Por Lorenzo Silva
Co-Mix, ou como uma ideia “fácil de desenvolver” torna-se uma ideia nada fácil de se desenvolver.
A ideia original do que viria a ser
Co-Mix veio a mim por volta de três anos atrás como um dos meus pequenos projetos secundários pessoais, e eu começo quando uma ideia assombra minha mente, mas não tenho certeza se poderá vir a ser um jogo de verdade. A ideia: “
posso criar um jogo de contar histórias que faça você jogar cartas não somente para desenvolver elementos de um enredo, mas criar realmente uma história completa de forma gráfica?”.
Algo como isso. Parece fácil, não? Bom, pense novamente.
Isto pode não ser tão diferente de outro jogo “normal” de contar histórias, mas se pensar com um pouco mais de atenção, seria uma abordagem única, e nunca foi tentada antes (pelo menos que eu saiba). O objetivo final seria dar aos jogadores uma ferramenta para criar histórias em quadrinhos (ou storyboards se você está mais familiarizado com termos cinematográficos), para dar a eles um jogo não com “cartas painéis” descrevendo somente personagens, objetos e cenários, mas também “conectando imagens” – coisas como mudanças de ângulo, detalhes e ações – preenchendo os espaços com suas palavras e habilidade de contar histórias. Isto não parece uma coisa muito complicada de se fazer, certo? Você apenas precisa desenhar estas “imagens conectadas” e um monte de outras coisas comuns e dar por concluído, certo? Ceeeeerto.
Mas surpreendentemente, problemas o aguardam em cada canto, e eu precisei contornar muitos cantos antes de Co-Mix realmente ser criado...
Problema #1: “E se o desenvolvedor do jogo não souber desenhar?”
Resposta: O desenvolvedor do jogo subitamente fica parado. Com muitos outros projetos a dar sequência, e minha falta de capacidade de desenhar dificultando a possibilidade de criar um protótipo decente, o projeto “gerador de storyboard” foi arquivado como “uma boa ideia a ser elaborada quando tiver mais tempo para ela” e colocado em uma gaveta metafórica (e talvez também numa gaveta pra valer, eu não tenho certeza).
Em toda sua feiura, eu acredito que ainda parece meio fofo. Qual é, olhe esse lobo! Adorável.
Foi somente depois que conheci Matteo Cremona é que uma nova vida pode ser trazida ao projeto. Sendo um artista de quadrinhos profissional, Matteo com certeza poderia fazer um trabalho melhor com as ilustrações, eu pensei, assim me ajudando a finalmente criar um protótipo, certo? Certo? Bom, estava certo naquele momento. Matteo é extremamente talentoso, o que ajudou muito. Adicionando aquela mistura pouco tempo depois de tê-la conhecido, e o Horrible Games nasceu, e você pode ver como o momento foi perfeito para o desenvolvimento do “jogo que seria conhecido como Co-Mix” começar novamente com energia renovada e entusiasmo.
Está certo, talvez o resultado final tenha ficado um pouco melhor do que o meu, eu admito.
Eu até coloquei um bocado de tempo e esforço nele.
O primeiro protótipo surgiu do trabalho em conjunto surpreendentemente bem feito desde o começo. (Aqueles anos de estudo e práticas de desenho veio a ajudar muito mais do que um esforço amador e muita boa vontade. Quem poderia ter imaginado?) Depois de seis meses de trabalho duro, o jogo finalmente começou a tomar forma. Depois de um monte de ajustes, nós tínhamos mais de trezentas ilustrações, com mais de 20 personagens aparecendo em muitas delas, algumas vezes até mesmo interagindo uns com os outros.
Alguns dos estilos de tipos de personagens que nós experimentamos
Cada personagem também possui um conjunto de coisas relacionadas, como cenários, objetos específicos, ações e detalhes, e também muitas dessas coisas apareciam em relação com outros personagens. Isto deu a cada carta painel uma grande versatilidade. Idealmente seria muito mais fácil usar um painel com outro painel, mesmo que o personagem tenha sido criado para não fazer parte na história do jogador.
Exemplo de tirinha do detetive
Em adição a isso, nós também colocamos no mix um monte de painéis “genéricos” retratando ações específicas ou objetos e detalhes sem associação a qualquer outro elemento específico. Eles serviriam como uma carta “coringa”; que você poderia colocá-la em qualquer lugar, e com a ideia certa, elas caberiam em qualquer história.
Matteo precisou de...tipo...dez segundos para desenhar essa página completa!!!
Tudo bem, talvez um pouco mais do que isso, mas continua sendo... humilhante.
Com tantas ilustrações diferentes, a decisão de fazer as cartas painéis dupla-face foi uma decisão fácil e rápida. Só precisei pensar muito sobre qual ilustração poderia estar nas costas de qual ilustração para evitar uma situação onde o jogador não tivesse o tipo de painel necessário para sua história. Se, por exemplo, fizéssemos uma carta com um personagem na frente e outro nas costas, com um saque de cartas azarado você poderia se encontrar numa situação não muito agradável de onde teria um monte de personagens em mãos, mas sem ações para fazer com eles, coisas com as quais interagir, ou lugares para estar. Seria uma experiência de jogo desagradável, confie em mim. Mas, apesar de tudo, não era um grande negócio.
Quando eu me lembro de quantas vezes precisei cortar e colar diferentes combinações destas,
ainda sinto arrepios descendo pela espinha.
Neste estágio, como pode ser visto acima, todas as cartas painéis ainda estavam desenhadas em preto e branco. Era preciso economizar tempo e esforço enquanto ainda se encontrava na fase de protótipo, óbvio, mas nos levou diretamente ao próximo canto a tempo de quebramos nossas caras no próximo grande problema.
Problema #2: “Como colorir esta coisa?”
Ou mesmo, “precisamos realmente colorir isso?”
Alguns de vocês precisarão de um pouco mais de contexto para que a pergunta não fique tão maluca. Tradicionalmente, até mesmo hoje em dia, quadrinhos italianos são geralmente feitos em preto e branco, igual aos mangas japoneses e outros quadrinhos asiáticos. Tex Willer, Dylan Dog, Nathan Never, muitos dos heróis italianos dos quadrinhos que você possa ter ouvido – se não ouviu, você deveria fazer alguma pesquisa – são publicados sem colorir (excluindo a arte das capas e alguns casos especiais). Nós conhecemos e amamos um monte de quadrinhos coloridos, é claro, mas não é estranho para nós lermos e gostarmos de quadrinhos em preto e branco.
Mesmo sem cores, isso parece maravilhoso, você precisa admitir.
E se você pensar sobre isso, uma arte em preto e branco dá uma grande versatilidade a ilustração. Uma imagem de um líquido vazando de uma garrafa pode descrever qualquer coisa; pinte de vermelho o conteúdo desta mesma garrafa, e tudo que você consegue é vinho, sangue, e suco de laranja vermelha. Tem algumas variedades, mas você entendeu o ponto.
Após longas e intensas meditações, para dar ao jogo um apelo internacional e independência de idade, eu finalmente optei por cores. (Mesmo na Itália, a maioria dos quadrinhos para crianças são coloridos.) E isso abriu toda uma vasta possibilidade de colorir! As cores deveriam ser realistas? Sonhadoras? Artística, em aquarela ou algo parecido?
Do esboço às cores finais, a evolução da nossa garota vampira mal-humorada.
O estilo que eu eventualmente estabeleci não foi o mesmo que eu planejei nos primeiros estágios do desenvolvimento – embora, para ser honesto, o jogo começou com um tema noir, portanto minhas ideias não eram exatas de qualquer forma – mas precisavam ter o balanço certo. Ele tinha sua própria identidade, e serviu bem ao jogo, e poderia ser apelativo para muito mais pessoas. A contribuição de Max Rambaldi no processo de colorir foi um ponto chave – isso, e a sua paciência com algumas leves mudanças, e algumas vezes grandes inovações na direção de arte que ele eventualmente incluiu.
...e quando eu digo “inovações”, eu realmente quero dizer isso.
Enquanto tudo isso acontecia, estava bem claro que o mecanismo de contar histórias do jogo – que nesse momento, embora ainda com um título de trabalho somente, começa a ser referido como “Co-Mix” – estava funcionando bem. Eu estava enfrentando um outro problema, muito mais complicado que um problema esperado...
Problema #3: Como você vence este jogo?”
O problema em qualquer jogo de contar histórias é este: e se o jogador não é bom em contar histórias? Na maioria do tempo, a resposta é que ele não será capaz de jogar de uma maneira satisfatória, e ele não irá se divertir muito. Para muitas pessoas, isso é dado pelo próprio gênero, e uma das razões é sua polarização: algumas pessoas adoram jogos de contar histórias, outras pessoas claramente os odeiam. Não existem muitas pessoas vivendo na ampla e desértica área cinza entre estes dois extremos. Eu gostaria de fazer o jogo divertido até mesmo para as pessoas que não são boas em contar histórias – este era um dos objetivos principais – mas eu precisava de algum tipo de mecanismo de voto, então esse era o meu nó de marinheiro.
Uma viagem para a Transilvânia felizmente não é necessária.
Quando você deixa o julgamento nas mãos dos jogadores (você deixa os jogadores votarem), você deixa espaço para ferir os sentimentos das pessoas quando seus esforços são sistematicamente menosprezados ou mal julgados – e isso pode acontecer muito mais do que inicialmente eu havia previsto.
Além disso, se você tiver na sua mesa uma daquelas pessoas hediondas que daria uma nota baixa para uma história claramente boa somente porque o seu criador está ganhando – não existe um inferno equivalente na vida após a morte que você crê existir para esses caras com espírito de destruir o jogo – e seu sistema de pontuação permite estas pessoas a fazerem isso, você tem um grande problema, um problema que pode arruinar completamente a experiência do jogo para muitas outras pessoas, e era exatamente isso que queria evitar quando iniciei o projeto do Co-Mix.
Uma imagem prévia da arte da capa – arte linda, mas não estava funcionando bem.
Não sumarizarei todas as diferenças – e diferentemente falho – sistema de pontuação que eu tentei; os meses de dúvidas, dores e sofrimentos; os debates sem fim; o grupo de psicoterapia e as sessões de administração de raiva; os planos abortados de multi-assassinatos e tentativas de rituais pagãos e/ou vodus que miravam na erradicação de todas essas criaturas mal julgadoras de boas histórias uma vez por todas da face da terra. (Eu continuo pensando nessa última ideia.) Fora a frustração, eu estava quase desistindo e lançando o jogo sem um sistema de votação, lançando ele como uma ferramenta de contar histórias e divertir-se. Esta era uma versão que os os jogadores que testaram (playtesters), velhos e novos, gostaram muito, mas mesmo eu sentia que algo estava faltando se eu tivesse seguido com esta decisão. Como o legendário nó de marinheiro, tudo que era preciso fazer era pensar um pouco fora da caixa.
Oh, pontuação, porque isso me causou tantos problemas?
Subitamente, e com sorte, a ideia certa veio até mim. O sistema de pontuação que fez o corte e entrou no projeto final do jogo resolveu todos os problemas que mencionei acima, quase magicamente. Foi um sentimento maravilhoso, como ver todas as peças daquele quebra-cabeça realmente complicado que iria destruir sua vida, para sempre e sempre, finalmente se encaixando em uma imagem divertida e harmoniosa de coesão e união. (Ok, talvez eu esteja exagerando um pouquinho demais.)
Fazendo os jogadores dizerem somente o que eles gostaram da história, e não o quanto gostaram dela, o problema de mal julgamento e má pontuação tinha sido eliminado uma vez por todas. Era o consentimento entre os jogadores, não os próprios jogadores, que determinaria a pontuação. E premiando as pessoas que votaram honestamente – dando pontos bônus para qualquer jogador que deu seu voto “certo” para uma história, aquela que a maioria dos jogadores deu – o jogador que manipularia os pontos para vencer, também foi eliminado. Com este sistema, a simplicidade e não a estratégia que o premia. Sim, eu estou realmente orgulhoso deste sistema de voto. É possível notar?
O jogo final em toda sua glória...
E eles viveram felizes para sempre?
Ainda estou me recuperando de qualquer stress de desordem pós-traumática que qualquer desenvolvimento de jogo causa a um desenvolvedor, mas eventualmente eu ficarei bem, obrigado por perguntar.
Acima de tudo, eu e minha equipe esperamos sinceramente que todo nosso esforço permita muitas pessoas a terem metade da diversão que nós tivemos criando e contando loucas histórias em quadrinhos. Isso é o que somos – nós queremos, abnegadamente, dar diversão para todo o mundo, portanto sinta-se livre para comprar esta pequena coisa que criamos, e se você já fez isso, divida isso com seus familiares e amigos! E os convença a comprar isso também. Pode ser útil em diversas maneiras. É o canivete suíço dos jogos de tabuleiros! Pense em uma mesa raquítica, algum ar perturbador entrando pela janela, um inverno realmente frio e uma lareira vazia pedindo algo para ser queimado...
Lorenzo Silva