Escrita por: Rodrigo Neves.

Ficha do Jogo:
Sonhando com Alice é um jogo criado pela Histeria Games, por financiamento coletivo, com previsão de lançamento para 2017. Cada jogador em seu turno, precisa escolher os dados de algum personagem, disponíveis no tabuleiro, para ativar sua respectiva ação. Tais ações irão ajudá-lo a caminhar nas trilhas de pontuação, concluir objetivos secretos, completar desafios de set colletion ou tomar a frente no controle da influência sobre os personagens, que são as diversas formas de angariar pontos ao final da partida. É um jogo que vende uma proposta familiar/infantil pela sua arte e nome, mas que na verdade, se configura em um euro médio-leve no estilo “salada de pontos”.
Desenvolvido pelo designer brasileiro Daniel Alves, também autor de outros jogos como Masmorra de Dados, Caçadores da Galáxia e Os Reinos de Drunagor, “Sonhando com Alice” é um jogo rápido, que dura no máximo 1 hora, incluindo a explicação, de 2 a 4 jogadores e sem dependência de idiomas, além de estar em português.
Mecânicas:
- Rolagem e Seleção de Dados;
- Coleção de Componentes;
- Controle de Área.
Síntese do Jogo:
A versão disponibilizada para esta resenha, ainda é de protótipo, mas apesar das cartas, caixa e tabuleiro não serem definitivos, já passam uma ótima ideia de como ficará depois de pronto. Segundo o autor, a arte usada nesta cópia já é a final também. A arte do jogo é muito bela... um conjunto de cores bem vivas e harmonioso. O tabuleiro possui tamanho médio, suficiente para alocar as peças da partida com bastante espaço.
Os componentes de plástico são de boa qualidade, com destaque positivo aos dados coloridos, disponíveis em 6 cores diferentes, com acabamento brilhoso e polido. Os demais marcadores e peças são qualidade suficiente, mas nada fora da curva. Os discos pretos são cogumelos, os discos coloridos representam os soldados de cada jogador, os cubos servem para marcar os desafios pessoais de cada jogador, os cilindros são “casulos” que marcam a pontuação na trilha da lagarta e os meeples representam os jogadores na trilha do coelho.
O jogo conta com 4 decks de cartas, de padrão mini-euro. Existem as cartas do Chapeleiro Maluco, do Gato, os desafios da Alice e cartas de objetivo secreto (fundo de coração), que serão explicadas ao longo desta resenha. Por fim, existem os tabuleiros individuais de cada jogador, com seus respectivos personagens.
O setup do jogo é muito rápido. Cada jogador escolhe um personagem e uma cor. Recebe então seu tabuleiro individual, todas as peças da cor escolhida, dois cogumelos, um conjunto de 6 dados de cada cor, um desafio que ficará aberto e uma carta de objetivo secreto. Cada jogador coloca seus marcadores de trilha nas posições iniciais respectivas, abrimos 6 cartas do gato no alto do tabuleiro e os decks embaralhados são colocados no board, próximo aos seus respectivos personagens... e pronto... podemos iniciar a partida.
O jogo transcorre por sucessivas rodadas, que devem ser cumpridas de forma integral, até que alguma condição de fim de jogo seja disparada. Isto garante que cada jogador terá escolhido a mesma quantidade de dados de ação ao fim da partida. Uma rodada começa com todos os jogadores rolando os dados que estão à sua disposição, e alocando-os de acordo com suas faces no tabuleiro. Nesta distribuição não importa as cores, apenas as imagens de cada face.
Na primeira rodada, o jogador inicial é o jogador mais novo. No fim da rodada, está condição deve ser passada ao jogador a sua esquerda, que será o novo jogador inicial. As rodadas são divididas em turnos, em que cada jogador deve escolher um dos personagens do tabuleiro com dados disponíveis, selecionar todos estes dados e colocar em seu tabuleiro individual. Em seguida, ele deve executar a respectiva ação do personagem.
NOTA: O número de dados que o jogador pode pegar, está limitado ao espaço disponível no seu player board. Caso ele não tenha espaço para pegar todos os dados disponíveis, deve ficar a seu critério selecionar apenas alguns deles. Mas tendo espaço, deve pegar todos ou o máximo que couber. Neste ponto entra uma decisão importante já. Ações com muitos dados são mais fortes e efetivas, mas impedem que os jogadores atuem em outras frentes naquela rodada. É o dilema entre uma ação mais forte ou várias mais fracas.
Vejamos agora, quais são os personagens do jogo, e quais serão as ações disponíveis para cada um deles:
Personagem 1 – Chapeleiro Maluco: Esta ação independe da cor dos dados selecionados, apenas da quantidade deles. De acordo com o número de dados escolhidos pelo jogador, ele poderá comprar 1, 2 ou 3 cartas do Chapeleiro para sua mão, respeitando o limite de seis para o tamanho de mão. As cartas de Chapeleiro podem ser usadas em qualquer momento e quantidade durante o turno de um jogador e são de uso único. São usadas para dar bonificações instantâneas, como fazer pequenos avanços nas trilhas de pontuação, mais cartas, colocar mais soldados na mesa, dão dado virtual extra, ajudam a mudar a face de um dado ou rerolar um grupo deles...
Entretanto, algumas destas cartas também podem aparecer para atrapalhar os demais jogadores, como perder um soldado, perder um cubo já marcado no desafio da Alice ou voltar um pouco nas trilhas de pontuação. Aí você pensa: “ – Ah não! Take this ninguém merece...”. Mas neste jogo existe uma solução curiosa para amenizar estas intervenções dos oponentes. Em primeiro lugar que as cartas negativas não são direcionadas um oponente, mas a todos, e isto evita a perseguição. Outro ponto, todos os jogadores possuem dois cogumelos que podem ser usados para evitar os efeitos negativos destas cartas. Porém eles também são usados em outros momentos, então saber quando mantê-los ou usá-los é uma decisão importante. Mas não é nada fora da realidade, pois não é tão difícil recuperar cogumelos durante o jogo.




Personagem 2 – Lagarta: Esta ação depende diretamente da cor dos dados e da quantidade deles. De acordo com a tabela no tabuleiro, que atribui um valor para cada cor de dado, somamos o valor dos dados selecionados e andamos esta distância na trilha da Lagarta, que fica na parte inferior do board. Esta trilha confere pontos de vitória no fim do jogo. Além disto, ao passar pelas imagens de outros personagens, permite ao jogador executar a ação mais fraca deles gratuitamente...
Personagem 3 – Coelho: Similar a ação da Lagarta, esta ação depende diretamente da cor dos dados e da quantidade deles. De acordo com a tabela no tabuleiro, que atribui um valor para cada cor de dado, somamos o valor dos dados selecionados e andamos esta distância na trilha do Coelho. Esta trilha é mais longa, porém confere uma pontuação direta mais alta aos jogadores.

Personagem 4 – Alice: Esta ação depende diretamente da cor dos dados. No início da partida, cada um recebe uma carta de desafio Alice, que corresponde uma imagem com quatro dados. Ao pegar dados desta cor na personagem Alice, o jogador pode cobri-los com seus cubos. Quando todas as imagens estão cobertas, o desafio é satisfeito e garantirá uma pontuação no fim da partida. A carta deve ser virada, e outra é comprada imediatamente. Durante a partida cada jogador sempre tem um desafio em aberto para cumprir. Neste ponto temos um leve Set Colletion no jogo, que não deve ser desprezado, pois tem grande impacto na pontuação final.



Personagem 5 – Rainha: Esta ação independe da cor dos dados selecionados, apenas da quantidade deles. De acordo com o número de dados escolhidos pelo jogador, ele poderá colocar 1, 2 ou 3 de seus soldados no tabuleiro, sobre algum dos seis personagens que existem. Os soldados “exercem” influência sobre os personagens e servem para uma pontuação de fim de jogo, na forma de controle de área por maioria simples. No fim da partida, para cada personagem, quem tem maioria recebe 4 pontos de vitória e o segundo lugar recebe 2 pontos. Em geral, nas partidas que pude jogar ou assistir, esta parte foi bastante negligenciada.



Personagem 6 – Gato: Esta ação depende, em primeira instância, de quantos de dados foram escolhidos, e em um segundo momento, da cor dos dados selecionados. De acordo com o número de dados escolhidos pelo jogador, ele poderá executar 1, 2 ou 3 ações do Gato, que estão disponíveis nas cartas de Gato que foram colocadas no setup. Mas só poderá escolher entre aquelas as quais possui dados da cor a disposição.
OBS: Cada personagem possui uma habilidade especial que é ativada quando ele seleciona todos os seis dados de uma só vez. Em geral são habilidades bem simples, que não conseguem incluir o jogo na categoria de “jogadores com diferentes habilidades”. Dependendo da leitura do jogo e estratégia, pode até ser algo que influencie significativamente, mas não é a regra.
OBS2: Cada jogador possui dois cogumelos, que podem ser usados para evitar o efeito negativo de uma carta do Chapeleiro Maluco. Além disto, cogumelos podem ser usados para virar a face de um dado do tabuleiro ou rerrolar todos os dados de um personagem. A única exceção é que os dados pretos não podem ter a face alterada. Estas mudanças sim, são ações que quando bem planejadas, podem potencializar as ações de forma bem significativa. Um cogumelo é recuperado quando o jogador recolhe um dado preto para uma ação, independente de qual seja.
Os jogadores fazem suas escolhas e ações em turnos, até que todos tenham preenchido seus seis dados da rodada. Quando um jogador completa seu board individual, ele será pulado até o fim da rodada. O jogo seguirá por rodadas consecutivas até que uma das condições abaixo seja atendida:
- Quando um jogador chegar ao fim da trilha do coelho;
- Quando um jogador chegar ao fim da trilha da lagarta;
- Quando um jogador colocar todos os seus soldados em jogo;
- Ou quando um jogador completar seu quinto desafio da Alice.
Exemplo de cartas de objetivo secreto.
Ao final da última rodada, os jogadores irão contar seus pontos, somando os valores obtidos nas trilhas da Lagarta e do Coelho, os objetivos secretos, desafios da Alice completos e alguma carta que conceda algum ponto de vitória extra. O vencedor será o jogador com mais pontos.
Avaliação:
Sonhado com Alice é um jogo com diversas formas de se conseguir pontos ao final da partida, seja avançando nas trilhas, por objetivos, desafios ou controle de área. Se enquadra no famoso estilo “salada de pontos” que os fãs de Stefan Feld tanto gostam. É um jogo que curiosamente vende uma proposta familiar/infantil pela sua arte e pelo seu nome, mas injustamente. Na verdade, se configura em um euro médio-leve de boa qualidade, rejogabilidade e que permite boa prospecção de jogadas e leitura de mesa.
A arte está muito bem-feita, as cores bem escolhidas e os componentes de qualidade honesta. Do ponto de vista visual... a única coisa que não me agradou, e isto configura uma opinião pessoal minha... foi a opção pelos personagens comuns e jogadores serem infantilizados, com figuras meio cartunescas e cabeçudas. Acho que este foi um dos principais responsáveis pela imagem equivocada de “jogo bobo” ou “jogo de criança” que foi passado ao longo da campanha, no boca-a-boca. E que não condiz com o que o jogo realmente é. Vi muita gente chegar com o pé atrás e, depois de uma partida, sair elogiando o jogo.
Não é um jogo com apelo temática e boa imersão. Apesar do tema Alice no País da Maravilhas fornecer base para uma arte muito bacana, jogos de salada de pontos em geral privilegiam muito as mecânicas e o balanceamento entre elas. Aqui não seria diferente... temos um jogo bem amarrado e coerente, mas com uma proposta na verdade abstrata. Apenas de ter algumas sacadas com sentido dentro do tema do jogo, não é possível nos sentir como aventureiros no País das Maravilhas, nem sacar referências claras com relação a obra literária. Na verdade, o jogo é basicamente uma mistura de avaliar jogadas, ler as intenções dos oponentes e tentar criar o melhor combo de pontos possível. Espero que entendam que isto não é uma crítica. Uma grande parte dos meus jogos favoritos são assim também.
Muito eurogamers de carteirinha podem torcer o nariz pelo fato do jogo usar um grande conjunto de dados. Mas é importante frisar que este jogo não é trabalha com alocação de dados, e sim seleção de dados. Os dados disponíveis no tabuleiro são públicos e coletivos, eles servem para dar pesos diferentes para cada uma das seis ações do jogo a cada rodada. Esta característica é bacana, pois exige que o jogador seja mais flexível com relação a sua estratégia e se veja forçado a criar várias frentes de pontuação. Pensando assim, a sorte dos dados não é tão significante assim. Mas juntando com a aleatoriedade das cartas de objetivo e do Chapeleiro, eu classificaria o jogo como de sorte média, mas certamente abaixo do esperado.
Em suma, Sonhando com Alice é um jogo que me agradou pela jogabilidade, pela curta duração e arte muito bem feita. É uma pena ter sido um jogo mal interpretado por algumas pessoas, que acabaram contribuindo para propagar uma imagem incorreta dele pelas redes sociais, mesmo sem ter a oportunidade de jogar uma partida. Creio que uma parcela desta responsabilidade acabe recaindo sobre a própria editora, que foi relativamente econômica com relação a disponibilização de protótipos antes e durante a campanha. Fica a sugestão para os próximos projetos. O jogo é muito bom, certamente teria muito mais fãs aí por fora, se mais pessoas tivessem a oportunidade de conhece-lo. De qualquer forma, fico satisfeito em saber que o jogo já foi financiado, e que o projeto sairá do papel.
Link do financiamento coletivo aqui.
Link do financiamento coletivo aqui.