Caros Boardgamers
Acredito que essa entrada da Estrela no mercado de boardgames pode ser muito positiva, porque ela opera em uma escala de produção absurdamente maior do que as empresas nacionais do setor, além de possuir um parque fabril próprio, que facilita sobremaneira produzir um jogo de tabuleiro, conforme foi dito no vídeo. Mas outros fatores igualmente importantes que não foram citados, é que a Estrela não apenas é uma marca estabelecida e que faz parte do próprio conceito de brinquedo, na mente do brasileiro, mas ainda tem acesso a condições de financiamento muito maiores, ou seja, ela pode investir mais e apostar mais em um determinado produto, assim como também dispõe de um espaço na mídia, sem comparação com as demais editoras.
Além disso, a Estrela tem muita “bala na agulha”, e certamente vai negociar com as editoras internacionais em outros termos. Uma coisa é uma editora nacional propor a uma editora gringa, produzir uma tiragem de 2.000 unidades de um jogo, que ainda assim, terá de ser impressa na China e que dependerá da realização de uma tiragem mundial. Outra coisa muito diferente é a Estrela propor a uma editora gringa, produzir um jogo no Brasil, com uma tiragem exclusivamente nacional, mas na casa das 50.000 unidades. Esse número para a Estrela é “troco de pinga”, porque alguns de seus jogos têm tiragens anuais muito maiores, vide “Detetive” e “Banco Imobiliário”.
Esses novos parâmetros talvez influenciem as editoras nacionais a investirem em tiragens maiores e preços menores, evidentemente cada empresa dentro das suas possibilidades. Não tenho nenhuma dúvida de que o maior impedimento ao crescimento e fortalecimento do hobby é que as empresas nacionais estão cada vez mais focadas em produzir tiragens cada vez menores a preços cada vez maiores, até porque isso é muito mais seguro empresarialmente, apesar de gerar um lucro menor, e manter o mercado do mesmo tamanho, ou até mesmo reduzi-lo no longo prazo. No caso de algumas editoras, essa é até uma forma de garantir a sua própria sobrevivência, porque errar em um lançamento pode significar o fechamento da editora. A Estrela evidentemente não tem esse tipo de preocupação orçamentária.
Por outro lado, não sei se mesmo as grandes tiragens em que a Estrela trabalha serão suficientes para convencer as editoras gringas a permitirem uma tiragem exclusivamente nacional. Da mesma forma, não tenho muita certeza se a Estrela estará disposta a investir em uma tiragem tão grande de um produto que atende a um mercado ainda tão restrito. Há ainda a questão da qualidade dos componentes dos jogos. Tanto a Estrela quanto a Grow vendem jogos na casa de R$ 100,00 / R$ 150,00, mas com componentes bem abaixo do padrão com que o mercado de boardgames está acostumado, a começar pelas caixas, e isso talvez seja um empecilho para a produção de jogos internacionais. Assim sendo, não dá para saber, se a Estrela conseguiria, ou até mesmo se seria interessante para a empresa, produzir esses jogos com um padrão mínimo de qualidade aceitável, e ainda assim manter os seus preços tão atraentemente baixos. Considerando que a Estrela lançou uma nova linha de produtos, o “Estrela Premium Games” ainda é muito cedo para saber se os novos jogos lançados nessa linha terão, ou não, o mesmo padrão de qualidade dos demais produtos da empresa. Nesse sentido, vale lembrar o exemplo da Grow, que até que tentou entrar no mercado de boardgames, mas não deu muito certo, porque não faz sentido uma empresa que trabalha com tiragens na casa de 50.000 unidades anuais de um produto, de repente investir em produtos similares cuja tiragem total é de 3.000 a 5.000 unidades. Por isso, se a Estrela entrar no mercado para vender jogos na base de R$ 300,00 ou R$ 400,00, com tiragens de 3.000 unidades, na verdade, o que teremos será mais do mesmo, e isso é a última coisa de que o mercado nacional de boardgames precisa.
Obviamente, em se tratando de jogos nacionais a história é muito diferente, e a Estrela não terá de atender os altos padrões das editoras gringas, o que pelo menos em tese facilita o lançamento desses jogos de designers brasileiros, além, é claro, dessa ser a filosofia histórica da empresa.
Por fim, eu espero que a entrada da Estrela no mercado de boardgames signifique uma mudança de paradigmas e rumos para o hobby, porque com toda a sinceridade se o preço médio dos jogos continuar subindo do jeito que está a cada ano, como parece ser a tendência, no futuro o universo do jogo de tabuleiro nacional será cada vez mais excludente, elitista e menor, do que já é.
Um abraço e boas jogatinas.
Iuri Buscácio