Como ir na contramão do consumismo em um hobby que representa um nicho de mercado em pleno crescimento, sem com isso levar o mundo dos jogos à ruína?
Proponho começar mexendo algumas pecinhas. Na relação entre jogadoras(es) e jogos, o apreço aos componentes chega a ser um hobby à parte. Graças ao reconhecimento da importância das peças na experiência boardgamer, essa atenção já encontra segmentos tão independentes que geram mercados próprios, como a impressão de itens personalizados e a pintura detalhada de miniaturas.
O sucesso das miniaturas entre fãs de jogos de aventura é inegável, mas sabemos que eurogamers de plantão também capricham na apreciação das clássicas figuras de madeira, que vão de meeples temáticos a cubos coloridos, que podem representar a maior variedade de recursos numa narrativa. Tabuleiros, cartas e dados não ficam para trás na valorização, que, aliás, pode significar muito no apreço – e no preço! – atribuído ao jogo em si.
Tamanha a relevância dada aos componentes, talvez eles sejam uma bela brecha para alcançar o centro do cenário boardgamer com preocupações pertinentes como a conscientização do consumo. São muitas as sugestões possíveis sobre como fazer isso, então resolvi selecionar e organizar as top 3 que considero que melhor combinam facilidade aplicação com impacto real, com especial foco na relação com componentes – mas sem restringir a isso – e vou adorar saber o que você achou. Bora pensar junto?
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DIY*: COMPONENTES EXCLUSIVOS TORNAM O SEU JOGO ÚNICO
Produzir componentes próprios, personalizados, pode trazer mais que a sensação gratificante de pôr sua criatividade em ação. É um trabalho que pode te ajudar a compreender um pouquinho de alguns processos produtivos envolvidos na missão de transformar uma ideia que vale a pena no seu jogo favorito. Isso favorece o estabelecimento de relações mais empáticas com as pessoas que trabalham na base da produção, e te ajuda a compreender os devidos cuidados com a conservação de cada jogo.
Quando um jogo se torna afetivamente especial, tende a crescer a empolgação para levá-lo à mesa, mostrar às pessoas com quem você joga e, assim, sentir maior satisfação em repetir um título. Isso pode ajudar a aliviar um pouco da “coceira consumista” para comprar novos jogos que você nem sabe se sairão do lacre…
*DIY: “do it yourself” ou “faça você mesma(o)” é uma cultura de autonomia produtiva que vem crescendo (ou sendo recuperada…) pelo mundo.
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PENSAR GLOBAL, AGIR LOCAL
Acredite, é no momento em que um nicho começa a crescer que suas escolhas mais têm influência sobre a definição de quais hábitos ficarão marcados nas práticas do seu hobby. Que tal ser o modelo que você gostaria de ver inspirar bgamers de todo o globo?
Valorize a cena local. Aquela senhora que sabe pintar caprichosamente as miniaturas do seu ameritrash. O irmãozinho da sua amiga, que sabe imprimir uns adesivos massa pra adornar meeples. Editoras menores, designers estreantes, pequenas lojinhas e eventos independentes, próximas(os) à região onde você mora – se não na sua cidade, no estado; se não no estado, país e assim por diante.
Além de ajudar a evitar monopólios que, no fim das contas, prejudicam toda a cadeia do hobby, isso nutre a rede de relações bgamers, aumenta a sua autonomia e gera retorno ao trabalho de quem não tem grana pra investir, o que de quebra ajuda a motivar aquelas mentes brilhantes que muitas vezes não ousam se arriscar por falta de recursos.
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GASTAR MENOS, JOGAR MAIS
Eis um aspecto que toda pessoa jogadora leva – ou deveria levar – em conta: a conservação dos jogos. Se a durabilidade de um jogo vem sendo usada, por um lado, como justificativa ao fomento da produção acelerada de novos títulos, por outro, é o que pode ajudar a reduzir o consumo. Preferir jogos de segunda mão tem vantagens não só financeiras como sociais: os leilões da Ludopedia são verdadeiros canais para saber o que está em alta, fazer-se visível e até – por que não? – conhecer outras(os) bgamers. As trocas de jogos também podem ser feitas presencialmente, no seu círculo, e, acredite, podem consolidar verdadeiras relações de confiança (rs)!
Com o frenético crescimento da quantidade de lançamentos ano após ano, colecionadoras(es) de peso vêm estabelecendo limites numéricos para as próprias coleções. Se jogos são para ser jogados, vale a pena selecionar o que de fato vai à mesa e passar os empoeirados para novas mãos, que podem fazer melhor proveito. De quebra, ainda dá pra ganhar uma graninha (às vezes, uma granona!) devolvendo jogos à circulação. Trocas de jogos alimentam a rede de relações bgamers e, com isso, podem favorecer o contato entre pessoas mais diversas, o encontro de grupos protagonizados por pessoas que encontram entraves no cenário e, assim, a descoberta de iguais onde a representatividade ainda é boicotada.
Por falar em boicote, aliás, enquanto o hobby ainda é de nicho, atitudes de bgamers impactam diretamente editoras e outras empresas envolvidas nesse mercado. Dessa forma, questionar as escolhas das corporações, especialmente aquelas já maiorezinhas, ainda pode ter um papel relevante em levá-las a boas revisões de conduta.
Nesse sentido, a simples redução do consumo também tem seu papel. O hobby deve encontrar novas formas de investir em si, que não a desenfreada produção material. Eventos, clubes, conteúdo informativo de nicho, experiências, tratamento restaurativo, adaptações, há, enfim, uma série de elementos monetizáveis para substituir a antiquada relação compra-e-venda-de-mercadorias-físicas. Aproveite para convidar todo mundo pros eventos e apoiar essas frentes de circulação do hobby!
E você? Tem sugestões de hábitos a melhorar na vida de jogueira? Conta pra a gente nos comentários!