Eu comecei esse texto com um modelo padrão que uso para alguns textos aqui da 1PGBR, explicando como funciona e tudo mais, mas vi que isso não iria funcionar. Optei por priorizar minhas impressões sobre o jogo, sobretudo do aspecto solo, mas recomendo fortemente que assistam o gameplay feito pelo Jack Explicador para uma melhor idéia.
Ao review e avante!
Spirit Island é um jogo cooperativo para 1-4 jogadores no qual cada um assume o papel de um espírito que visa proteger uma ilha idílica da invasão de colonizadores. É uma excelente inversão da proposta usual de jogos como Puerto Rico, Santa Maria e outros, nos quais prevalece a lógica oposta, a da colonização. Isso, por si só, já torna o algo curioso.
Embora chamados de espíritos, prefiro entendê-los como entidades bem maiores, que envolvem aspectos mais amplos da natureza do que, a meu ver, um espírito pode representar. Há como exemplo o Bringer of Dreams and Nightmares, que representa justamente o medo, o Vital Strength of the Earth, que envolve aquela característica poderosa, lenta e perene da terra e das rochas. Os espíritos são bastante assimétricos e a interação entre eles modifica muito a forma como o jogo pode se desenvolver.
As mecânicas fundamentais neste jogo são: ações programadas, a gestão de mão e o controle de área. Os espíritos devem espalhar sua presença pelos diferentes territórios, de modo a aumentar o alcance de seus poderes, enquanto gerenciam as cartas de sua mão e o principal recurso do jogo, energia. Através de suas cartas, os espíritos são capazes, por exemplo, de: 1) mover os dahan (nativos da ilha, que auxiliam em sua defesa) ou mesmo as peças dos colonizadores; 2) atacar os colonizadores, destruindo-os; ou 3) gerar medo.
Das principais mecânicas citadas aqui, eu gosto mais de gestão de mão, as demais eu não curto muito, mas esse jogo traz alguns desafios que as tornaram muito, muito interessantes! Para entender isso de forma melhor é preciso entender suas fases: 1) fase do espírito; 2) fase dos poderes rápidos; 3) fase dos colonizadores; 4) fase dos poderes lentos; e 5) passagem do tempo. Não detalharei a última, pois ela é apenas uma fase de limpeza e preparação para o próximo turno.
De forma muito sumarizada, na primeira fase, a dos espíritos, os jogadores essencialmente podem realizar as seguintes ações: gerenciar a economia de seu principal recurso, a energia, espalhar sua presença/influência por diferentes territórios e adquirir novas cartas ou poderes. Uma vez decidido isso, os jogadores selecionam as cartas que utilizarão naquele turno e pagam seus custos em energia. Essencialmente, os poderes dos espíritos podem ser rápidos ou lentos. Os poderes rápidos ocorrem antes da fase de ação dos colonizadores, enquanto os poderes lentos ocorrem depois da ação deles.
Na fase dos colonizadores, através de um deck de cartas, serão escolhidos os territórios nos quais cada uma das ações deles ocorrerá. São elas: atacar a terra, construir e explorar. Na primeira etapa, a de ataque, conforme o tipo e quantidade de peças, os colonizadores trarão dano à terra e aos dahan que ocupam aquele território. Caso sejam gerados 2 ou mais de dano naquele ataque, será necessário adicionar uma peça de corrupção àquele território. Caso o território já apresente uma peça de corrupção, você acrescenta mais uma àquele território e mais uma a um território adjacente. Na segunda etapa, a fase de construção, serão acrescentadas vilas e cidades aos territórios já colonizados. Na última etapa, o jogador saca uma nova carta do deck dos colonizadores e aquele território será explorado, isto é, serão colocadas novas peças de exploradores. Ao fim dessa fase as cartas avançam, sendo descartada aquela na qual ocorreu o ataque nesse turno, e você sabe antecipadamente onde ocorrerão o ataque e a construção no próximo.
Na fase dos poderes lentos, que ocorre após a fase de ação dos colonizadores, os espíritos realizam os efeitos das cartas previamente selecionadas.
Bom, uma vez explicado o desenrolar do jogo, gostaria de pontuar por que o acho tão interessante:
1) Os jogadores planejam suas ações antecipadamente e as realizam em duas fases: poderes rápidos, que acontecem antes das ações dos colonizadores, e poderes lentos, que acontece após. Você consegue se programar e antecipar uma parte das ações dos seus oponentes, mas não todas. O desafio que isso impõe e, sobretudo, o fato de você conhecer os locais onde os colonizadores atacarão e construirão no próximo turno faz com que você precise muito bem ponderar quais cartas utilizará agora, tanto para ação rápida quanto lenta, e quais cartas deixará para o próximo turno. Isto é, você precisa planejar sempre para no mínimo dois turnos: o atual e o próximo.
2) O jogo trabalha com dois recursos fundamentais: energia e medo. A energia é produzida pelos próprios espíritos e através de algumas cartas e serve para custear suas ações turno a turno. O medo é provocado pelo efeito de algumas cartas e pela destruição direta de vilas e cidades. Na medida em que você produz mais medo, o nível de terror do jogo se modifica e, com isso, as condições de fim de jogo. Este elemento traz uma nova camada estratégica ao jogo e é impressionante como isso o torna atrativo.
3) A gestão de mão é brutal. Além de utilizar bem seus poderes iniciais, você precisa selecionar bem novos poderes adquiridos ao longo do jogo para máxima interação com suas outras cartas e a dos outros espíritos. Há um certo set collection nisso, pois as cartas possuem símbolos elementais que podem desencadear outros efeitos/poderes dos próprios espíritos e das cartas. Em conjunto, estes elementos fazem com que todas as decisões a respeito de quais cartas jogar e quais novas cartas pegar torne-se essencial para o sucesso do jogo.
4) A rejogabilidade é infinita. A caixa básica tem 8 espíritos com graus de complexidade e poderes bastante diferentes entre si, que podem ser combinados das formas mais variadas. Os mapas podem ser montados em diferentes configurações e possuem 2 lados bastante distintos, que podem modificar bastante o jogo. Adicionalmente, você dificilmente escolherá os mesmos poderes em todas as partidas. Os colonizadores nunca agirão da mesma forma. Há ainda cenários e oponentes (nações colonizadoras) que modificam um pouco as regras e acrescentam muito nesse aspecto.
5) Os componentes e a arte do jogo são excelentes. Tudo podia ser mais simples, mas não fizeram dessa forma, o que eu achei um grande acerto. Ficou um jogo bonito, vistoso e com muita presença na mesa. Pense no Scythe: tudo podia ser cubinho ou peças de madeira diferentes, mas não é e isso é bom.
6) Para o jogo solo, Spirit Island roda bem comum único espírito. É legal jogar com duas mãos (2 espíritos) para experimentar a interação entre os poderes deles, mas eu confesso que tenho preferido jogar só com um. Perde-se um pouco, mas conforme eu for assimilando mais as estratégias, possivelmente jogarei com dois em definitivo. Para o jogo multiplayer, eu recomendaria mesas de 3 a 4 jogadores somente quando todos tiverem boa noção das regras e do jogo em si, senão será aquela coisa interminável e, ao fim, chata.
7) O que eu mais gostei: esse jogo tem toda a profundidade estratégica que as decisões do Mage Knight tem, mas com um setup mais rápido e um gameplay também mais rápido. Embora sejam jogos bem diferentes entre si, ele tem aquele gostinho desafiador que o Mage Knight tem também.
Depois de jogar várias vezes, cheguei à conclusão de que Spirit Island é meu jogo “gato de Schordinger”. Ele é um jogo melhor que Mage Knight, mas não é um jogo melhor que Mage Knight ao mesmo tempo. Por quê digo isso? A experiência solo global de Spirit Island, para mim, tem sido melhor que a do Mage Knight – gameplay viciante e variável, desafiador, repleto de decisões interessantes, setup rápido e jogo mais rápido.
Mas não dá para ser mais jogo que Mage Knight, ele é perfeito demais.