Vai ser um texto de nerdão, se preparem.
Uma coisa que eu e o @
red_djow achamos bacana no
Board Game Geek é que eles possuem um guideline sobre o que significa as notas. Hoje quando o pessoal coloca sua nota, sempre fica a dúvida: é uma avaliação técnica ou uma avaliação pessoal? Afinal, existem jogos geniais (ao meu ver) como
Keyflower (7), mas que acabam vendo muito menos mesa que tantos outros jogos. Baseado nos princípios do BGG moldamos uma versão mais detalhada e com os nossos princípios gerais de avaliação. Antes de explicar a escala das notas, vou deixar claro a série de princípios que devem ser levados em conta.
*Ao longo do texto, sempre que citar um jogo, colocarei em parênteses a minha nota pra ele*
Princípios
Os pontos principais são dois:
- A avaliação não é técnica. É estritamente seu desejo de “por o jogo em mesa” e não o primor de design. Aqui é sentimento que conta.
- Preço não é levado em consideração. Isso pode variar muito e depois que o dinheiro foi investido, ele não influencia mais como “gerador de entretenimento”. Sem contar que as vezes o jogo caiu na sua mão através da graça divina dos Deuses analógicos (presentes).
E temos algumas "sugestões" que servem mais como orientação, mas não são regras absolutas.
Seu amor pelo jogo pode acabar suplantando isso tudo, mas nos jogos que "já não são aquilo tudo" isso pode acabar incomodando em especial. São eles:
- O "tempo de explicação" ou "tempo de aprendizado até ficar bom". Alguns jogos são notórios por ter uma explicação difícil. Bios: Origins (7) é um jogo excessivamente complexo para o resultado entregue, o que me gera uma certa preguiça/receio do trabalho que vai ser "treinar" um jogador pra ele. Pax Transhumanity (9) por outro lado é igualmente pior para se explicar, mas o retorno pelo esforço me parece muito maior ao ponto de eu estar disposto a passar por isso. Falo mais sobre isso lá embaixo (ROI).
- O fator "fiddly" e "setup chato". Setup de 20 minutos do Barrage (9), o setup impossível de decorar sem manual do Whistle Stop (6), as 96 etapas de movimento de cubos no Through the Ages (10), são coisas que dependendo do jogador podem incomodar.
Tendo estes princípios claros, vamos agora para a escala de notas, do menor ao maior.
Destaque para os negritos, que indicam o elemento "chave" da nota.
Escala de Notas
- 1 Horroroso: Você não consegue conceber um cenário para sequer jogar ele novamente e genuinamente não entende por que alguém iria querer fazer isso.
- 2 Muito Ruim: Você não jogaria novamente, mas até consegue entender o por quê de alguém jogaria.
- 3 Ruim: Provavelmente você não jogaria novamente, mas talvez daria uma segunda chance se alguém pedisse com muita vontade. Ou então consegue imaginar que até jogaria novamente no futuro para ver se a percepção muda.
- 4 Chato: A experiência não é boa, mas até joga. Talvez seja um jogo que o grupo gosta muito e que você acaba jogando só pela parceiragem.
- 5 Medíocre: Nem bom, nem ruim, a experiência neutra. Provavelmente o mesmo grupo, na mesa, sem jogar nada apenas conversando, iria gerar no mínimo o mesmo nível de entretenimento.
- 6 OK: Dependendo do dia e do seu humor, até da pra se divertir (inclusive, talvez muito), porém em geral é só um jogo "okzinho". Se pedirem pra joga você pode até não estar "na vibe", porém não ao ponto de negar ativamente.
- 7 Bom: Você normalmente está afim de jogar esse título e ele realmente diverte, no entanto não é suficiente para VOCÊ sugerir para ser jogado, mas se pedirem ou se você for convidado você aceita sem receios.
- 8 Muito Bom: Você realmente gosta do jogo e mesmo que exista algum problema, nada te incomoda de verdade. Você na maioria das vezes se diverte com esse título e o mais importante é que não hesitaria em sugerir ele numa noite de jogatinas.
- 9 Excelente: Para você não há nenhum problema no jogo ou é totalmente contornável. Você sempre está disposto a jogar e ele e realmente é um tempo bem investido. Principalmente, daqui em diante, é aquele jogo que você faz Marketing gratuito para as editoras na hora que fala com seus amigos.
- 10 O Escolhido: Ele é um "jogo espetacular" que entrega tanto valor pra você, que você chega a acreditar que essa percepção nunca vai mudar. A diferença entre o "Excelente 9" é sutil, mas importante, talvez o diferencial aqui seria a união de um valor sentimental com um jogo excelente que você acredita ser atemporal.
As 4 Faixas
Esse método
é subjetivo, ele realmente avalia o que um jogo te entrega como forma de entretenimento.
Ele não é técnico e
não necessariamente leva em conta excelência em design, e veja bem, um design excelente pode gerar uma boa dose de entretenimento, mas nem sempre o genial é o que te mais diverte. E sim tem gente que pode dizer:
"Mas eu me divirto com jogos chatos que são um primor de design, só para entender como ele funciona", pois bem então esse jogo é pelo menos um
8 pra você já que você está tão afim de dissecar ele (e é mérito dele te dar esse sentimento).
Outro ponto para guiar a avaliação é o seguinte, de forma geral temos
4 faixas de notas:
1 – 4: Jogos que
de fato você não gosta. Se não houvesse os bônus da interação social que uma jogatina gera, você provavelmente iria "Preferir ver o filme do Pelé", ou então meramente ficar de boa na Ludopedia lendo artigos como este aqui.
5: O jogo "meia boca". Esse aqui é o meio mesmo, você nem gosta nem desgosta. Talvez até seja difícil enquadrar alguém nessa meiota.
6–10: O jogo
é divertido, e apesar do social influenciar, o jogo que é o foco. O que é interessante, é que apesar da nota representar "o sentimento geral", excessões pode ocorrer. Jogos nota
6, podem na circunstância certa gerarem a diversão de um jogo
9 e o inverso, apesar de raro a media que as notas sobem, também pode acabar ocorrendo. Isso explica o motivo daquele jogo inocente que você até não gosta muito, tipo
Bandido (5), acabar sendo a coisa mais memorável da noite em situações específicas.
E ainda temos uma quarta "mini-faixa", e talvez
a faixa mais importante, a das notas entre
8–10 que são os jogos que você
iria sugerir para ser jogado. Não que você
nunca possa sugerir algo de outras notas, mas a motivação para as notas abaixo de
8 tem uma importante particularidade:
você não está jogando por causa da diversão do jogo em si (mas lembre-se que pode acabar sendo bem divertido). Por exemplo: confirmar se determinado jogo funciona com um grupo específico, apresentar para alguém que teve interesse, aceitar o convite de um amigo pra jogar um jogo que é
7 pra você mas
8 pra ele, etc... Em tese, um player que não seja um colecionador de fato, só deveria buscar ter jogos que sejam
nota 8 em diante, afinal por quê você teria algo que não iria sugerir para ser jogado ao se levar em conta todos os princípios explicados antes?
Ter esse conceito das faixas em mente, gera algumas sinapses interessantes, por exemplo: todo party-game que você tenha coragem de incentivar e ver sendo jogado acaba tendo
uma nota 8, enquanto aquele aclamado euro que você gosta, mas tem até preguiça de jogar pelo setup
seja uma nota 7.
Validade e Decimais
Por último, diferentemente de uma avaliação puramente técnica cuja a nota se mantém conforme os tempos, aqui ela é inerentemente volátil já que é muito mais suscetível as suas percepções pessoais. Agrícola, que para mim, durante muito tempo foi meu jogo
nota 9, depois de refletir bastante ele amargou uma
nota 6, mas hoje, após ter o redescoberto, vem subindo para uma
nota 8. Independente disso tudo, não da pra negar que tecnicamente é um jogo sólido.
Inclusive essa volatilidade, faz com que eu deixe de usar completamente as frações em notas de jogos. Não importa muito eu saber que o
Brass (9) é
9.5 e o
Innovation (9) é
9.1, se alguém me perguntar qual eu prefiro, posso até responder, mas o que importa é que ambos são
"Jogaços que você faz marketing gratuito".
Vamos agora aos meus exemplos de avaliações que eu fiz para alguns jogos.
Exemplos do isR34L
Horroroso: Carcassonne Star Wars (1): Considerando que o meu aspecto preferido do jogo é o quão competitivo e maldoso ele é, a adição dos dados para definir o controle do território me parece um péssimo uso de sorte. Pra mim ele é
sempre inferior ao Original e não faz sentido alguém (na minha percepção) preferir essa versão.
Muito Ruim: Munchkin (2): Eu não vejo muitos cenários em que eu voltaria a jogar o Munchkin, mas até entendo o que atrai as pessoas. Sorte exarcebada e duração a lá War me afastam.
Ruim: Year of The Dragon (3): Esse clássico é um jogo de contenção de angústia. Praticamente nada nele te gera uma sensação de conquista/gratificação então apesar de entender a genialidade do negócio, eu já joguei o bastante e prefiro passar longe.
Chato: Terra Mystica (4): Segurem o hate por favor. Acho ele hiper abstrato e tematicamente desconexo. Não me gera nenhum engajamento o principio de "construir a cidade mais comprida", que devem ser próximas (ou não) para você ganhar mais mana e… Existe uma trilha com padres no meio disso tudo. Realmente eu preferiria nem jogar.
Medíocre: Scythe (5): Tematicamente maravilhoso, mas o sentimento que o jogo te joga por causa das sequências de ação nos board pessoais me incomoda. As regras de travessia de terrenos dependendo da facção é algo que não me desce tão bem quanto poderia. O combate mais ou menos, que eu sei que ser não o foco, me deixa triste por eu querer que o jogo fosse mais focado nisso.
OK: Tesouro Inca (6): Já chorei de rir, e não estava bêbado, jogando esse título. Não é para todos os momentos, mas conseguindo um grupo com bastante sinergia da pra gerar boas risadas. O push-your luck funciona de forma exemplar aqui gerando uma boa dose de adrenalina nas partida.
Bom: KeyFlower (7): Esse é um bom exemplo de jogão que eu tenho preguiça de sugerir para jogar. As regras depois de digeridas são simples, embora o "click" normalmente só no fim da partida. Existe alguma coisa nele que acho mentalmente agressivo, não sei definir bem o que.
Talvez o fato de tudo estar tão interligado na forma como os tiles de cada estação ajudam uns aos outros e no final os tiles de barco podem ser leiloados, e ai tem o efeito Carcassonne nas ruas, e tem também a pontuação por tiles ao redor do tile especial… Pheew, coisa pra caramba, mas isso tudo é muito bom não? Sim é.
Muito Bom: Marco Polo (8): Esse é aquele que você joga a primeira vez e diz: "Caramba, viajar é muito ruim. Jogo quebrado.", mas vamos de novo. Joga a segunda e diz: "Hmm, viajar não é tão ruim, mas essas missões são muito difíceis. Desregulado", mas quer jogar de novo. Joga a terceira e diz: "Caramba, quer dizer que se eu pegar esses contratos que dão movimento, consigo viajar mais e terminar minhas missões na faixa? Vamos jogar outra.". Joga a quarta vez e diz "Caramba, o personagem do Fulano é apelão". Joga a quinta partida com o personagem do Fulano e diz: "Caramba, esse personagem é muito ruim". E bem… parece que sempre vai ter um aprendizado na próxima não?
Excelente: Innovation (9): O lendário jogaço de caixa pequena e que custa 70 Reais. Já fiz boardgamers nascerem por causa dessa pérola e sempre estou rasgando elogios. Realmente faz jus ao 9, pois faço tanta propaganda que a Ludofy deveria estar me pagando por isso.
Os Escolhidos: Castles of Burgundy & Pax Pamir (10): Um sem tema algum, mas com um gameplay extremamente viciante e gostoso de jogar, fluidez sem igual. Outro extremamente temático, altamente interativo, produção épica e redondinho, além do valor sentimental de ter corrigido cartas antes do lançamento internacional e ter traduzido o manual inteiro para português.
Conceito Bônus: ROI nos Boardgames
Então, dessa
minha lista o que pode ter mais chamado a atenção é o Tesouro Inca na frente de Scythe e Terra Mystica. "Como assim um Party Game na frente deles", você me pergunta. Será que numa
viagem SÓ DE IDA para Marte eu levaria o
Tesouro Inca (6) em vez de
Terra Mystica (4)? Certamente não. "Ué, mas isso não quer dizer que ele é melhor?". Bom é que na real existe o
ROI (Return of Investment) dos boardgames, que é a relação de tempo dedicado à um jogo para se conseguir extrair diversão dele e o quanto ele continua te entregando diversão. Acompanhe no gráfico:
Quantidade de Diversão X Tempo Investido
OK, o gráfico está muito feio, mas a ideia é simples: Pegue dois bons títulos, um Party e outro Gamer. Muito provavelmente o Party (ou um Family) é divertido logo de cara, mais enjoa rápido até que fica mofando e muito tempo depois volta a ser interessante. Um jogo mais pesado, as vezes até não é tudo aquilo no começo, mas a medida que você vai entendendo ele vai ficando melhor, mas depende de muito mais investimento seu e da mesa. No entanto ele se mantem no topo durante mais tempo até que ele provavelmente (ou não se for um 10) comece a enjoar.
O que quero dizer com isso? Invariavelmente,
sua percepção de diversão esta relacionada ao tempo que você tem/espera investir com determinado jogo. Se eu fosse pra Marte e tivesse que escolher entre
Terra Mystica e
Tesouro Inca, certamente iria de
Terra Mystica, se fosse pra ir jogar sexta a noite depois do trabalho eu ficaria mesmo com meu Tesouro Inca. Agora o que é fato que
o cenário de ir pra Marte carregando UM só jogo provavelmente não representa a realidade de ninguém. Então cada um é livre pra escolher quanto tempo quer investir até que seu jogo fique bom o bastante e pessoas diferentes podem fazer esse gráfico subir mais rápido ou mais devagar. Eu por exemplo sei que
Terra Mystica caso eu quisesse me submeter a um longo trabalho de condicionamento de gosto, acabaria sendo melhor que um
Tesouro Inca, mas sei que a progressão é lenta, além de ter vários outros pesados que fazem isso melhor, então por hora, prefiro jogar o
Tesouro Inca com quem curte.
Eu falo mais sobre ROI (e incluindo dinheiro na jogada) no texto sobre o Innovation.
Então é isso pessoal, não quero mudar a cabeça de ninguém (embora o meu perfeccionismo acharia legal uma avaliação "uniforme" na Ludopedia), mas essa é a forma de avaliação que eu e o @
red_djow utilizamos para avaliar nossos jogos. Provavelmente há algum elemento que não conseguiu ser transposto por texto, mas em sua grande maioria é isso aí.
O que acharam? Pretendem dar um update nas notas levando isso em conta? Acharam que expressar a nossa forma de avaliação é uma afronta a liberdade de expressão? Diga ai nos comentários.
Edit: esse post acabou recebendo um episódio especial com os amigos do podcast É Tipo War?. Ouve lá no Spotify!