parecidos, mas ainda assim são histórias diferentes, contadas de formas distintas. Se você assistiu a mais de um filme dele, conseguirá perceber isso. Eu já vi todos, talvez meu favorito seja
A Última Noite de Boris Grushenko, mas isso não quer dizer que eu não goste de outros, como
Poderosa Afrodite e etc. Assistir um filme dele é, para mim, uma coisa confortável. Sei o que esperar, mas ainda assim saio daquela experiência com algo diferente
No caso dos jogos do Uwe Rosenberg também tenho essa nítida percepção. São jogos muito parecidos em temáticas, mecânicas, componentes, arte, mas experiências muito distintas entre si. É confortável jogá-los, sei o que encontro quando abro a caixa de um jogo dele, mas nunca é a mesma coisa. É como se do Agricola em diante, o Uwe tenha gradualmente modificado aquele conceito inicial, acrescentado algo, dado uma dimensão ou uma camada estratégica a mais. Dessa forma, tenho a clara percepção de que a obra dele encontra-se em constante evolução, com novos conceitos e distintos elementos sendo agregados ao longo do tempo, mas ele é o mesmo designer, fiel a princípios e preferências que são muito pessoais. Isso pode ser bom, porque as mecânicas ficam mais e mais refinadas, mas limita o escopo de jogadores que podem se interessar por aquilo. Eu não conheço tanto a obra de outros designers, mas não me recordo de ninguém que tenha essa característica.
Para finalizar, se eu tivesse que elencar os jogos dele que mais gosto para se jogar sozinho, colocaria na seguinte ordem:
1) At the Gates of Loyang
2) Fields of Arle, quando quero algo mais pessoal, ou A Feast for Odin, quando quero um jogo épico
3) Caverna: Cave vs. Cave
4) Glass Road
5) Agricola em seu modo campanha
6) Cottage Garden
Por tudo o que disse, acho que os demais não entram nessa lista como recomendações. Não que eu não os jogue sozinho, mas esses aí da lista são superiores sem dúvida.
Valeu, pessoal!