Food Chain Magnate ou FCM para os íntimos. A obra prima da Splotter, editora holandesa independente, gerida por apenas duas pessoas (os próprios designers), e que mesmo assim conseguiu um renome invejável pelos seu portfólio de designs únicos. Será que FCM é tudo isso que clamam os seus fãs? Seriam os chatos do Spiel des Djows capazes de saborear esse que muitas vezes é aclamado como o melhor jogo já feito? Se quer saber, venha comigo e não perca esse relato.
Disclaimer: lembre-se, sem regras aqui, se quer saber como o jogo funciona, baixe o manual ou veja um video no YouTube.
O Contexto
Acredito que para quem está no
hobby a alguns anos a chance de poder jogar um
FCM sempre fica no radar, mesmo que sem grande interesse em especial, que foi o meu caso. Sei como jogo é raro, prestigiado, feio e
caro pacaraí, e este último motivo forte o bastante para que eu nunca tivesse trabalhado ativamente para pegar minha cópia. Na prática, tudo que eu sabia do jogo é que ele era
temático, recheado com altas doses de interação,
impiedoso e
zero-sorte após o
setup. O jogo faz até piada com isso na caixa:
Um grande diferencial para os "Euristas Nutellas" de hoje em dia.
Bom conjunto de características, mas torço o nariz para jogos
zero-sorte, já que eles acabam me soando meio repetitivos no sentido do que eu vivencio durante uma partida. Por exemplo: gosto bastante de
card based games, que você não tem certeza se determinada carta vai estar presente no jogo, ou o momento que ela vai surgir na partida. No entanto, não é como se eu deixasse de jogar algo por conta dessa característica, ainda mais um clássico consagrado como esse.
Pois bem, um belo dia vi um anúncio na
Ludopedia com aquele preço
nada amigável que pode colocar casamento em cheque, mas vendido por um
camarada que já tinha feito uma troca no passado e que morava aqui perto. Acabei levando pela oportunidade, sabendo que depois poderia virar peça de escambo no futuro. Fica um abraço aqui para o @
albalustro, que até me mandou um brinde bacana por conta de alguns problemas no envio. #tamojunto
Sem mais delongas, vamos as percepções!
Disclaimer: Foram um total de
6 partidas, 2 em 2 players, 2 em 3 players e 2 em 4 players.
O Bom
- Alta Interação: Quando falam que o jogo é dedo no olho e gritaria não é exagero. O negócio é brutal. Seu oponente pode fazer todo um trabalho de marketing e você parasitar isso tudo recebendo todos os lucros das vendas potencializadas por ele.
- Tudo é Importante: Cada ação tem um peso significativo, nesse mar de maldade e competição. Na nossa partida de 4 jogadores, ficamos uns 30 minutos só no posicionamento dos restaurantes iniciais. Um erro nesta etapa pode lhe custar a partida inteira. Desde o início, o jogo está te colocando para trabalhar.
- Temático e até… bonito?: O jogo é bem temático então tudo faz bastante sentido, dificilmente você vai ter uma experiência mais imersiva em outro jogo de tabuleiro sobre redes de Fast Food. E digo mais, até acho bonito, embora constantemente seja aclamado como "o jogo que parece um protótipo". Ao meu ver as artes pin-up das cartas, a caixa do jogo e os componentes de madeira em formato de comida são tão bons que me fazem esquecer que os tiles de cidade são sim, um protótipo premium (risos).
- Regras simples e profundidade absurda: Apesar de ter um volume grande de diferentes cartas de funcionários, cada um com seu efeito, os fundamentos gerais do jogo são assustadoramente simples, mais simples que a maioria dos euros "médios" que vemos por aí. Por exemplo, acho que em complexidade absoluta, é mais ou menos num nível de um Power Grid, que até da pra servir de Gateway pra quem "tiver a chama do potencial boardgamístico".
- Estratégico, Tático e muito Dinâmico: Mencionei antes o meu receio com jogos zero sorte, cito o Barony que acho extremamente meia boca (O jogo Chuchu, como meu caro @brunojacoby bem conceitua), já que as partidas parecem "sempre iguais". Não é o que ocorre aqui, já que as ações dos jogadores são tão impactantes no fluxo de jogo (posição dos restaurantes somado das campanhas de marketing), que é possível sair situações inusitadas na partida. Sabe aquelas cartas "evento", a solução de design mais batida dos jogos? É como se isso existisse, mas feito pelas próprias ações dos jogadores. Na prática pode ocorrer coisas como: "Coca-Cola chega na cidade, todo mundo quer experimentar" que acaba sanando minha demanda por "ver algo diferente" a cada partida.
O Ruim
- Manutenção horrorosa entre rodadas: ficar calculando onde cada casa vai comer, com uma matemática nem sempre tão óbvia sobre o custo de venda de cada jogador é um porre. E pior, vai ficando cada vez mais complexo a medida que o jogo vai progredindo. Não é nem algo "só mecânico" que basta executar, é o upkeep do pior tipo, é preciso pensar.
- Eliminação de Jogadores: embora a eliminação direta em si até seja "quase impossível" de ocorrer, na prática ocorre algo muito pior, você pode acabar ficando pra trás sem ter como reagir. E aí meu amigo, são 3 horas assistindo outros jogarem, começar a divagar nas manutenções entre as rodadas e aos poucos deixar de ser divertido estar ali junto da galera. Isso ocorreu com pelo menos uma pessoa em todas as minhas partidas 3+.
Nota do Djow: acho que eu fui uma dessas almas agonizantes na nossa partida em 4p.
- User Experience meia boca: o dinheiro de papel é muito prejudicial no tempo de jogo, deixando a vida do banco (e do banqueiro) infernal. Alie a isso a um dos piores setups de jogo já feitos que além disso demanda uma mesa robusta para conseguir abarcar tudo. Os Milestones em cartas são tão "ruins", que normalmente o pessoal usa canetinhas numa impressão laminada feita PnP. O BGG tem uma série desses addons para tentar resolver tudo isso, pois o que vem de fábrica é bem ruinzinho.
Aqui usamos cubinhos de madeira avulsos para marcar os milestones.
O Cinza
- Pesado, Pesado, Pesado: não pense que por ter um conjunto de regras simples sua experiência vai ser um passeio no parque. No final da partida você vai sentir que um caminhão passou pela sua cabeça. O número de ações possíveis, e as combinações delas, toda as variáveis inseridas pelos seus oponentes a cada turno, fazem com que seja um trabalho intelectual monstruoso preparar suas ações para cada rodada. Eu diria que foi um dos jogos mais mentalmente desgastantes que já joguei.
- "Excessivamente" Competitivo (se é que faz sentido isso): é o tipo de jogo que você tem "aberturas", e é desejável já ter algumas estratégias preparadas antes mesmo do jogo começar. Como o jogo é efetivamente um sandbox, zero sorte, só depende de você conhecer as diferentes sinergias de cartas para fazer o seu "build". Seus oponentes podem até tentar impedir alguma coisa já que algumas cartas são únicas (quem pegou primeiro levou), mas em geral é um Jogo Capitão Planeta™ em que "o poder é de vocês". E esse é mais um motivo desse jogo ser pesaaaaaaaaaado.
Veredito
FCM é o jogo que realmente merece todos os louros pelo seu feito técnico.
É um design super refinado, certamente um dos melhores que já vi. Quem tiver o grupo que só vai jogar esse jogo, disposto a cavar as diferentes estratégias e estar afiado para superar a morosa manutenção entre turnos, pode sim estar diante aí de um dos
"melhores jogos já feitos". No entanto, acho que na enxurrada de lançamentos e outros clássicos bem mais acessíveis, para o meu perfil de jogador hoje, eu sinceramente teria até receio de aceitar uma partida de
FCM com o medo de ser o infeliz que vai sofrer durante 3 horas com uma derrota inevitável e que vai precisar de uma aspirina depois. A necessidade de já ter que estar ciente de algumas estratégias prontas para ser minimamente competitivo e o desgaste mental das partidas quase me fazem não querer nem aceitar um convite explícito… porém é inegável que é um jogão, o que lá no fundo me deixa curioso para jogar "só mais uma partidinha" para ver as engrenagens do jogo funcionarem novamente com toda a maestria.
Selo Spiel des Djows™ para Melhor Jogo já Feito que Prefiro não jogar de Novo
Nota 5 (
Sistema de Avaliação Spiel des Djows), apesar de achar o começo divertido, o saldo final pelo desgaste é quase ruim. Estou plenamente ciente dos riscos que é aceitar uma partida e acabar "numa furada astral" caso eu seja o infeliz que fez alguma jogada errada early game e vai comer poeira o jogo inteiro. Prefiro ficar com os jogos de seres menos evoluídos como qualquer coisa do Feld ou Knizia.
Encerro esse
post, com a descrição da empresa no próprio site da
Splotter (minha tradução):
Somos famosos por fazer jogos de estratégia profundos e complicados. […] Estamos dizendo, estes jogos não são pra todo mundo. […] Eles são bem caros pois fazemos impressões de poucas unidades. Se possível, jogue nossos jogos antes de comprar.
Esses Holandeses não estão pra brincadeira. Sincero respeito, mas dessa vez eu passo. Vamos ver os próximos.
Não foi dessa vez que me tornei uma "Splotterete", mas eu até acho o jogo bonito diferente da maioria das pessoas.
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