Por Michael C. Alves
Agora que entramos na reta final do financiamento coletivo, consegui tirar algum tempo para escrever a parte 2 do Diário de Design do Anime Saga. Para quem não viu a parte 1, lá falamos em como surgiu a ideia, quais eram as restrições que nos colocamos quanto ao projeto, e como definimos a mecânica central do jogo, o draft aberto em pilhas.
Mas muita água se passou embaixo da ponte entre a formulação da mecânica central e a finalização do
Anime Saga, e é sobre isso que falarei nessa segunda parte.
Parte II – O Desenvolvimento
Tínhamos a mecânica central, o tema e os objetivos de design do jogo. Agora era hora de por a mão na massa e realmente transformar o projeto em algo real.
O tempo era curto, então começamos a buscar ilustradores. Na nossa equipe já trabalham o
Emyr F. Lima e o
Gustavo Matsunaga, ambos sócios da
Arcano Games, porém eles também tem outros trabalhos, e não poderiam pegar toda arte do
Anime Saga para fazerem, era muita coisa.
Procuramos vários ilustradores, e entramos em contato com alguns. Analisando valores, tempo de entrega, estilo e qualidade do trabalho, escolhemos o
Douglas Duarte e passamos a ele a difícil missão de produzir cerca de 60 peças de ilustração sem muito prazo extra para atrasos.
O objetivo da arte era representar a ideia de um anime de fantasia medieval, incluindo personagens dos mais variados tipos e estilos possíveis. Conforme ele começou a entregar as primeiras peças sabíamos que tínhamos acertado na escolha das ilustrações.
Enquanto ele faria as ilustrações dos Inimigos, Desafios e Cartas de Ação, o Gustavo Matsunaga focaria nos Personagens, e o Emyr F. Lima no Design Gráfico.
Naquele período eu já estava escrevendo uma versão previa do manual, enquanto fazíamos playtests e procurávamos fechar as outras mecânicas, personagens e habilidades.
A primeira coisa que eu fechei foram os 5 tipos diferentes de cartas. Se a mecânica central seria um Draft Aberto em Pilhas, onde as cartas vem e voltam, eu precisaria dar a elas mais do que simplesmente atributos para que a escolha de quais pilhas pegar e como fazer o descarte pudesse dar diversas opções aos jogadores, tornando o jogo mais interessante e estratégico.
Ao mesmo tempo, eu queria manter o jogo simples e utilizar mecânicas já conhecidas e intuitivas no restante do projeto, pois os jogadores já têm que aprender a mecânica central das pilhas, que não é uma mecânica comum e difundida.
Eu queria cartas com efeitos diferentes, mas tinham de ser simples. Decidi então que “set collection” seria a mecânica acessória principal, por que casaria bem com a ideia de administração de mão provida por esse sistema de draft especifico.
Com isso pensei em que variedades de efeitos seriam simples e casariam com ambas mecânicas e cheguei em:
- Cartas que dão Pontos
- Cartas que ajudam no Combate
- Cartas que permitem comprar novas Habilidades
- Cartas que Recuperam Vida
Rodando algumas contas, eu percebi que precisaria de um quinto tipo de carta, e me surgiu à ideia de uma Carta Coringa, mas não um coringa simples. E assim nasceu a Carta de Troca.
A Carta de Troca poderia ser trocada por qualquer carta na mesa, se tornando muitas vezes um poderoso coringa. Mas ao mesmo tempo sendo vulnerável a própria situação da mesa, e principalmente, ao ser utilizada se colocava disponível para que outros jogadores fizessem uso dela.
Ela poderia ter sido feita de uma forma que atuasse como um coringa nas jogadas, o que faria com que ela também voltasse ao tabuleiro, mas reduziria sua interação com a mesa e daria mais controle sobre o seu descarte. Na forma com que ela ficou se tornou balanceada e interessante, uma excelente carta para pegar nas pilhas, mas não exatamente a melhor carta sempre.
Uma pilha com uma Carta de Troca é sempre boa. Mas se você precisa de um Pergaminho Azul, você vai atrás dele, pois ele pode não estar mais disponível na mesa para você pega-lo com a carta de Troca na próxima rodada.
Com isso tínhamos os 5 tipos de carta:
8z- Coroa para Pontos, representando os Episódios “Fillers” clássicos em Animes.
- Espada para Combate, representando as formas de ataque e defesa.
- Coração para Cura, representando as formas de descanso e recuperação.
- Pergaminho para Treinamento, representando formas de aprendizado.
- Setas para Troca, representando truques e habilidades ocultas ou inesperadas.
As cartas teriam os 4 atributos diferentes, com cores e símbolos únicos, Vermelho para Força, Azul para Inteligência, Verde para Agilidade e Amarelo para Poder. Nessa época os símbolos dentro da iconografia das cartas ainda eram pequenos e sem destaque, na versão final vocês poderão ver a diferença.
Com os playtests percebi que as cartas de Inimigos e Desafios precisavam de algo para torna-las distintas além dos diferentes atributos. Nisso surgiu a mecânica que completou a utilização das cartas: Os efeitos negativos.
Cada desafio, e cada inimigo, além de atributos diferentes, agora teria um efeito negativo causado ao jogador que tentasse enfrentá-los. Para anular esse efeito negativo, o jogador precisaria de uma combinação especifica de símbolos de ação, ou cores de atributo. Aumentando a importância das escolhas das cartas.
Nesse momento os testes públicos tinham começado, e encontramos a primeira dificuldade: os jogadores tinham dificuldade em entender que as cartas utilizadas para contribuir com um desafio não anulavam o efeito negativo ao mesmo tempo.
Trabalhamos na iconografia para isso, mas não resolveu, e então tentamos uma rota mais simples. Mudamos a regra, e agora uma carta que estava contribuindo para o Desafio podia ao mesmo tempo contribuir para anular o Efeito Negativo.
Rebalanceamos a pontuação, e ficou muito melhor. Mais simples e intuitivo.
Nesse ponto a mecânica geral do jogo já estava fechada, e estávamos trabalhando em balancear os poderes dos personagens.
Estávamos muito confiantes nas mecânicas, mas sabíamos que o balanceamento não estava completo, e o design gráfico ainda não estava totalmente polido. Mas naquele momento o prazo não nos permitiu outra escolha. Fizemos nosso melhor e enviamos as cópias do protótipo.
Dia 21/04/17 – Dia do meu aniversário (Michael).
Passamos o dia todo com a equipe cortando e preparando os protótipos para o Além do Muro e para o Envio aos Reviewers.
A ideia era utilizar o feedback recebido através do envio destes protótipos para aprimorar o jogo. E essa escolha acabou rendendo bons frutos. A primeira coisa que recebemos de feedback era sobre a arte dos personagens. Logo refizemos a arte de alguns deles baseado nas sugestões recebidas.
Em seguida, juntamos muitas opiniões sobre o balanceamento dos personagens e estávamos no processo de revisar as habilidades quando recebemos mais uma leva de feedbacks, incluindo um review bastante detalhado que achei muito interessante vindo do Lucas Andrade, o Lukita da Meeple Maniacs. A sugestão era deixar a pontuação mais limpa.
No protótipo enviado, contribuir com desafios dava 4 pontos +1 por carta contribuída. A sugestão era deixar somente 1 por carta contribuída. Isso iria requerer que todos os valores do jogo fossem rebalanceados, mas deixaria o design mais “limpo”. Aceitei o desafio. Era pouco tempo e muito trabalho, além de ter de administrar o financiamento coletivo, ainda tinha de refazer toda a matemática do jogo, incluindo todos os poderes dos personagens.
Mas foi uma ótima escolha ter seguido esse caminho. Aproveitei todo o feedback recebido dos outros reviewers, e tudo que acumulamos de experiência ao levar o jogo aos eventos, e com isso pude fazer todos os 10 personagens, e reequilibrar todos os efeitos, cartas de ações, bônus, desafios... etc...
Foram duas semanas de 12 à 16 horas por dia de trabalho dedicado a Arcano Games. Eu dormia apenas 4 à 5 horas por noite, e resolvia questões de produção, gerenciava a divulgação, preparava o financeiro da empresa, e desenvolvia o jogo.
Fechei os números e as habilidades dos 5 personagens básicos. Enquanto desenvolvia os outros 5 personagens, fazíamos testes e começávamos a discutir as melhorias do design gráfico das cartas.
Os ícones no canto estavam muito pequenos, e a iconografia do “Set Collection” não estava sendo intuitiva o bastante.
Iconografia antiga
Nova Iconografia das cartas
Partimos para uma iconografia que não era tão bonita quanto a anterior, mas que era muito mais funcional.
Seguimos com diversas melhorias no design gráfico das cartas, deixando os símbolos mais limpos, os ícones de atributos mais intuitivos e a fonte e tamanho dos textos maiores.
Versão protótipo x versão final
Também trocamos o design das cartas de habilidades dos personagens, pois havia pouco espaço para os textos, e a fonte ficava muito pequena. Com isso o jogo já ficava mais próximo a sua versão final. Agora mais limpo, com pontuação mais bem dimensionada, fontes das letras mais temáticas, iconográfica mais intuitiva, e leitura das cartas facilitada.
Fechamos o balanceamento final de todos os personagens após os testes, e fizemos algumas alterações no tabuleiro.
Versão protótipo x versão final
Durante todo esse período, o manual estava em processo de diagramação e revisão. E conseguimos entregar as cartas na versão final para que o manual pudesse ser concluído.
Por fim, fizemos uma melhoria final. Trocamos as cartas de atributo que serviam anteriormente para marcar o avanço dos desafios, movendo as cartas por debaixo do tabuleiro, para uma carta que continha trilhas para os atributos, e adicionamos dois marcadores plásticos extras no jogo para que pudessem marcar.
Foram varias pequenas melhorias no projeto, que tornaram o jogo claramente superior ao que tínhamos no começo do ano.
Dedicamos muitos meses de trabalho a este projeto, mas o resultado final nos deixou muito felizes. Eu particularmente acredito que entregaremos um bom jogo, e provavelmente o melhor lançamento da Arcano Games até agora.
Personagem Exclusivo dos apoiadores do Financiamento Coletivo – O Mago
Estamos na última semana do financiamento, e seja qual for o resultado, acredito que lutamos uma boa batalha. Criamos um bom jogo, que recebeu muitos elogios durante os eventos, e de vários reviewers, em particular os que jogaram a versão final, e aprendemos muito durante este processo. As maiores lições que nos ficam são sobre como tratar a escolha de temas, o processo de desenvolvimento de arte e identidade visual, como fazer iconografias mais limpas, e o que o público espera do design gráfico dos jogos.
Buscamos neste projeto alcançar um público novo, fizemos uma extensa divulgação para traze-los ao financiamento, mas infelizmente descobrimos que trazer novos jogadores para nosso hobby não é uma tarefa simples.
Apesar disso não nos arrependemos das nossas escolhas. Gostamos muito do jogo final que desenvolvemos, e temos muito orgulho de nosso trabalho nesse projeto. Ele não está perfeito, mas não existem jogos perfeitos, e demos nosso melhor, e aprendemos muito durante toda jornada.
Apesar de tudo, o jogo provavelmente será financiado, e teremos a honra de poder entregar o Anime Saga a nossos apoiadores.
Daqui para frente, estamos passando a andar em parceria com a
MeepleBR, e nossos próximos lançamentos terão uma equipe maior de trabalho e um nível de qualidade superior em todos os aspectos.
Em breve pretendo falar sobre o desenvolvimento do
Triora: A Cidade das Bruxas, antigo “Ruínas de Terra-Santa”.
Obrigado a todos e espero que a leitura tenha sido minimamente agradável.
- Michael Alves
Arcano Games
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