ALGUMAS NOTAS: Este é meu primeiro e, provavelmente, único review. Uma vez que este é um jogo narrativo, este review não contem spoilers. Eu somente joguei o jogo solo. Inglês não é minha língua mãe. Para todos os fins, “This War of Mine” = TWOM.
Eu adoro ler e assistir a reviews, mas nunca me senti competente o suficiente para escrever um. Neste caso sinto grande necessidade de fazê-lo porquê isso se tornou algo pessoal.
Rápido background.
Quando eu tinha 8 anos de idade, o Cerco de Sarajevo começou e durou até meus 12 anos. Embora aqueles tempos difíceis tenham sido terríveis, se você me perguntar sobre o cerco sem tentar se aprofundar demais dentro de mim, eu lhe diria o quanto aqueles tempos foram bons. Deixe-me explicar. Eu nunca tive tantos amigos e me diverti tanto (estávamos todos em um porão nos escondendo de bombardeios, um bando de crianças). As pessoas eram boas umas para as outras (se eu tenho algo para comer, você tem também. Me lembro de 6-7 adultos sentados no porão fumando um cigarro em um círculo. Não um cigarro, mas o único cigarro naquele momento.). Havia arte em todo lugar. Em cada abrigo haviam peças, concertos, festas... Nada era mais importante do que viver uma vida normal em circunstâncias anormais.
Mas se você se aprofundar o suficiente...
É aí que memórias como aquelas de TWOM começam a emergir em mim. Sim, aquelas memórias ocultas lá dentro de mim para ninguém ouvir, ver ou tocar.
Agora sobre o jogo em si. Eu não falarei profundamente sobre como jogar, uma vez que há pessoas muito mais capacitadas do que eu no BGG que eventualmente irão fazê-lo, se é que já não o fizeram.
É bastante simples, na verdade. Você controla um grupo de amigos em uma cidade sitiada e seu único objetivo é sobreviver. Você vive (joga) dia após dia. Cada dia é um turno. Pela manhã você precisa comer e beber um pouco, caso tenha algo para fazer isso. Depois, você se faz pequenas incursões pela casa arruinada na qual vivemos, tentando vasculhar tanta coisa quanto possível para encontrar coisas úteis e, mais importante, deixar o seu abrigo o mais confortável possível. Quando você tiver terminado de ajeitar as camas, acender seus fogareiros e ajeitar as demais coisas, é hora de sair de casa. Lá fora é que é problemático. Lá fora significa que coisas ruins irão acontecer. Lá fora é perigoso. Você tem necessidade permantente de comida, curativos, medicamentos e partes de ferramentas quebradas. Tudo isso só pode ser encontrado lá fora. Então você se municia de toda sua coragem e sai do abrigo, encontra algumas coisas, se depara com alguns de seus compatriotas, talvez tenha que lutar com um ou dois, coleta tudo que você encontrou e retorna para casa. Feliz com o que achou, você encontra seu amigo que ficou em casa guardando o local, ele pode estar ferido ou amedrontado. Daí você percebe que, enquanto você estava lá fora “se divertindo”, seu santuário foi atacado durante a noite. Desgraça. Mais coisas para arrumar e fazer. Mas agora fazemos tudo juntos. Estamos seguros. Está frio, mas ficaremos bem porque temos uma lareira para nos aquecer. Mas espere, não temos nada para acendê-la. Bem, então dormiremos todos juntos para nos aquecermos como possível, precisamos estar prontos para a manhã. Quem ficará de guarda essa noite? Eu sei que estamos todos cansados, mas alguém precisa fazê-lo.
Percebe como “eu” virou “nós”? Sim, é isso que o jogo faz. Você desenvolve uma forte conexão emocional com os personagens que controla. Em verdade, ela é tão forte que você se torna um deles.
Para não dar nenhum spoiler, darei alguns exemplos reais de diferentes turnos do jogo: (NOTA: Memória é uma coisa estranha. Eu estou completamente certo de que todas essas histórias aconteceram como as conto, mas isso pode não ser 100% verdade. Portanto, não são fatos, mas memórias.)
Manhã: Estávamos todos dormindo no nosso abrigo. Fomos acordados pelo barulho de bombas. Olhamos cuidadosamente para fora do porão e lá estava ele. Não mais do que a 100 metros do nosso prédio havia um tanque inimigo que estava atirando aleatoriamente em nosso prédio. Estávamos seguros, mas nossos planos de jogar futebol naquele dia estavam arruinados.
Dia: Minha mãe era uma professora antes da guerra. Então, quando o cerco começou, decidimos que haveria uma escola em nosso abrigo. Ela seria a professora e os garotos do nosso abrigo e daqueles próximos iriam à escola aqui. Isso era oficial. Voltaríamos à escola. Eu estava na casa de meus amigos, não me lembro porquê, mas subitamente um pesado bombardeio começou. Minha mãe não sabia onde eu estava, uma vez que eu não havia lhe dito. Eu não podia voltar para nosso abrigo e teria que fazer minha prova de matemática de qualquer jeito, minha mãe já havia me permitido uma ausência antes. Eu não cheguei a tempo e minha mãe me deu um F.
Vasculhando: Minha escola foi o primeiro prédio em nossa vizinhança que foi incendiado. Como as paredes internas eram feitas de madeira, enquanto ele ainda queimava, as pessoas iam lá dentro para arrancar madeira das paredes. Não, elas não queriam salvar a escola. Elas precisavam daquilo para se aquecerem.
A guerra mostra o melhor e o pior das pessoas. Haviam algumas pessoas terríveis em Sarajevo durante o cerco. Elas tinham tudo, enquanto outras não tinham nada. Eu achei negociar a parte mais estressante do jogo. Certa vez, meu pai trocou uma TV por um maço de cigarros e alguns ovos. Assim é a vida. Mas isso é assunto para um outro momento. As pessoas podem ser incrivelmente boas e inacreditavelmente terríveis.
Ataques noturnos: Ata, meu vizinho, era um policial antes da guerra. Ele possuía uma arma. Durante os primeiros dias do cerco, ele e um outro senhor de nosso abrigo estavam de guarda para nos proteger dos caras maus. Durante uma noite escura (não há eletricidade, portanto a noite é realmente escura), alguém veio agressivamente à nossa porta de entrada e começou a gritar “Abram a porta!!!”. Aquele senhor, Sejo, morreu instantaneamente. Por puro medo. Ata abriu a porta e começou a bater no pobre homem com a arma como um louco. Novamente, por puro medo. O homem queria dizer algo, mas não podia. Em determinado ponto, Ata parou. O homem, completamente coberto de sangue, apontou para duas grandes malas de viagem que havia trazido com ele. Ele aguardara o cair da noite para atravessar as ruas para nos dar alguma comida, uma vez que os tiroteios e bombardeios eram constantes havia alguns dias e estávamos com poucos recursos. Ele ficou conosco por uma semana, já que estava um inferno de bombas lá fora. Por sorte, Ata estava tão amedrontado que havia se esquecido de que podia atirar com sua arma.
De volta ao jogo.
Este é um jogo impressionante. É mais do que um jogo. Eu sei que cada jogo deve ser uma experiência, mas com esse aqui você realmente consegue uma. Frequentemente sou perguntado “Como foi viver sob cerco?”. Falar sobre isso não faz justiça à realidade. Daqui por diante, se me perguntarem isso, vou me sentar e jogar uma ou duas rodadas com aquele que tiver feito a pergunta.
Tema e mecânica estão tão bem integrados que uma cosia que eu usualmente não gosto (Se você não consegue entender uma regra, faça o que fizer mais sentido) funciona aqui. Esté é meu primeiro jogo que com um livro (jogo narrativo) e estou realmente impressionado. Cada coisa em particular que aconteceu até aqui fez muito sentido e manteve a narrativa indo adiante. Eu nunca encontrei uma história em que eu tivesse que ler anteriormente. Mais comumente do que eu esperava, o que eu lia me forçava a me afastar do jogo, fumar um cigarro e depois retornar a ele.
O cerco não é sobre sobreviver a ele. É sobre sobreviver mais um dia. E você nunca sabe o que irá acontecer. Jamais. Mas, em se sobrevivendo, você também aprende a fazer aquilo melhor. Aqui atingimos um ponto no qual quanto mais você joga, melhor você fica. Isso também, essa é uma coisa que é verdade na maioria dos jogos, mas aqui você de fato sente como se tivesse experiência em como sobreviver. O que você precisa o mais rapidamente possível e o que você pode esperar. Mas, como sempre na vida, algumas cosias que você pensou que pudesse esperar, na verdade, você não podia. Nesse jogo, você ganhará ou perderá e você se sentirá como se tivesse sido o principal responsável por isso.
Este é um jogo com muitos saques de cartas e rolamentos de dados, mas, novamente, a sorte das cartas ou a do dos rolamentos de dados em nada se comparam à natureza imprevisível do estado de cerco. Ali sua vida depende do quão bêbado está o atirador. Ele pode errar ou almejar outra coisa e acabar te acertando. Em TWOM, acho a sorte tão temática quanto qualquer outra coisa.
O gameplay é simples e intuitivo. Uma vez que tema e mecânicas estão tão entrelaçados, tudo flui bem. Este é um daqueles jogos “abra e jogue”. Não há um manual de regras padrão. Ao invés disso, você receberá um diário que irá lhe guiar durante o jogo e você não vai se livrar dele, pois é um dos próprios componentes do jogo. O diário funciona bem e irá lhe ensinar como jogar. Também há regras adicionais que podem ser encontradas no Livro de Scripts e são fáceis de se encontrar enquanto você é guiado pelo diário.
O único problema é que se for bom o suficiente, o jogo irá demorar um longo tempo. Quanto mais você joga, melhor você fica, mais tempo você sobrevive e mais longo o jogo será. Mas aqui chegamos a uma outra excelente característica do jogo, que é a opção de SALVAMENTO. É um pouco complicado no início, mas como tudo mais, torna-se melhor com o tempo. Assim você pode salvar seu progresso e continuar o jogo mais tarde.
Os componentes são excelentes. Você recebe uma caixa repleta de miniaturas, tokens, cartas, tabuleiro e, claro, o Livro de Scripts e este é o mais impressionante componente de um jogo jamais feito. No princípio, achei que todo o jogo se desenvolveria em torno dele, mas esse não é o caso. Ele é apenas um dos componentes. Há muito jogo na caixa mesmo sem ele, mas ele adiciona uma narrativa que é tão boa que eu simplesmente quero voltar ao jogo uma vez após a outra. Suas histórias são tão bem escritas que estou completamente convencido de que algumas são reais, contadas por sobreviventes de uma de muitas guerras.
Gigantescos parabéns aos designers desse jogo. Não consigo sequer imaginar quanta pesquisa precisaram fazer para criá-lo. É como se estivessem em Sarajevo durante todo o Cerco de Sarajevo e não tivessem feito nada que não fosse tomar notas. Você gostará desse jogo? Bem, eu não sei. Se quiser saber como um cerco funciona, então, SIM! Se quiser jogar um grande jogo com um tema um pouco sombrio, SIM. Se quiser jogar um incrível e pesado jogo solo ou cooperativo, SIM. Mas também consigo enxergar porque algumas pessoas jamais jogariam esse jogo. Minha coleção de jogos de tabuleiro, antes de TWOM, era apenas a “Parede da diversão”, e, agora, entre as outras caixas, há essa também que é divertida, mas diferente de qualquer outra. Esse é realmente um jogo único.
Todos os jogos em minha coleção podem ser negociados em algum ponto, mas este ficará para sempre. Não tenho muitos jogos nota 10/10, mas esse certamente é isso. Uma obra prima.
Eu finalizarei com isso: se você alguma vez imaginou que guerras e matar pessoas pode ser ou é divertido (aparentemente há pessoas que pensam isso), por favor jogue This War of Mine. Você se divertirá enquanto jogando, mas também aprenderá o quão terrível é a guerra.
Uma mensagem clara para o mundo:
