Não sou propenso a jogar muitos jogos. Prefiro jogar mais vezes os mesmos jogos, desfrutando ao máximo de suas possibilidades. Especialmente se são jogos do meu gosto pessoal. Aliás, não experimento nenhum jogo apenas porque as pessoas estão falando sobre ele, exaltando-o. Sigo um princípio que é o mesmo que aplico para a seleção de livros e filmes: há um momento exato para cada coisa sobre a Terra. Portanto, o momento para qualquer jogo virá, sem histeria nem ansiedade, condicionado às minhas preferências e inclinações, que envolvem três aspectos, e que devem estar em perfeita harmonia: o tema do jogo; o mecanismo que o rege; uma arte bonita e eficiente, mas sem espalhafato.
Posto isto, gostaria de repassar aqui 5 jogos que me impressionaram neste ano de 2021. Alguns são antigos, outros recentes e só um foi lançado no Brasil. Não vou fazer nenhuma longa apologia a eles, simplesmente vou descrever minhas impressões, com alguns elogios a isso e aquilo, o que vale como incentivo ou não aos curiosos. Esclareço que escolhi jogos maiores e que fossem essencialmente de tabuleiro, excluindo-se, portanto, os menores e os card games. Para estes farei em breve textos específicos, pois joguei alguns muito bons!
Notre Dame: 10th anniversary (2017) não é nem de longe o jogo mais comentado do Stefan Feld. Diria até que é subestimado. Claro que isso é normal, quando o criador goza de um prestígio que bem poucos alcançaram e criou jogos definitivos, como The Castle of Burgundy (2011). Contudo, Notre Dame é um jogo de inquestionável valor e muito coerente. Regido por cartas, que direcionam nossas ações e condicionam nossa estratégia, requer muita atenção e planejamento. Um olhar constante ao que os adversários estão fazendo. Andar com a carruagem, proteger-se ou não dos ratos, intensificar a pontuação ou preparar-se melhor em cada setor do bairro… O jogador desatento tende a fracassar. O concentrado, a evoluir e talvez vencer. No modo com dois jogadores, mano a mano, a disputa é intensa. Muitas vezes temos que abdicar de alguma coisa em favor de não deixar o outro produzir.
Pan Am (2020), criação de "um certo" Prospero Hall… Esse é uma joia em todos os sentidos! Leitura perfeita da aviação comercial na era de ouro da mesma. Reproduz com exatidão e pormenores o que foi a expansão das rotas aéreas pelo mundo e como a Pan Am se tornou uma das maiores empresas do setor em sua época. Tudo no jogo é de excelente qualidade, tabuleiro, componentes, cartas, legendas nas mesmas e até o manual: direto, bem explicativo e nostalgicamente ilustrado. Com várias mecânicas em convívio salutar, faz o tema fluir com naturalidade e alto grau de verossimilhança. Para quem gosta de aviação e cultua os tempos passados, esse é imprescindível! Em tempo (e antes que me perguntem): sim, flui muito bem com dois jogadores!

The Red Cathedral (2020), de Israel Cendrero e Sheilla Santos. Esse me surpreendeu! Não esperava muita coisa, achava que era mais um entre muitos. No entanto… É um jogo em que tudo funciona às mil maravilhas, como se dizia antigamente. O argumento é simples: seja um dos arquitetos a disputar a primazia de construir a Catedral Vermelha. Na rotação dos dados reside o coração do jogo, mas o seu desfecho, favorável ou não, está no controle e ornamentação das torres. As partidas não se repetem. Cada montagem do jogo é uma configuração nova e que vai exigir dos jogadores uma adaptação prévia e constante. Sua condução é muito fluida, bem ritmada, lembrando alguns jogos do Feld, dos quais podemos não gostar, mas reconhecemos o quanto são azeitados. É muito vantajoso o fato de ser compacto e oferecer o que muitos jogos só o fazem com gigantismo de caixa e multiplicação de componentes. Posso estar enganado, mas este veio para ficar.

Avanti (2011), de Heinz Meister. Esse tem os carrinhos de metal mais bonitos de que se tem notícia! Não há como não se apaixonar por eles! A não ser que a criança que fomos tenha desaparecido completamente com a idade adulta. Bem, não é o que dizem os poetas Bandeira e Quintana. Os homens continuam a ser crianças até a morte. De resto, se o tema em Avanti parece forçado, sua mecânica de corrida é talvez a mais original que conheço. Arrisco afirmar que ela é a alma do jogo, que o justifica, além dos carrinhos, é claro! Um excelente jogo, para reunir amigos e familiares em volta da mesa, se divertir a valer, ofertar o troco ao adversário, nem sempre chegar primeiro, mas, ainda assim, dar um salto financeiro! Perdendo ou ganhando, a experiência é muito proveitosa. Por que nenhuma editora o lança no Brasil, esta é uma questão que me intriga…

El Gaucho (2014), de Arve D. Fühler. Esse divide opiniões, mas é um jogo muito sólido, atraente e perspicaz. Crie seu rebanho bovino e o comercialize. Mas não seja muito ambicioso: aliar ambição com moderação é talvez a melhor forma de ter êxito em El Gaucho. Alocação de trabalhadores por excelência, direciona-se aos admiradores desta mecânica e, assim, se ombreia com Stone Age (2008), com o brasileiro Blacksmith Brothers (2016) e outros. Cinco estrelas para a bonita arte do tipo cartoon, com os pormenores de humor que comparecem a cada tile representando as vacas no pasto e sua interação com o entorno. É um jogo antigo? É, mas continua atual, com sua capacidade de oferecer desafio e diversão.

Joguei outros jogos, alguns bem famosos, como o Village (2011), mas, dentre os maiores, foram esses cinco os que mais me agradaram, além de alguns menores (só em tamanho!), dos quais falarei noutra oportunidade. Acredito que este texto teve também, de início, a vaga pretensão de mostrar às pessoas que é preciso seguir um pouco a si mesmas e não se deixar fisgar pelos apelos que grassam a nossa volta. Ano passado, experimentei um jogo que é um dos mais falados e que, no fim, se mostrou maçante e trabalhoso, incapaz de oferecer qualquer prazer, ao menos para mim. Foi uma das poucas vezes em que adquiri um jogo com base na crua opinião alheia… Num hobby tão saturado de lançamentos, o jogo ideal ao nosso gosto talvez deva escapar de dentro de nós para a mesa. Ou seja, escolhas e fascínio pessoais contam muito.

Mayrant Gallo é professor, escritor e sócio da Invasion BG. Publicou mais de 15 livros. Eclético, aprecia cinema, literatura, música, jogos de tabuleiro, baralhos, plastimodelismo, pintura e tudo o que de refrescante e elevado a vida pode nos oferecer.
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