Retorno a um assunto que abordei no texto anterior: o caminho tortuoso que me leva a escolher jogos solo para minha coleção.
Troyes fez seu caminho até mim por um desejo casado com um fortuito acaso. Quando soube do lançamento de
Black Angel, em 2019, inicialmente propalado como uma espécie de retematização do Troyes, fiquei curioso para saber como era o jogo original. Numa Math Trade no início do ano corrente, Troyes estava elencado para troca e meu
Cidades Submersas brasileiro acabou virando o Troyes através do intricado sistema de trocas.
Troyes foi lançado em 2010 e, para muitos entendidos, figura entre os melhores lançamentos daquele ano. Talvez de fato o seja, pois, mesmo após 10 anos, segue inabalável no top 100 do BGG em posição confortável acima de clássicos como
Pandemic e
Russian Railroads. Ele teve um reprint em 2016, incluindo algumas promos e o que me interessa falar, um modo solo oficial. Esse modo de jogo foi criado por ninguém menos do que Shady Torbey, responsável pela série do Omniverse, que inclui um dos máximos clássicos solitários,
Onirim. Por essa razão (e por minha crescente curiosidade a respeito de Black Angel), resolvi dar chance a Troyes e ver do que se tratava.
Como de hábito, não ficarei explicando as regras do jogo, mas darei minhas impressões gerais e a respeito do modo solo. Se quiserem entender como o jogo funciona, há alguns vídeos excelentes linkados aqui no portal, entre os quais destaco os do Igor Knop e os do David Coelho. Por eles dá para se ter uma excelente ideia das mecânicas básicas e do gameplay.
Eu adoro jogos euro que usam dados de forma inteligente e achei Troyes excelente nesse aspecto. Embora ele seja um jogo de dados, o risco é amplamente mitigável e você não pode culpar um rolamento por uma decisão equivocada de sua parte. Os rolamentos, todavia, criam desafios muitíssimo interessantes. O que achei particularmente fantástico foi a possibilidade de comprar dados do seu oponente sem que ele possa se recusar a cedê-los. Isso cria um elemento de marcação muito gostoso, uma interação não predatória, mas que não deixa de ser uma cutucada no amiguinho. Quando você compra um dado, o que você muitas vezes está fazendo é enfraquecer ou inviabilizar uma ação de seu oponente e há que se pensar como o jogo precifica isso, como ele remunera essa ação. A meu ver, pagar mesmo as 6 moedas, pode não ser suficiente para justificar a ação, mas o lado de você poder atrapalhar um pouco o jogo do outro é que de fato conta. Preciso, no entanto, fazer um
caveat: não cheguei a jogar Troyes com outras pessoas e provavelmente não o farei, pois ele logo deixará minha coleção.
“O jogo é ruim?” Não, de modo algum, acho ele fantástico.
“Mas por que ele deixará sua coleção?“ Por alguns motivos: espaço, seu modo solo e Black Angel. Vou explicar minha opinião a respeito do modo solo e, o Black Angel, ficará para o próximo review.
Apesar do bom pedigree, garantido pelo Shadi Torbey (que é cantor lírico!), o modo solo de Troyes já começa com um problema: ter sido desenvolvido a posteriori do jogo. É raro que um modo solo desenvolvido depois de um jogo já ter sido lançado possa ser realmente bom. Os melhores são desenvolvidos de forma que seus mecanismos encontrem-se diretamente entrelaçados aos do jogo, o que evita modificações das regras originais e a incorporação de regras pouco intuitivas. Há, claro exceções, como algumas que já citei aqui no canal, mas isso serve como um alerta inicial.
No caso de Troyes, as regras para o jogador são as mesmas do jogo multiplayer e enfrentamos uma espécie de automa guiado por dados, Le Roi. As regras para esse adversário são relativamente simples e suas ações são definidas pelo rolamento de 2 dados no início de seus turnos, cruzando o resultado com uma tabela que determina as tais ações e seus efeitos. No fim, você subtrai os pontos de Le Roi dos seus pontos e, caso a soma final seja positiva, você vence. Há inclusive uma graduação do seu sucesso conforme o excedente de pontos.
De maneira geral, o modo solo é muito funcional e gostoso de se jogar. Ele não sofre da síndrome do modo solo a posteriori, o que é mérito do design. Ele replica as principais interações entre os jogadores, inclusive as compras de dados por Le Roi, e impõe um desafio considerável. Joguei umas 8 partidas seguidas e consegui vencer duas, o que é um mérito enorme. Não por eu ser um exímio jogador, mas por eu querer jogar tantas em sequência.
Fiquei com a clara impressão de que Troyes será um jogo incrível com mesa cheia, mas, como priorizo jogos com modos solo muito bons, não creio haver justificativa para mantê-lo em minha coleção. A experiência é agradável, mas acho que Troyes é um jogo para se jogar multiplayer e ponto final.
Nem todo jogo deve ter modo solo e esse é um crasso exemplo. No review que fiz sobre o
Projeto Gaia, falei do quanto eu queria um
Terra Mystica, mas que eu não pegaria uma cópia porque não queria um modo solo que não fizesse jus ao jogo multiplayer. Por fim acabei pegando, mas isso é história para outro momento e para quando sair o automa oficial da Automa Factory (!!!).
Por outro lado, se você tem um grupo regular que gosta de Troyes e você, vez por outra, quer jogar uma partida solitária para matar a vontade, mande bala e nunca se desfaça desse jogo excelente. O jogo solo funciona, mas, em minha humilde opinião, o multiplayer é melhor.
Para finalizar, amigos, quero deixar
crystal clear que Troyes é um jogaço. Esse review é um testemunho a isso. Num mundo onde há trocentos milhares de lançamentos anuais, estou fazendo um texto sobre um jogo lançado há 10 anos, o que fala muito a respeito do seu poder de permanência como reflexo da qualidade de seu gameplay. É um jogo totalmente independente de idioma e seria muito legal para o mercado local se alguma editora o trouxesse.
No próximo review, sobre Black Angel, retornarei a Troyes, mas adianto que, de parecidos, eles tem algumas mecânicas, o mesmo grupo de designers e editoras. São jogos bastante distintos e, cada um, bom a sua maneira.
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