O publico brasileiro de boardgame é mais recente e por isso o jogo Glory to Rome não é conhecido por muita gente. Glory to Rome é tido a pérola cult dos boardgames. Ele está para os cardgames assim como Laranja Mecânica está pro cinema Cult sabe. Só que imagina então se a distribuição de Laranja Mecânica estivesse proibida e todas as cópias existentes em DVD ou VHS estivesse na mão de algumas poucas pessoas. É mais ou menos isso que acontece com Glory to Rome.
Esse jogo tem umas histórias bizaras sendo a principal delas um KS que deu errado, custou 50 mil dólares além do arrecadado fazendo com que o produtor falisse, perdesse sua casa por conta de hipoteca e desistido de qualquer outra produção do jogo. Resultado, esse ícone do boardgame cult e para muitos o melhor cardgame já feito, é encontrado a venda, em sua versão inicial de péssima qualidade e ilustração horrível, por não menos que 300 dólares. A versão Black Box feita no Kicstarter com qualidade melhor, expansão e promos então? É preço de obra de arte.
Uma das principais vantagens de Glory to Rome é o fato de que o jogo termina ou se desenvolve de acordo com as cartas que os jogadores tentarem construir. A mera construção de uma carta ou prédio pode mudar até mesmo os critérios de vitória e de fim de jogo. Desta forma,existem milhares de estratégias e dificilmente uma partida é sequer parecida com a outra. Imagina jogar Terraforming Mars com todas as expansões, milhares de combos possíveis. Agora imagina que além disso, cada carta do Terraforming possa ser usada pra 5 ações/coisas diferentes. Entendeu quantas possibilidades esse jogo oferece? Entende que a rejogabilidade é quase que infinita?
E por que eu estou falando isso sobre o Glory to Rome? Bem, por que Fort é claramente uma ode, ou um jogo baseado nos conceitos de Glory to Rome. Mas vamos segurando as expectativas. É uma versão bem mais simplificada, mais intuitiva e com menos regra do GtR. O conceito está lá, mas é outro jogo.
E vamos ser honestos, Fort é um jogo com qualidade por si só. Seja por causa dessa arte e ilustrações super bacanas do mesmo artista de Root, ou seja pelo inusitado tema de crianças no parquinho de areia. E as cartas representam as crianças que estão brincando com você.
Resumidamente, a sua mão representa os seus amiguinhos que estão brincando com você, e os naipes da cara, estão o tipo de brincadeira que cada um está disposto a brincar (Arminha, skate, livrinho, etc). Na sua jogada você escolhe uma carta pra jogar. Nela, você tem uma ação que só você pode fazer e outras que todos os jogadores da mesa(inclusive você também) podem te seguir e fazê-la também. Para isso, basta eles descartarem uma carta do mesmo naipe.
Aqui você já vê uma coisa que lembra o Glory to Rome, que é isso de descartar uma carta igual para seguir a ação, mas também um feeling de Puerto Rico sabe. Digo que me lembra o Puerto Rico pois tem muito de saber o timing de fazer cada coisa, onde você pode maximizar o seu benefício e minimizar o benefício de quem pode seguir. A carta que você escolhe é importante pra você fazer a ação, mas tem que tomar cuidado de saber o que você está oferecendo de ação pro resto da mesa.
E aqui, existe uma maneira de combar, que é, você pode descartar várias cartas do mesmo naipe junto, para dar uma potencializada na ação. Tipo, se você jogou 3 cartas de arminha (ou coringa) juntas, você pode fazer aquela ação da carta do topo 3x. Quem seguir, faz apenas 1x.
E o resto da sua mão? Bem, as cartas utilizadas, voltam para seu descarte(como um deck building) e aquelas que não usou, vão pra caixa de areia, que é um local a frente do seu tableau onde elas ficam disponíveis para serem compradas pelos adversários. É como se você não tivesse brincado com aqueles amiguinhos, só com os outros e por isso eles ficaram na caixa de areia do parquinho e se outra criança chamar eles pra brincar eles te deixam e vão brincar com os outros.
E isso é bem legal por que o jogo tem um quê de deck building, onde você vai montando seu deck para potencializar suas ações que vão dar pontos, mas ao mesmo tempo, se você não utilizá-las sempre, elas podem ser compradas pelo seu adversário e ir pro deck deles sabe.
E as ações que você pode fazer são inúmeras. Uma delas é guardar a carta embaixo do seu tableau(vide arminhas guardadas a esquerda do tabuleiro na foto abaixo) pra elas sirvam como um boost fixo daquele naipe para sempre. Quem jogou Glory to Rome sabe que isso funciona como o contratar um ajudante. A carta fica ali e toda vez que você jogar uma carta do naipe dela, ela já soma no numero de vezes que você pode performar ações.
O que eu gostei de Fort é que ele, embora não tenha a complexidade estratégica e nem de longe a mesma rejogabilidade do Glory to Rome, ele é um jogo que entrega muito numa partida que deveria levar 30 a 40 minutos sabe. E tudo isso num conjunto de regras mais simples, mais intuitivo (um claro problema do GtR) e numa caixinha pouco maior que a caixa de Exit.
E por ser um engine/deck building curto, tem 2 timings que você precisa dominar pra jogar o jogo direito: (1) o timing que você pode oferecer uma ação mais poderosa pra mesa que ela não pode se utilizar bem disso e (2) o timing de virar o deck building de uma máquina em construção para uma que está te dando ponto rodada a rodada. Na minha primeira partida por exemplo, eu fiz um deck perfeito, mas o jogo acabou 1 rodada antes de eu poder usar ele. Se o jogo chegasse em mim mais uma vez, era o mega blaster combo daqueles que eu ia filmar e publicar no até no Linkedin. Mas como eu calculei o timing errado, eu fiquei com as cartas perfeitas na mão sem nunca usá-las.

Verdade seja dita, Glory to Rome tem outro jogo feito a sua imagem e semelhança (inclusive bem mais parecido e do mesmo autor) que é o Mottainai, já lançado aqui no Brasil pela Ludofy. Mas com todo respeito a ele, Mottainai tem pequenas mudanças que fizeram com que o jogo fosse igualmente confuso mas nem de longe tão estratégico ou complexo quanto o GtR. Mottainai até hoje é odiado pela minha esposa que perguntava 200x "O que é a ação criar? E como é a ação Completar? E como é a ação Criar?" parecendo o Chaves em seu loop de perguntas. Nesse ponto, Fort foi intelegente o suficiente para simplificar o que podia para ser mais fácil de explicar e entender, e ao mesmo tempo entregar uma experiência boa o suficiente para que você termine querendo jogar de novo.
Não é a toa que este pequeno jogo foi um dos lançamentos destaques no ano e, como tem sido padrão com a Leder Games (editora de Root, Vast, etc) teve o 1o lote internacional esgotado rapidamente e já passou por reprint.
Muita gente acabou reclamando do jogo ter regras complexas e demorar mais de 30 minutos explicando pra uma partida que duraria 30 minutos. Eu sinceramente não entendi essa crítica, pois o Como Jogar tem tipo 4 ou 5 páginas e o jogo se pega muito rápido assim que você entende a iconografia que nem de longe é complicada.
No final, pra mim, o fato de ser um jogo pequeno, curto, bonito, relativamente barato, com uma produção maravilhosa e principalmente, com um bom nível de interação e rejogabilidade, fizeram dele, um dos meus favoritos de 2020. Nesse momento, só existe na versão importada, mas tá aí um jogo que teria facilidade de produção pro Brasil e com certeza teria publico para tal.
LPP, o Red Meeple: Apesar de ser conhecido por ser Eurogamer e apreciador de jogos mais complexos, não dispensa uma partida de filler ou jogos divertidos e de curta duração. Começou com Catan, jogou muito Munchkin mas até hoje é conhecido por 2 coisas: jogar sempre de vermelho e ter escrito o Guia de Twilight Imperium.