Em um hobby como Jogos de Tabuleiro, tão focado no colecionismo, mas tão recheado de opções, sabores e cores diferentes, quase sempre nos vemos num ciclo que envolve a aquisição de um novo jogo para nossas prateleiras (ou cozinha, recentemente vi um sujeito que estava guardando os jogos na cozinha. Não estou aqui para julgar.).
Nós vemos esse jogo pela primeira vez. Nem sempre essa primeira impressão é positiva, talvez você ainda não tenha desenvolvido seu próprio gosto para jogos, sem saber exatamente o que vai gostar, ou talvez sua situação seja exatamente o contrário, você já está tão certo de seus gostos que tem CERTEZA que aquele jogo com mancala, rondel e alocação de trabalhadores JAMAIS vai fazer a sua cabeça.
Se a primeira impressão foi positiva você já segue para o próximo passo, mas, quando negativa, o destino muitas vezes resolve fazer a sua parte, colocando este jogo várias vezes no seu radar, seja por vídeos novos em canais que você segue, comentários despretensiosos durante um bate-papo ("Você viu a expansão nova do 7 Wonders Duel?") ou até mesmo em listas de jogos ou mecânicas que você gosta ("Como assim Mombasa está na lista de Bons Jogos com Deckbuilding?").
E então vem o namoro. Nós perdemos HORAS lendo manuais, assistindo vídeos, resenhas, partidas completas e até mesmo UNBOXING (isso mesmo, vídeos de pessoas desencaixotando jogos, eu já estive lá e você também, não adianta negar) sobre aquele jogo em específico, até, finalmente, apertarmos em "colocar no carrinho" e mandar gerar o boleto.
Keyflower não foi diferente, mas este foi um jogo que fez o caminho mais longo de todos até chegar na minha coleção.
Pouco tempo após eu começar a conhecer estes jogos de tabuleiro mais diferentões eu ouvi, pela primeira vez, uma menção à Keyflower. Alguém o havia citado como um dos jogos de componentes mais bonitos e que isso excelente, ante o fato do jogo ser, por si só, maravilhoso.
Eu, porém, estava me iniciando nos mundos dos joguinhos, e tudo que eu queria era encher a mesa com jogos cheios de miniaturas ou tabuleiros gigantes, como um jogo que simplesmente NÃO TINHA um tabuleiro poderia competir com meu Mice and Mystics (que eu ainda tenho um carinho imenso) ou Eldritch Horror e suas centenas de cartas acompanhadas de seu tabuleiro ignorantemente gigante?
Assim, segui em frente sem olhar para trás.
É engraçado, porém, que o jogo que começou a moldar meu gosto em jogos de tabuleiro tenha sido um antecessor quase direto de Keyflower, o delicioso Carcassonne: meu primeiro jogo de estilo Europeu e que, com certeza, irá receber uma resenha só sua.
Fato é que Carcassonne colocou na minha cabeça que (e deixemos claro que isto se refere AO MEU GOSTO PESSOAL) jogos bonitos não necessariamente precisam ter miniaturas, jogos interessantes não precisam ter milhares de mecânicas e que uma bela arte nem sempre precisa ser extremamente rebuscada.
E Keyflower tem tudo isso. Um jogo elegante, de mecânicas basicamente simples: Você tem um leilão, você tem peças que podem ser utilizadas com seus trabalhadores e você tem sua vila que vai crescendo ao longo do jogo. Um jogo
Servindo de "capa" para tudo isso estão alguns dos componentes mais bonitos que eu já vi em um jogo de tabuleiro. É impressionante como são simples (são meeples, hexágonos e pecinhas de madeira), mas todos eles formam um conjunto maravilhoso.
Desde a qualidade dos componentes (cartonados resistentes, nenhuma rebarba nas peças), a uniformidade do design (o fato dos recursos serem hexágonos cria um estranho senso de unidade no jogo, por exemplo), passando por detalhes simples, como os escudos dos jogadores com o formato de seis pequenos e distintos chalés, até a arte que, em toda sua simplicidade, integra os elementos do jogo de forma maravilhosa, formando na mesa, após o término do jogo, o novo mundo que o tema de Keyflower se propõe.
Mas com toda essa lenga-lenga eu ainda não entrei no que realmente importa: como é uma partida de Keyflower e porque eu estou jogando tantas flores em cima dele.
Keyflower é jogado ao longo de quatro rodadas (representando estações do ano) em que os jogadores disputam pelos tiles disponibilizados para aquela estação, utilizando, para isso, os mesmos meeples coloridos que podem ser usados para trabalhar nos tiles em questão. O jogo adiciona a isso mais uma camada, com o fato dos bonequinhos virem, inicialmente, em três cores diferentes e sempre que utilizados, seja para comprar um tile ou trabalhar em cima deles, acabam impedindo o uso de meeples de outras coles naquele mesmo hexágono.
Assim sendo o jogo que possui toda essa cara de Euro familiar e divertido, ganha contornos de Game of Thrones, quando alguém te barra com um mísero meeple vermelho de pegar aquele tile ESSENCIAL para o que você havia planejado para o final do jogo.
Além disso ao final de cada estação os jogadores recolhem os tiles que arremataram nos leilões e integram estes à sua pequena vila, no melhor estilo Carcassonne, estando ao alcance de qualquer um para serem utilizados.
No final do jogo os jogadores tentam maximizar ao máximo o uso de suas estratégias para pontuar, tendo de lidar com os demais jogadores tentando bloquear os tiles importantes para sua pontuação, ao mesmo tempo que você mesmo está tentando destruir a estratégia do adversário.
Keyflower é, no final das contas, um Euro com interação constante, mas que sabe balancear essa interação entre agressiva mas compensatória. Nada nele simplesmente te impede de avançar, pelo contrário, exige de você novas respostas, mas te dá a chance de efetuar estar respostas. A velha metáfora do tapa com uma mão e carinho com outra é válida aqui também, e isso é essencial num jogo que exige que você invista tanto tempo e raciocínio às suas estratégias.
O jogo, porém, não possui grandes mecanismos para aproximar os jogadores que ficaram mais para trás dos que estão liderando, o que pode, caso o jogador não tenha criado nenhum plano B para suas estratégias, gerar certa frustração e uma sensação de "pra que terminar se você já está ganhando", mas isso é bastante raro e normalmente só acontece quando algum dos jogadores subestima a complexidade do jogo e joga "à moda caceta" por uma ou duas rodadas.
Normalmente o cara que se foca só em sacanear os amiguinhos ("Vou superar todos os teus lances!") acaba se perdendo lá pra terceira estação.

Vale citar também as duas mini-expansões que eu acabei adquirindo do jogo. Keyflower é um daqueles jogos que, se você quiser ter TUDO vai perder um bom tempo e bastante dinheiro, então eu me contentei com algumas promos mais fáceis de serem achadas, o Key Celeste e Keymelequin e, devo dizer, não me arrependo nem um pouco. Ambas as mini-expansões alteram significativamente o ritmo do jogo, mas de formas elegantes e bem distintas. Enquanto o Key Celeste permite ao jogador, com um investimento certo, dominar algum tile essencial para si, mudando a dinâmica dos leilões para algo mais agressivo, Keymelequin cria uma brecha extremamente inteligente na regra, fornecendo bonequinhos "tradutores" entre dois grupos de meeples, criando situações em que temos verdadeiros "Tiles de Schrödinger", dando mais uma camada de estratégia para os jogadores que querem algum tempero diferente no jogo.

No geral, eu posso dizer, então, que Keyflower é uma das jóias da minha coleção, sendo um dos meus três jogos que dançam no topo da minha preferência pessoal e, acredito eu, vai ficar nesta posição por muito tempo.
Resumo do jogo:
PROPOSTA: Euro médio para pesado, cheio de interação, agressivas e amigáveis.
PONTO ALTO: Jogo bastante estratégico com mecânicas que se integram de forma muito redonda.
PONTO BAIXO: O tema e o visual enganam e, se o jogador não se dedica em termos de estratégia pode acabar bastante para trás.
VALE DESTACAR: Já é lugar comum falar da produção, então vou destacar o fator replay, virtualmente infinito.
SALDO FINAL: Recomendadíssimo!
- Acompanhe minhas resenhas de jogos, artigos e papos-furados, toda semana, às Sextas-Feiras, de 12:00h.