Antes de tudo, permitam que eu me apresente, meu nome é Michael, e sou o game designer dos jogos da Arcano Games (Zona Mágica, Contária, Anime Saga e Ruína de Terra-Santa).
Por sugestões e pedidos, resolvi entrar nessa onda de fazer um diário de design do jogo, o que pode ser um processo interessante até para que eu mesmo possa fazer uma análise retrospectiva ordenada do processo de criação. Bom, sem mais delongas vamos em frente...
1- A ideia
Bom, a história começa em outubro de 2016, a equipe toda da Arcano estava trabalhando nos detalhes finais do Contária. Naquela época tínhamos outros dois jogos em fases diferentes de desenvolvimento:
- Ruína de Terra-Santa, um Euro, que estava com as mecânicas e balanceamento praticamente finalizados. Era um jogo pronto da perspectiva de regras, mas que ainda precisava de muito trabalho de desenvolvimento. Tínhamos de definir um estilo de arte, componentes, forma de apresentação das regras além de desenvolver uma iconografia limpa e consistente. O que, pelo tamanho do jogo, nos custaria ainda muitos meses de trabalho focado.
Naquele momento não tínhamos tempo, estávamos totalmente concentrados em trabalhar no desenvolvimento do Contária, que já tinha a mecânica pronta e sólida, mas que ainda precisava de polimento de arte, e mais trabalho em iconografia, além de estarmos resumindo os textos das cartas e trabalhando paralelamente no manual.
- “Nome Temporário: Vikings”, um jogo leve, de entrada, sobre Deuses Nórdicos utilizando Valquírias para influenciar na guerra entre os mortais e obter a maior influencia sobre o novo Rei Viking.
Vikings: primeira versão de testes
Tinha como objetivo fazer um jogo bem mais simples, que pudesse ser apresentado para um público de fora do hobby, sem ter de partir para mecânicas sociais, pois não são as mecânicas de jogo que eu goste.
Havíamos feito alguns testes no “I Arcano Games Day”, que rolou na "Vale dos Aventureiros". Depois desse evento, fiz algumas mudanças no projeto baseado no feedback recebido pelo pessoal durante o evento.
Anime Saga - Primeira versão de testes
Foi nesse mesmo “I Arcano Games Day” que apresentamos o Anime Saga pela primeira vez ao público. Ainda em um projeto bem simples. Nosso foco naquele evento era exatamente colocar para teste algumas ideias sobre jogos que pudessem atrair novos jogadores.
Vídeo da entrevista no I Arcano Games Day
Nas reuniões que tivemos para planejar futuros lançamentos discutimos principalmente duas propostas, uma era fazer um jogo mais temático, o Anime Saga, buscando atrair um público novo por ser uma temática ainda pouco explorada no Brasil. A outra ideia era fazer um jogo de regras mais simples e intuitivas, o Vikings, que atrairia um público novo por ser fácil de jogar e interessante. Eram duas propostas diferentes para atrair novos jogadores.
Basta dizer que em Dezembro de 2016 estávamos entrando na fase final de produção do Contária, somada ao final da pré-venda, eventos, divulgação... etc. Não havia tempo para trabalharmos em vários projetos ao mesmo tempo.
Naquele momento tivemos de escolher quais projetos levaríamos para os eventos, e nos focamos no Ruína de Terra-Santa que estava mais sólido, e no Contária que era nosso novo lançamento que precisávamos divulgar.
Lançamento do Contária no Além do Muro em Dezembro de 2016
Apesar disso, apresentamos o Vikings durante o 36º Além do Muro, já com as alterações do feedback recebido no I Arcano Games Day. Apesar disso o jogo ainda não estava bom o bastante. Conversando com os jogadores que testaram, eu já sabia o que fazer para aprimorá-lo, porém tínhamos muita coisa para fazer, e tínhamos ainda que escolher qual seria nosso próximo projeto.
Nossa ideia era produzir outro jogo “grande” como o Zona Mágica, e depois lançar outro jogo menor, e tentar manter essa concatenação de projetos, tanto por uma questão de fluxo financeiro, quanto por uma questão de produção de arte.
Ruína de Terra-Santa: regras prontas, mas a arte ainda será toda trocada.
Nesse período fizemos várias melhorias na arte do Ruína de Terra-Santa. (O qual certamente merecerá seu próprio diário de desenvolvimento em breve, pois é o próximo na nossa lista de publicações.)
Também nessa época, voltando de um evento, na estrada, e discutindo com um dos nossos ilustradores, e um dos meus sócios... eu comecei a ter algumas ideias para aprimorar o “Jogo de Anime”.
Nessa discussão saiu algumas metas de design:
- O jogo tem de ser simples, para ensinar a novos jogadores.
- O jogo tem de ser barato, pois é um jogo para atrair pessoas para o hobby.
- O jogo não pode ser um filler, ele tem de ser um jogo de duração média, para poder apresentar o hobby aos jogadores como algo mais que um passatempo.
- O jogo deve refletir os aspectos gerais de um Anime: os heróis são aliados e não inimigos. Cada personagem deve ter poderes únicos e formas claras de progredir e ficar mais fortes.
- O jogo não deveria ser um Coop.
Por quê? A resposta, é que nós tínhamos naquele momento a ideia de que apresentar um jogo para quem nunca jogou um jogo de tabuleiro, onde os jogadores enfrentam “as peças”, seria menos interessante para o público que queríamos atingir, do que um jogo que houvesse senso de competição.
Com isso tínhamos uma complicação. Um jogo com um único vencedor, mas sem conflito direto. Com poderes únicos, mas barato, simples e com duração média.
Essas coisas ficaram martelando na minha cabeça por um tempo, enquanto eu lia alguns artigos, revisava algumas listas de jogos, assistia a alguns vídeos, durante vários dias, procurando uma mecânica central.
O objetivo era achar uma mecânica legal, que gerasse boa interação entre os jogadores, mas não fosse totalmente indireta, evitando gerar a sensação de que a interação seja um ataque a outro jogador. A primeira ideia que havia surgido era a de um Draft game.
Fazer um jogo de draft, com poderes, e enfrentar inimigos... e acabou sendo uma ideia meio ruim. Tentei algumas composições de Draft, aberto, fechado, mas tudo que eu tinha conseguido até o momento era complexo demais para a ideia central do projeto.
A segunda ideia foi um jogo com mecânica de “I Split, you Choose”, onde cada jogador receberia todo turno uma pilha de cartas para separar em dois montes. Eles seriam passados ao jogador à esquerda, que escolheria um monte para si e devolveria o outro.
O jogo contava com cartas que tinham funções múltiplas, quatro diferentes tipos de atributos para cumprir objetivos, e habilidades únicas de cada personagem que alteravam e davam novos usos as cartas.
Os jogadores utilizavam as cartas para avançar em 3 pilhas de desafios e inimigos ao centro da mesa, e fazia combinações com os poderes para fazer ataques bem “overpowers”, o que caracterizava legal o estilo anime.
Esse foi o protótipo que foi apresentado no I Arcano Games Day. Infelizmente o jogo era muito matemático e burocrático. Acabamos até precisando desenvolver uma espécie de “ábaco” de atributos para facilitar a contagem das coisas. Não preciso dizer que recuamos desta ideia depois.
Anime Saga – Versão com ábaco
Porém, pudemos aproveitar as partes que estavam legais:
- Atributos, gostamos da ideia dos atributos. (Força, Agilidade, Inteligência, Poder)
- Poderes únicos que alteram uso das cartas, ou fornecem bônus passivos.
- Cartas com múltiplos usos.
- Desafios, que para serem vencidos requerem gasto de combinações específicas de atributos.
- Inimigos devem ser derrotados.
Fiquei pensando nisso por bastante tempo. No começo de fevereiro ainda estávamos testando a versão com o “Ábaco” nos eventos, enquanto eu trabalhava em outras possibilidades. Foi nesse período que surgiu a ideia que resultou na mecânica atual:
- Cinco pilhas de cartas. Como uma ação o jogador pode comprar uma das pilhas. Porém ao utilizar cartas ele deve devolvê-las as pilhas, sempre uma carta por vez, e sempre na pilha mais vazia à sua escolha, assim disponibilizando-as aos outros jogadores.
Tabuleiro do Anime Saga – Versão de Testes Atual com as 5 áreas para as Pilhas de Cartas.
Essa mecânica proporcionaria escolha, já que o jogador tem várias pilhas diferentes para comprar, com cartas diferentes, que tem mais de uma função cada. Mas também daria interação.
Anime Saga: Versão Antiga, mas já com Mecânica de Pilhas
A interação viria do fato de que você poderia comprar uma pilha que você acredita que será muito boa para um dos outros jogadores. Assim como a escolha de suas ações, quais das cartas você vai utilizar, e como vai distribuir as cartas na mesa, tudo altera o fluxo de cartas disponíveis aos seus oponentes, alterando o resultado do jogo.
Ao mesmo tempo a mecânica é simples. Se o jogador não quiser prestar grande atenção, ele pode simplesmente pegar a pilha que parece útil a ele, e jogar sem pensar muito. Mas caso ele deseje planejar cada jogada, ele pode observar com atenção as jogadas de cada outro jogador, e com isso construir sua mão para realizar suas ações em uma sequência que irá desfavorecer seus oponentes, e gerar a maior pontuação para si.
Fizemos o teste público dela no 37º Além do Muro no dia 11/02, onde a mecânica foi aprovada. Foi quando soubemos que tínhamos chegado em algo legal, bastava polir e aprimorar.
Foi assim que surgiu a ideia central do Anime Saga, um projeto que foi trabalhado por cerca de seis meses até lançarmos o financiamento coletivo, buscando manter a meta da Arcano de lançar dois jogos por ano.
Ainda temos que falar bastante sobre todo processo de desenvolvimento, escolha de arte, mudanças de regras, aprimoramentos, feedback em eventos, e todo processo que nos levou até o financiamento coletivo.
Pretendo continuar esse “diário de design” com mais uma ou duas publicações para explicar todo processo que se deu entre o aparecimento da mecânica principal do jogo e a versão que estamos oferecendo no financiamento coletivo.
òtimo post, sempre acompanhei seus jogos mas ainda não adquiri nenhum devido a reformas em casa rsrs mas o contaria me agradou bastante e esse anime saga está na minha lista de aquisições para até o fim do mês, mas uma coisa me incomodou no jogo que gostaria de tirar a duvida pelo que vi em gameplay.
Me pareceu que a pilha de inimigos é fixa? sendo sempre os mesmo a serem enfrentados mudando talvez a ordem apenas, seria isso mesmo? e o jogo tem apenas 1 vilão final?
Pois se for isso presume-se que vocês pretendem lançar expansões futuramente com novos vilões e inimigos/herois ou o jogo ficará meio repetitivo não acham?
Pelo contrário, existem 20 diferentes Desafios e 12 diferentes inimigos. (24 e 16 se batermos as metas!)
Isso permite que o jogo tenha um bom "replay value" logo de saída, já que no máximo entram 6 desafios e 5 inimigos em uma partida.
Também teremos diferentes Senhores das Trevas, mas ainda estamos finalizando as artes destas cartas.
Segue uma foto dos diferentes tipos de inimigos e desafios que estamos enviando nos protótipos amanha:
Ah show de bola o/ nos vídeos que vi eram os mesmos então pensei que fosse um pacote fechado, alterando apenas a ordem que viriam, e também que seria apenas um Boss, mas sendo assim parabéns, o jogo parece estar ficando ótimo, pretendo ajudar quando meu cartão virar =B