Tenho andado meio sumido dos fóruns da 1 Player Guild Brasil, mas pretendo retomar os textos a partir do meio do ano. No entanto, antes de retomar os reviews usuais, com um modelo pré-definido, como foram os demais que fiz, tomei a liberdade de escrever um texto para falar daquele que se tornou meu designer favorito: Uwe Rosenberg. E não será um review qualquer. Já que estamos na 1PG Brasil, falaremos dos jogos dele sob a perspectiva do jogador solitário. Eu tenho todos os jogos de caixa grande dele, excetuando-se o
Nusfjord, que espero que venha logo pela Ludofy, e anseio pelo lançamento do
Reykholt, em Essen, esse ano.
Por que falar dele num fórum para jogos solo? Uwe tem grande interesse por essa modalidade de jogo, afinal praticamente todos os seus designs incluem modos solo. Ele tem bastante carinho por nós e costuma se referir aos jogadores solitários como os
solovarians.
Dito isso, começo a falar dos jogos dele na sequência em que foram publicados. Para que não fique muito cansativo, dividirei o review em duas partes.
Agricola (2007)
Para mim (e esta é minha opinião pessoal, concordem ou não) Agricola segue sendo a obra prima do Uwe. É um jogo tão incrivelmente simples, tão profundamente estratégico e com elementos que o tornam um dos melhores jogos já publicados até hoje. A associação da grande quantidade de cartas com a mecânica de alocação de trabalhadores torna esse jogo único. O conceito de conversão de recursos, mecânica muito presente nos demais jogos dele, começa de forma sutil aqui, mas obriga uma gestão eficiente de recursos, sempre pressionado pelo mecanismo de fome, que se torna um problema para algumas pessoas.
Esse foi um dos primeiros jogos que comprei e joguei, foi um dos pilares iniciais da minha coleção. Depois de adquirir a primeira edição, ainda sem os animeeples, vieram as expansões diversas, que amealhei uma a uma ao longo do tempo. Quero ainda comprar os demais decks que não possuo, mas isso não tem pressa.
Agora um caveat: esse nem de longe é o melhor jogo dele para se jogar solo. É um bom jogo, em particular em seu modo campanha, que é a única forma em que recomendo jogá-lo sozinho, mas tende a ser cansativo e, eventualmente, repetitivo.
Veredito solo:
Se for para jogar a campanha, jogar eventualmente, jogar para testar estratégias e lembrar as regras, recomendo ele para o modo solo, mas não se pode fazer dele um daqueles jogos que sempre vai para a mesa.
Le Havre (2008)
Novamente, Uwe acerta, com um jogo que modifica a mecânica de alocação de trabalhadores, deixando-a mais apertada ainda, mas menos sufocante que no seu irmão mais velho, o Agricola. Nesse jogo, a mecânica de gestão/conversão de recursos é o grande centro de tudo, especialmente com suas fichas de dupla face (um lado com recurso bruto, outro lado com o recurso processado). É preciso ter bastante atenção para não se perder. Acho que esse talvez seja um dos jogos mais fáceis de se aprender do Uwe, mas certamente um dos mais difíceis de se dominar.
É um grande jogo multiplayer, mas novamente, seu modo solo não me impressiona muito. Há relativamente pouca variabilidade, pois o setup não muda muito, somente a sequência das cartas no setup inicial, mas são sempre as mesmas. Com o tempo e partidas repetidas esse jogo corre o risco de se tornar resolvido, isto é, você sempre repete as mesmas ações e movimentos, atingindo pontuações semelhantes ao longo do tempo.
Veredito solo:
Infelizmente esse não é um jogo que eu recomendo para quem o procure com ênfase no modo solo.
At the Gates of Loyang (2009)
Esse jogo encerra o que convencionou-se chamar de
Harvest Trilogy, isto é o terceiro jogo em seguida que trazia uma fase de colheita na sequência dos seus turnos. Esse, no entanto, é um jogo um jogo bastante distinto dos seus antecessores. Há uma gestão menos apertada, mas não é fácil, dos recursos, uma mecânica de uso de cartas e draft muitíssimo interessante e um sistema de pontuação único. Nesse jogo, Uwe seguiu aprimorando sua mecânica de gestão/conversão de recursos e deixou um pouco de lado a alocação de trabalhadores em prol do uso das cartas, mas ainda assim é um jogo que faz muito sentido dentro do conjunto de sua obra.
Talvez esse seja um dos melhores jogos solo do Uwe. O modo solo dele é bastante parecido com o multiplayer, é extremamente desafiador e agradável de se jogar. A variabilidade das partidas é assegurada pela constituição variável do grid de cartas de trabalhadores no setup, o que faz com que sejam sempre, e aqui reforço, sempre diferentes entre si e sem uma estratégia única que possa sempre vencer o jogo. Adoro ele, mas infelizmente o tenho jogado menos do que deveria.
Veredito solo:
Recomendadíssimo para o modo solo.
Merkator (2010)
Esse é, sem dúvida, o jogo mais obscuro do Uwe e o menos incensado. Ele é uma verdadeira ruptura na obra dele, pois distoa em temática, arte, mecânica e no sucesso que fez. É um pick-up and delivery, com um quê de set collection, bem amarrado e com aquela cara de euro tradicional. Digo que é um ponto de ruptura, pois esse jogo interrompeu aquela sequência inicial de jogos, finalizando a
Harvest Trilogy. Esse jogo fez pouco sucesso e é o jogo de caixa grande dele com a pior classificação no ranking do BGG. Fosse um jogo de outro designer seria um grande sucesso, mas acho que do Uwe se esperava muito mais.
O modo solo dele desvia-se bastante do jogo multiplayer, mas ainda assim é uma experiência agradável. Não cheguei a jogá-lo com outras pessoas, apenas algumas partidas sozinho, mas gostei do jogo. O jogo solo é bastante diferente do original, que tem uma mecânica de piggybacking, semelhante à dos Race for the Galaxy, que para mim é um elemento importante das decisões estratégicas que ele proporciona. A interação indireta proporcionada por essa mecânica é necessária. No jogo solo esse elemento se perde, pois não há como réplica-lo. Isso, por si só, para mim já constitui um problema considerável.
Veredito solo:
Não recomendo sua compra com foco exclusivamente no jogo solitário.
Ora et Labora (2011)
Depois do Merkator, o Uwe retomou a linearidade de sua obra com esse jogo, que traz uma alocação de trabalhadores muito interessante, que lembra um pouco a do Le Havre, e aperfeiçoa o mecanismo de gerenciamento e conversão de recursos a um ponto muito próximo do que é a perfeição nos seus jogos, trazendo um novo elemento, até aqui não testado pelo designer, que é um rondel de produção de recursos, que dá ao jogo uma dimensão estratégica bastante singular. As fichas de recursos com duas faces, vistas por ocasião do Le Havre, reaparecem aqui também. Embora o primeiro contato com Ora et Labora não tenha me agradado muito, pude perceber com outras partidas que se trata de um jogo muitíssimo interessante. As regras, embora pouco amistosas de início, são de fácil compreensão e rapidamente a gente aprende como se joga, mas novamente não se domina da noite para o dia esse jogo.
Infelizmente seu modo solo também não é legal. Ele tem o setup inicial completamente estático e, depois que você descobre o caminho para a vitória, o jogo perde a graça. Dá para testar jogar com os baralhos diferentes (França e Irlanda), mas ainda assim é um jogo resolvível. Ora et Labora é uma grande pérola do Uwe que se beneficiaria muito de expansões com mais conteúdos e modificações sutis das regras que assegurassem um pouco mais de variedade.
Veredito solo:
Não recomendo sua compra com foco no jogo solo também. Da mesma forma que o Agricola, vale jogar sozinho para explorar o jogo, testar estratégias e lembrar regras, mas não dá para ver mesa sempre.
Caverna: The Cave Farmers (2013)
Nesse jogo, Uwe definitivamente voltou a sua origem. Ele pegou muito do que o Agricola tinha, eliminou a angustiante mecânica da alimentação dele e acrescentou uma série de elementos que fizeram desse um grande jogo de alocação de trabalhadores. Ele representa um refinamento de algumas partes do Agricola, de algum forma tenta substituir as cartas de melhoria e ocupações pelas construções e traz conceitos de produção de uma indústria que cresceu demais entre 2007 e 2013. Para mim, o Agricola segue sendo superior a esse, mas entendo perfeitamente quem pensa o contrário. Ambos são jogos incríveis e é uma questão pura e simples de gosto.
Por se tratar de uma alocação de trabalhadores mais relaxada, a competição pelos espaços de ação é bem menos ferrenha, há opções de se copiar ações e atingir os mesmos objetivos por outros caminhos, isso faz com que seu modo solo seja extremamente semelhante a seu modo multiplayer. O que acho a grande desvantagem do Caverna em relação ao Agricola no modo solo é o setup pouco variado. Em Agricola os espaços de alocação, embora previsíveis, não tem sempre a mesma ordem, pois são sorteados de uma fase a outra, isso não acontece no Caverna. As cartas de ocupação também dão mais variabilidade ao Agricola, fato que também não acontece no Caverna. Todavia, por ser um jogo muito mais amplo, com muito mais opções no tabuleiro, isso não chega a ser um problema, pois é possível experimentar o Caverna de diferentes formas. O próprio Uwe coloca no manual que esse modo de jogo deve ser usado para se aprender o jogo, mas eu acrescentaria que também serve para experimentar estratégias.
Veredito solo:
Não recomendo o Caverna para o modo solo, exclusivamente. Se você tem grupo que gosta muito desse tipo de jogo, vale a pena tê-lo para testar estratégias diferentes.
Semana que vem coloco a segunda parte do texto. Valeu!