Sou um cara bem meticuloso para comprar um jogo. Estudo ele bastante antes de puxar o gatilho. Isso não quer dizer que eu faça isso poucas vezes, claro, mas posso dizer que eu sei bem o que quero e sei bem o que receberei antes mesmo de comprar um jogo. Pesquiso bastante no BGG, leio e assisto alguns reviews de pessoas com opiniões usualmente parecidas com as minhas, pesquiso bastante os preços e, por fim, quando tenho uma boa oportunidade, não deixo de aproveitá-la.
Um jogo que me chamou muito a atenção quando foi anunciado foi o
Clãs da Caledônia. Ele tinha a arte do Klemmens Franz (que também assinou a arte de alguns dos meus jogos favoritos: muitos dos de caixa grande do Uwe), mecânicas familiares, poderes variáveis e, sobretudo um modo solo promissor. A Meeple BR estava começando nessa ocasião e conseguiram trazer o jogo para cá sem que sofrêssemos com as sempre terríveis taxas alfandegárias. A decisão de apoiá-lo, mesmo em se tratando de um financiamento coletivo, foi imediata.
Quando o jogo chegou, ele era todo aquele
eurogame porn que eu queria. Um monte de componentes de madeira, os tabuleiros individuais, um tabuleiro modular e, na minha cópia, as moedinhas de metal. Se por um lado eu fiquei babando, por outro entrei em pânico, consumido pela minha obsessão de ver jogos arrumados na caixa. Devo ter sido uma das primeiras pessoas na galáxia a comprar um insert de MDF para esse jogo. Quando ele chegou, foi asfixiante o intervalo entre tirá-lo da embalagem e colocar todas as peças em seus respectivos lugares e fechar a caixa. Só então, eu consegui respirar sem angústia. Agora, finalmente, eu conseguiria olhar para aquele jogo.
Taí o jogo arrumadinho para uma partida. Muita madeira, peças de papelão e, nos espaços mais baratos, as moedas bloqueando-os.
Hiperbólico, sim, mas isso é loucura minha.
De forma muito sucinta, Clãs da Caledônia é um jogo econômico, de gestão/conversão de recursos, especulação, em que você é o representante de um clã escocês tentando atingir a prosperidade no momento em que seu país transita de um modelo de produção calcado em produtos primários (ex.: commodities para a época, como leite, trigo e etc) para outro calcado em produtos já beneficiados (ex.: uísque, pão, queijo). Cada um desses clãs tem habilidades bastante diferentes, que modificam a forma como se deve abordar o jogo. Além disso, há um mercado flutuante para esses produtos, que oscilará conforme a demanda e a oferta deles durante a partida. Os jogadores adquirem e cumprem contratos de venda, expandem sua influência no território e produzem mercadorias. Cada rodada de jogo tem um pontuação final, como se fossem objetivos intermediários e, ao fim da partida, a pontuação é calculada de acordo com vários critérios, sendo os principais a expansão territorial, os contratos cumpridos e a quantidade de mercadorias importadas que você obteve a partir de seus contratos.
Não há nenhuma informação oculta e esse jogo tem moderada interação entre os jogadores. Ela se dá principalmente na disputa por espaços a serem ocupados no tabuleiro, pela flutuação do mercado, pela disputa pelos contratos disponíveis e pelo bônus de vizinhança, dado quando um dos jogadores constrói em um hexágono vizinho a outros onde há construções de outros jogadores, o que lhes permite comprar as mercadorias disponíveis com descontos razoáveis. O jogo não tem nenhuma forma de interação negativa, isto é, você não vai remover estruturas de ninguém, não rouba nada, não mata os bonequinhos, nem nada disso. Jogo muito bacana para quem não quer conflito.
Dadas essas informações, vamos agora olhar para o modo solo.
Trata-se de um
beat your own score clássico, no qual você não tem um antagonismo ativo, mas apenas luta para maximizar sua pontuação dadas as condições definidas no momento do setup e ao longo da partida. Há algumas pequenas mudanças das regras em relação ao jogo multiplayer. De forma análoga ao jogo 1x1, você usa uma versão mais apertada do mapa, não podendo utilizar a linha de hexágonos mais na periferia dele. Adicionalmente, durante o setup, o jogador deve colocar algum marcador sobre os hexágonos de valor £1 indicando que eles ficarão indisponíveis para construção ao longo da partida.
De forma didática, coloco abaixo a forma como se dá a interação e o modo como isso é contemplado no jogo solo:
- disputa por espaços a serem ocupados no tabuleiro – como não há antagonismo ativo, isso não ocorre no modo solo. Porém, como os espaços de valor £1 são bloqueados, isso é, de certa forma, simulado por algum mecanismo.
- flutuação do mercado – o jogo vem com dois dados de seis lados, um dos quais com os símbolos referentes às mercadorias e outro com valores que vão de -3 a +3. Ao final de uma rodada de jogo, eles são jogados e os preços de três mercadorias diferentes oscilarão conforme indicado. Há um mecanismo de contenção para impedir oscilações exorbitantes no próprio tabuleiro do mercado, ele obriga que os preços oscilem em torno de um determinado valor médio. Este ponto de interação, portanto, é simulado por algo no jogo, mas não se dá como num jogo multiplayer, no qual você pode artificialmente baratear ou encarecer um determinado produto com o intuito de melhorar seu jogo e atrapalhar o de outro.
- disputa pelos contratos disponíveis – ninguém disputa os contratos disponíveis, mas os dados utilizados para promover a oscilação dos valores no mercado também permitem a seleção de um dos seis contratos e seu descarte, ficando 5 deles disponíveis para aquela rodada. Novamente, da mesma forma que disse acima, isso pode eventualmente atrapalhar os planos do jogador, mas não é como no jogo multiplayer, no qual você pode comprar um contrato que seu coleguinha quer muito só para atrapalhar o jogo dele.
- bônus de vizinhança – como não há antagonismo ativo e o jogo não constrói nada, isso também não ocorre.
Esses pontos fazem o modo solo de Clãs da Caledônia ruim? Tentem entender o que vou explicar, pois minha resposta para essa pergunta é sim e não.
Do ponto de vista de design, o modo solo pode ser entendido como ruim. Ele é um não modo solo, pois os pontos nos quais os jogadores interagem são pouco contemplados e, quando o são, tem uma forma de simulação que não lembra muito aquela que ocorre no jogo multiplayer. Digo que é um não modo solo, porque o que você faz no jogo solo basicamente é tentar maximizar um resultado a partir de condições impostas a priori, a maioria das quais no momento do setup e no momento em que se faz a flutuação do mercado. O jogo não faz nada que modifique isso ao longo da partida. Teria sido muito bacana também se, mesmo em se tratando de um beat your own score, o autor tivesse determinado algumas faixas de pontuação que corresponderiam a um maior ou menor grau de sucesso, algo contra o qual você pudesse balizar seus resultados.
Do ponto de vista de jogabilidade, a meu ver, o modo solo de Clãs da Caledônia detrai muito pouco da experiência do jogo multiplayer. Os pontos de interação que não são contemplados são, sim, importantes, mas não tornam o sentimento de jogá-lo sozinho ruim, pois o cerne do jogo é tentar enxergar de que forma você pode vencer as barreiras naturais que lhe são impostas. É como você estar diante de um delicioso quebra-cabeças, sabe?! Com o passar do tempo e meu amadurecimento no hobby, cada vez mais eu tenho gostado de jogos com essa natureza. Embora eu goste muito de automas, nesse caso em particular, eles não me fazem falta.
Se você ficar desanimado com o
beat your own score, no BGG há um automa não oficial e, há algum tempo atrás, o autor do jogo postou um app que permite jogar contra um automa virtual. Não cheguei a testar nenhum deles, o primeiro por preguiça e, o segundo, por não querer dispositivos eletrônicos no meu templo analógico.
Minha última partida. Joguei de Stewart, com as peças azuis, e atingi módicos 131 pontos.
No fim, faço uma avaliação extremamente positiva de Clãs da Caledônia. É um jogo que tem lugar cativo em minha coleção, que tenho certeza que envelhecerá bem, pois foi erigido em bases muito sólidas de gigantes como
Terra Mystica,
As Viagens de Marco Polo e, como minha opinião pessoal,
Ora et Labora (a obra máxima da conversão de recursos e, ainda assim, o pior jogo solo do Uwe). Não tenho dúvida que logo virá uma expansão, provavelmente só uma, pois o Juma Al-JouJou tem postado a respeito no BGG há algum tempo. Isso deverá renovar o interesse sobre o jogo, trazendo novos elementos a algo que já é muito bom.
E aí, o que vocês acham? Uísque é algo para se vender ou para se beber?
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