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Esta semana, estreamos uma seção super bacana aqui no Blog em que conversamos com mulheres que atuam de alguma maneira no mundo dos Board Games – ilustradoras, designers, desenvolvedoras, promotoras de eventos, etc.
Nossa primeira convidada é Sabrina do Valle, a co-criadora do hypado jogo Sereias, que está em financiamento coletivo e deve sair em agosto pela Editora Potato Cat. Sabrina é do Rio de Janeiro e também participa da organização do evento 100% feminino Board Game Girls. Nas perguntas abaixo, ela conversa com a gente sobre seu trabalho e sobre o maravilhoso universo dos jogos de tabuleiros.

– Você poderia começar falando um pouco sobre o Sereias? Como surgiu a ideia do jogo?
O Sereias é um jogo de cartas de 1 a 6 jogadores, para jogar com a família e com os(as) amigos(as). Começamos a desenvolvê-lo em 2017, e no ano seguinte assinamos com a editora Potato Cat. A ideia do Sereias surgiu porque eu e o Jorge Luís Rocha queríamos um jogo simples e divertido, que agradasse tanto quem já está acostumado a jogos modernos como quem só jogou os clássicos. A gente conseguiu isso equilibrando um nível estratégico interessante com uma boa dose de diversão em grupo, mas também valorizando a experiência com a temática. Tentamos usar referências tradicionais de histórias marítimas misturadas a referências musicais e elementos inusitados, que dão um tom de carisma e bom humor.

– Por que você escolheu este tema?
Eu sempre gostei de sereias e, como ainda não conhecia nenhum jogo sobre esse tema, sugeri que a gente o usasse em um jogo. Para nossa surpresa, quando pesquisamos em sites e fóruns especializados, encontramos jogos que tratavam esse tema de maneira muito estereotipada, geralmente relacionando ao universo do filme “A Pequena Sereia”.
– Qual é a mecânica do jogo? Qual o principal público de Sereias?
Gerenciamento de mão é a mecânica principal, pois os(as) jogadores(as) são regentes musicais que devem reunir sereias de vozes diferentes para encantar os navios. Também envolve coleção de componentes, que afetam as ações de jogo e a pontuação final, e “toma essa”, fator que acrescenta interação entre os(as) jogadores(as) na mesa. O público principal do Sereias é quem curte jogar com a família e com amigos(as), mas o jogo atinge diversos públicos, com idade mínima de 8 anos. Inclusive o jogo tem um modo solo que permite que crianças menores joguem com os mais velhos.
– Que ideias você queria transmitir nas ilustrações?
Na nossa visão, as sereias deveriam ser diferentes entre si, tanto em relação aos corpos delas, como em relação à etnia. Queríamos que as jogadoras, na medida do possível, se sentissem representadas com as sereias retratadas no jogo. Por isso, era fundamental que cada sereia tivesse uma personalidade diferente.

– Você pode nos contar um pouco também sobre o Lunetas, protótipo que está participando do concurso da editora Precisamente?
Lunetas é um jogo família de 1 a 4 jogadores, em que um(a) representa um(a) navegante. Cada jogador tentará encontrar, em um céu formado por peças de padrões diversos de estrelas, uma das constelações (cartas) que tenha em mãos, observando a disposição e as cores das estrelas que a formam. O objetivo é encontrar o máximo de constelações, antes que a noite acabe, tentando conseguir o máximo de pontos por meio da resolução de constelações de níveis diversos de dificuldade. As constelações que usamos no jogo são reais, e inclusive as cores das estrelas tentam se aproximar o máximo possível das cores reais delas. O mais legal nele é que, como não tem tabuleiro, já que o “céu” do jogo é composto por uma grade de peças, a configuração do “céu” muda a todo momento, então cada jogada é um desafio novo.

– Em quais outros protótipos você está trabalhando atualmente?
Um deles dos protótipos que estou trabalhando é o Shodo, meu e da Andreza Farias. É um jogo de temática oriental, em que os(as) jogadores(as) são aprendizes em uma aula de caligrafia japonesa e devem cumprir as lições do sensei. Para isso, precisam montar os padrões ou requisitos de caligrafia das lições, administrando o estoque de tinta em seu suzuri para adquirir novas peças de traços.

Outro jogo é o Taquara-Castelo, meu e do Jorge, em ue os jogadores são motoristas de van no Rio de Janeiro, tentando levar o maior número de passageiros ao seu destino. Porém, é preciso pensar bem nos itinerários mais dinâmicos, para que consigam gerenciar bem a sua lotação e velocidade máxima. Tanto o nome do jogo quanto a sua temática são inspiradas no itinerário do Julinho da Van, do Choque de Cultura. Por isso, durante o jogo, os itinerários escolhidos pelos(as) jogadores(as) mudam conforme a necessidade.


Entre outros jogos ainda, também tenho Os Moscovis, que é um trabalho solo. Esse é mais voltado para um público família e infantil, brincando com a ideia das cores e seus nomes. Nele, é preciso colocar em ordem os nomes das cores das moscas que aparecem em jogo, porém o grande desafio é focar no nome nas cartas, ignorando suas cores, que estão invertidas.

– Quando você começou atuar como desenvolvedora de jogos? Você já gostava de jogos de cartas e de tabuleiro antes de se envolver profissionalmente com a área?
Quando eu tive a ideia do Sereias, em maio de 2017, eu ainda não era desenvolvedora, era apenas jogadora. O Jorge já desenvolvia, então eu sugeri a ideia a ele, que começou a trabalhar no Sereias. Mas eu sempre auxiliava o desenvolvimento, até que o Jorge percebeu que eu também fazia parte dele e entrei como coautora no Sereias, em agosto de 2017. Pouco tempo depois, eu criei o Lunetas, e nesse jogo então o Jorge entrou como coautor.
– Você já sentiu que recebeu qualquer tratamento diferente no mundo dos Board Games pelo fato de ser mulher?
Antes de entrar no mundo dos jogos de tabuleiro, eu jogava Magic, e lá o tratamento com mulheres era, sim, muito diferente. Só o fato de ter uma mulher jogando, parecia um evento à parte, e isso era bastante inibidor. No meio dos jogos de tabuleiro, não é como era no Magic, mas ainda assim, existem casos a se pontuar. Por exemplo, mesmo depois de eu já ser coautora do Sereias, algumas pessoas falavam com o Jorge, parabenizando ou comentando sobre o jogo, me ignoravam, mesmo eu estando por perto. Isso além dos relatos que ouço de outras mulheres, de situações em que são menosprezadas como jogadoras em jogos estratégicos (sendo que, em algumas dessas situações que ouvi, elas inclusive venceram a partida!) e outras situações em que são colocadas em uma posição constrangedora.
– O que você acha que falta para termos uma maior presença feminina nos Board Games, tanto nas mesas e eventos quanto nos ambientes profissionais?
Acho importante ter eventos de representatividade feminina. O BoardGame Girls, que eu organizo junto à Paula Bandeira e à Natália “Avernus”, é um evento bimestral exclusivo para mulheres (permitimos apenas a entrada de crianças até 12 anos de qualquer gênero, para comodidade das mães ou responsáveis). Lá, jogamos juntas e nos divertimos, em um espaço seguro livre de machismo para o sossego de todas as mulheres que estão lá. Além disso, após um tempo de jogatina, nos reunimos para um bate-papo feminista, em que contamos nossas experiências com o machismo no mundo dos jogos de tabuleiro (e até mesmo fora dele). O BoardGame Girls se propõe a ser um espaço de emponderamento, onde mulheres podem conhecer outras mulheres que também jogam e, quando queiram ir a eventos mistos, saibam se defender melhor de atitudes machista. Acredito que isso ajuda a aumentar a presença feminina tanto em eventos quanto em outros lugares onde elas possam jogar.

– Qual conselho você daria para as mulheres que querem ingressar profissionalmente na área?
Primeiramente, é preciso entender como funciona o mundo dos jogos de tabuleiro e também sobre o desenvolvimento. Para isso, é preciso procurar podcasts e vídeos com entrevistas com profissionais da área. Procurem, por exemplo, por Samanta Talarico (autora e editora, da Potato Cat), Bianca Melyna (autora e revisora, da Moby Studios), Aline Costa (criadora de conteúdo e revisora, do canal Turno Extra), Andreza Farias (designer e autora, do estúdio Casa do Goblin), Jéssica Lang (designer e ilustradora), Mariana Livraes (ilustradora), Vanessa dos Santos (editora da FunBox), Patrica Nate (organizadora do Lady Lúdica), Isabel Butcher e Graziela Grise (autoras e editoras, da Curió Jogos), Paula e Marina (editoras da Calamity Games), Mayra Gomyde (da Loja Lúdica), Lucy Raposo (da Ludus Luderia), entre outras profissionais.
Porém, nem tudo você vai descobrir sozinha nesse meio. É preciso interagir, tirar dúvidas e procurar ajuda, até porque quem desenvolve jogos precisa sempre de colaboração, nem que seja ao menos para testar seus jogos. Há espaços legais para isso, como o grupo do Facebook “Desenvolvedores de boardgames, cardgames e afins”, onde há profissionais do Brasil todo interagindo e trocando informações. Também há grupos de playtest abertos e democráticos, como a Oficina do Playtest, no RJ, o qual eu ajudo a organizar e do qual eu participo, testando meus jogos.