Designer: Johannes Sich
Editora: Edition Spielwiese
Ano: 2020
"Mas este acordou em pânico/(Ladrões infestam o bairro)/Não quis saber de mais nada/O revólver da gaveta/Saltou para sua mão/Ladrão? Se pega com tiro/Os tiros na madrugada/Liquidaram meu leiteiro/Se era noivo, se era virgem/Se era alegre, se era bom/Não sei/É tarde para saber"
(Trecho do poema "A Morte do Leiteiro", de Carlos Drummond de Andrade)
Ultimamente assistimos a muitas inovações no mundo dos jogos de tabuleiro, sobretudo com a inserção de tecnologias de realidade aumentada e o desenvolvimento de aplicativos auxiliares à experiência lúdica. MicroMacro: Crime City, jogo indicado ao prêmio Spiel des Jahres 2021, nos apresenta um outro tipo de inovação, utilizando para isso a simplicidade de um mapa de papel dobrável e um conjunto de cartas. Talvez um dos jogos mais inventivos do ano passado, conseguiu entregar jogabilidade muito original utilizando tão poucos e tradicionais componentes.
Provavelmente muitos dos que cresceram nos anos 1990 se lembram de forma afetiva dos livros da série "Onde está Wally?", verdadeiros livros-jogos onde a cada par de páginas nos era lançado o desafio de encontrar o icônico personagem de pulôver listrado em vermelho e branco numa cena saturada de elementos. Esse elemento mecânico da identificação de uma figura, como veremos, é a principal característica do jogo de Johannes Sich.
Identificação visual de personagem enquanto elemento central de "Onde está Wally?"
Em MicroMacro: Crime City, estamos em uma cidade movimentada, com diferentes zonas e quarteirões abarrotados de personagens e situações bastante curiosas e pitorescas - presenciamos traições, cenas "calientes", roubos, assassinatos, acidentes. O jogo vem com cartas agrupadas em decks que representam casos os quais precisam ser investigados pelos jogadores em cooperação. Geralmente o início de tais atividades investigativas demanda que identifiquemos na vastidão do mapa algum determinado personagem - aqui vemos a proximidade íntima do jogo com os já mencionados livros do personagem Wally.
Porém essa proximidade é suplantada pelo jogo ao inserir uma segunda camada à dinâmica de identificar pessoas no meio de uma multidão: em MicroMacro tudo está em movimento. O mapa é como uma fotografia estroboscópica das infinitas dinâmicas entre personagens que habitam a cidade. Conseguimos com isso traçar seus deslocamentos a partir e até um determinado ponto, acompanhando o que fizeram antes de estarem em determinado lugar e o que fizeram depois. E invariavelmente, numa metrópole repleta de crimes a cada esquina, podemos estar diante de um assassino em potencial.
Reparem no sujeito à direita da cabine telefônica, com uma cabeça em formato de tulipa. Ele anteriormente estava, retrocedendo seus passos, no meio da rua ao lado do quiosque de hotdog.
Outro ponto forte do jogo são as narrativas dos casos propostos. A criatividade das histórias faz com que tenhamos a curiosidade aguçada a cada etapa investigativa, guardando reviravoltas surpreendentes e por vezes hilárias (especial destaque ao caso do senhor que frequentava a missa dominical). Por trás de um visual às vezes infantil estão guardadas histórias de sexo, drogas e violência - tirem as crianças da sala! Os elementos são tantos que muitos não são utilizados nos casos que acompanham o jogo, o que naturalmente sinaliza um provável lançamento futuro de mais casos em eventuais expansões.
Ao unir a identificação de personagens com o caráter cinético do seu mapa, que embora pulverizado de elementos tem uma aparência bastante simples - as ilustrações são em preto e branco, com o mínimo de elementos necessários para a caracterização das cenas, o jogo brilha ao aliar inovação e simplicidade. E mais: mostra que para desenvolvermos novas dinâmicas de jogo e experiências lúdicas exitosas não precisam ser empregadas grandes tecnologias ou componentes caríssimos (a nova tendência do nosso hobby). Às vezes, a maior revolução está na mais simples das soluções.
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Lusorius
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