Muitas vezes, nós que gostamos de jogar solo nos sentimos excluídos dentro das conversas com outros companheiros de hobby em geral. Todavia, há um grupo específico que não torce o nariz para nós, que é o dos wargamers. Percebi isso desde o início de minhas desventuras entre os jogos de tabuleiro. Embora entre eles seja raro que sejam concebidos especificamente para o jogador solitário, entre os wargames isso é bastante comum. Há títulos muito clássicos, como a série do D-Day, do John Butterfield, e muitas outras séries reconhecidas e apreciadas, como os COIN, os jogos da White Dog Games, entre outros tantos. Uma dessas será justamente mote deste texto: a série Leader, da Dan Versen Games.
Inicialmente lançados pela GMT na década de 90, esses jogos posteriormente foram abraçados e aprimorados por sua editora atual, que desde 2005, vem revendo e ampliando esses títulos. Em comum, todos são exclusivamente solitários e buscam recriar missões e campanhas militares em vários cenários, desde a Segunda Guerra Mundial até a Guerra do Iraque. Para tanto lançam mão de inimigos comuns a esses cenários e pilotos, veículos e armas tipicamente utilizados nesses momentos. A maior parte dos títulos concentra-se na guerra aérea (
Phantom Leader,
Hornet Leader: Carrier Air Operations, Israeli Air Force Leader,
B-17 Flying Fortress Leader e
Thunderbolt Apache Leader), mas há também o combate submarino (
U-Boat Leader e
Gato Leader) e a guerra em solo (
Tiger Leader,
Sherman Leader). É interessante ressaltar que os jogos tem muitas informações sobre as naves e armas utilizadas, enriquecendo muito a experiência. De uma forma ou outra, as mecânicas são desenhadas para recriá-las no jogo.
Pesquisei bastante a respeito desses títulos antes de puxar o gatilho, pois queria combinar um bom gameplay com regras relativamente pouco complexas. Optei, então, por começar pelo Phantom Leader, no qual controlamos um esquadrão aéreo durante os conturbados anos 60, realizando missões durante a Guerra do Vietnã e Crise dos Mísseis de Cuba. Nesse jogo, em particular, além de alvos militares, você precisa se atentar às repercussões políticas de suas ações, que podem eventualmente dificultar as missões em seguida.
Assim que tive uma boa oportunidade, comprei uma cópia usada da edição deluxe, que traz uma série de melhorias cosméticas e uma quantidade muito maior de conteúdo que a edição original. Quando ela chegou, fiquei muito impressionado com a quantidade de cartas e counters. Por si só, aquele fato era um pouco amedrontador, dava a impressão de ser um jogo excessivamente cheio de filigranas. O manual dá o tom do que é a característica de muitos wargames: são jogos procedimentais, até meio burocráticos. Você tem uma série de etapas a seguir durante seu turno, mas, felizmente, nesse caso as muitas regras são de aprendizagem simples e a forma como o tabuleiro dessa edição encontra-se disposto facilita demais a partida, por deixar tudo bem à mostra. O manual assusta um pouco a primeira vista, mas as informações estão bem organizadas e a barreira de entrada é baixa.
Setup de uma missão na campanha da Crise dos Mísseis de Cuba. Vejam a quantidade de counters ali à esquerda.
Um ponto chave na série Leader é justamente o conceito de missões e campanhas. As missões são como se fossem rodadas de jogo, enquanto a campanha é o jogo em si, composto por várias missões. Você pode escolher jogar uma campanha curta, média ou longa, sendo o número de missões determinado por essa escolha. Uma campanha curta tem, por exemplo, 5 missões, enquanto uma longa pode chegar a ter 12. Ao final de uma missão você contabiliza pontos e, ao final da campanha, todos esses são somados, o que te dá uma pontuação final que pode ser balizada com graus variados de sucesso determinados no cartão de cada uma das campanhas disponíveis na caixa. Há também regras alternativas que permitem jogar todas as campanhas da caixa em sequência, mas confesso não ter me interessado muito por isso.
Exemplo de uma campanha. Para as fotos está montada uma campanha curta.
Essa é a log sheet da campanha durante o jogo.
A mesma log sheet ao fim da campanha.
Tão logo você tenha definido o tamanho da campanha que quer jogar, você seleciona os 8 pilotos que formarão seu esquadrão, só que nem todos serão utilizados em todas as missões. Isso faz com que, conforme o objetivo, você possa ter um time totalmente customizado, tentando aproveitar as melhores características do par piloto/nave. A variedade é muito grande, de modo que é possível jogar a mesma missão com esquadrões completamente diferentes todas as vezes. Além disso, vale ressaltar que os pilotos apresentam graus variados de competência, desde o novato até o ás. Seu time pode, portanto, ter um piloto experimentado voando lado a lado com um recém saído da academia militar. Isso tem impacto nas habilidades deles e na chance de sucesso também. Conforme o tamanho da campanha, você também adquire um número de special option points, que são pontos que te permitem incrementar mais suas escolhas.
Um ponto muito interessante a meu ver é o fato de que os pilotos recebem pontos de estresse durante as missões. Isso representa uma forma de dano psicológico que atrapalha sua capacidade de voar e, eventualmente, acertar seus alvos. Se, por exemplo, seu time perde alguém em combate, todos os demais sofrem também dano por estresse. Uma das poucas formas de eles se recuperarem disso é ficarem de fora das próximas missões, descansando. Acho isso uma sacada genial, pois é uma representação mecânica do que imagino ser um ambiente de pressão insuportável para seres humanos tão falíveis quanto qualquer um de nós.
Cada uma das missões divide-se em 4 fases: a pre-flight, a target-bound flight, o home-bound flight e o debriefing.
Na primeira, a pre-flight, o jogador efetivamente monta o tabuleiro, com objetivo e seus inimigos, seleciona pilotos/naves e as armas que cada um portará e determina o seu curso de vôo. Há alguns elementos no sorteio de peças dos adversários que asseguram aleatoriedade suficiente no setup para garantir que as partidas serão diferentes umas das outras. O grande charme dessa fase é o exercício de customização que se faz do seu esquadrão. É uma representação legal de você ter reconhecido uma determinada área e, em seguida, partir para o ataque com condições mais ou menos esperadas.
Etapa pre-flight, com o setup feito e com a ação prestes a começar.
Para essa missão esses foram os pilotos/naves selecionados. As naves já estão equipadas com suas armas.
A verdadeira ação está contida na fase target-bound flight, que representa o sobrevoo do esquadrão sobre a área do objetivo, atirando contra seu alvo principal e contra-atacando a artilharia anti-aérea. Uma série de aspectos relativos à velocidade das naves, seu posicionamento espacial (em altitude e localização) e alcance das armas precisa ser observado, mas nada é muito complicado. Todo o combate é resolvido com rolamentos de dados, para os quais há algumas formas de se mitigar os resultados e torná-los mais previsíveis, mas ainda assim há chance para erro. Essa fase termina com a saída das aeronaves do espaço aéreo do objetivo.
Ainda que haja grande componente de risco derivado dos rolamentos de dados, esse jogo dá uma sensação muito boa de você estar no olho do furacão, ouvindo as turbinas dos aviões dando voos rasantes naquele lugar e despejando toneladas de mísseis e explosivos enquanto os seus adversários gritam e correm atirando para o alto. A aleatoriedade representa bem o caos e a insanidade da batalha. Embora você possa ter planejado bem, embora você possa ter feito tudo certo, nem sempre as coisas saem como esperado, pois há um grande elemento de imprevisibilidade que precisa ser contemplado. Phantom Leader é um grande exercício de abstração, pois tudo em sua apresentação é uma representação abstrata do que se está fazendo. Ainda assim, tenho a nítida sensação de ser algo muito temático. Quando estou jogando é como se eu estivesse revivendo o Top Gun ali na minha mesa. Referência de velho, eu admito, mas o vovô Tom Cruise está filmando uma sequência dele a sair no cinema provavelmente no fim desse ano.
Nas fases de home-bound flight e debriefing, o que se faz basicamente é colher o fruto das suas ações: ajustar o estresse de seus pilotos, faz-se a manutenção da campanha e prepara-se o seu grupo para a sequência de missões. Embora ela seja relativamente simples é um fase fundamental, pois a gente percebe claramente o quanto nossas decisões tem impacto nas etapas seguintes da campanha em si. Terminada aquela missão, você parte para a seguinte, começando do zero. É um pouco repetitivo, mas isso não faz com que o jogo seja chato. Como eu disse, ele lembra muito os wargames mais clássicos por ser muito procedimental.
A sensação que tenho com Phantom Leader é de estar jogando vários pequenos jogos bem amarrados, como se cada uma dessas fases fosse um deles. Ele não é, necessariamente um jogo de guerra, mas, sim, um jogo de planejamento e gestão, que deve ser o que a guerra é mesmo. Ao invés de representar um piloto, você é um comandante e seu fracasso e sucesso serão fruto exclusivo de suas escolhas.
Mas e os dados? Eles contradizem o que você disse!
Não creio muito nisso, para ser bem honesto. O elemento imprevisível deve ser considerado, senão o planejamento foi ruim. Simples assim. Durante a Copa de 58, durante a partida Brasil x Rússia, o técnico Vicente Feola interpelou Garrinhca para que ele se posicionasse e fizesse as coisas de um determinado jeito. O nosso Macunaíma encarnado lhe respondeu com uma frase brilhante: “o senhor já combinou isso tudo com os russos?”
Nesse jogo você não tem jeito de combinar as coisas com os russos, precisa se antecipar às ações deles. De modo algum isso faz de Phantom Leader um jogo tático, mas, sim, um jogo altamente estratégico, que depende de planejamento, mas que exige também a flexibilidade para que sejam adotadas ações táticas quando preciso.
Há alguns pontos em Phantom Leader que pode assustar. Em primeiro lugar, como são muitos counters e cartas, se você não for uma pessoa muito organizada, isso pode dificultar muito as suas eventuais jogatinas. Nos EUA é possível comprar os counter trays, que facilitam muito isso, mas aqui no Brasil não há tantas opções. Em segundo lugar, o jogo é uma representação um tanto abstrata da guerra e isso pode afastar quem espera por uma experiência táctil e visual melhor. As versões deluxe de jogos de mesa tem se torna o standard em muitos casos, o que faz com que os jogos com counters criem um obstáculo bobo a quem já não está muito afim de se imergir nesse mundo. Em terceiro lugar, os jogos da DVG são caros. É difícil importá-los num preço razoável e, se você considerar que eles estão na faixa de preço de 60-80 dólares, você tem uma noção que eles são mais caros do que muitos desses euros superproduzidos que temos visto. Em último lugar, embora tudo seja muito funcional, esse jogo se beneficiaria demais de um tapa no design gráfico. As fotos falam por si, amigos.
Para finalizar, esse é um grande jogo e foi minha porta de entrada para a série. O próximo que vou testar é o Thunderbolt Apache Leader. Uma coisa muito boa de investir nessas séries é que todos os jogos tem regras parecidas, mas com algumas poucas variações. Depois que você aprendeu bem um deles, os demais ficam bem mais fáceis.
Espero muito poder trazer mais jogos desse tipo, os wargames solitários, para a Ludopedia. Os meus ameritrashes estão gradualmente dando lugar a eles.
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