Um dos assuntos mais discutidos nas últimas semanas tem sido as eleições, seja a que elegeu o próximo presidente americano, seja a nossa eleição municipal do próximo dia 15 de novembro. Debates, pesquisas eleitorais e até mesmo entender a forma como se dão esses sistemas eleitorais têm sido o tema de diversos textos, programas de TV e vídeo de YouTube por aí afora. Nesse clima eleitoral, nada melhor do que falar sobre um jogo de eleições. Na verdade, não só “um jogo”, mas “o jogo”. Die Macher é considerado ainda hoje, quase 35 anos após seu lançamento, o melhor jogo que aborda o tema. Ou até mesmo simplesmente o melhor jogo, para muitos.

Durante muitos anos Die Macher esteve out of print, mantendo a mística de ser um jogo difícil de conseguir, e difícil de jogar. Principalmente devido ao peso 4,4 no BGG que já afastava boa parte das pessoas da mesa, quando a rara oportunidade surgia. Mesmo tendo 3 edições com algumas alterações entre elas (a primeira em 1986, a segunda em 1993 e a terceira em 2004), o jogo se sustentava como um graal para a maioria dos jogadores. Até que, em 2019, a editora alemã Spielworxx, famosa por edições limitadas de jogos pesados e com produção no limite do que poderia ser considerado “ok”, conseguiu os direitos para lançar a aguardada quarta edição do jogo. O jogo que ostenta o titulo de número 1 — por ser o primeiro cadastro no site — do BoardGameGeek estaria mais uma vez disponível para compra através de uma campanha de financiamento coletivo.




Com revisão do próprio designer do jogo, Karl-Heinz Schmiel, o jogo foi “modernizado”, atualizando diversos detalhes do próprio tema do jogo como os partidos e pautas em debate, mas também foi revitalizado para uma geração que se incomoda com mecânicas datadas, principalmente aquelas que podem tirar um jogador do jogo cedo demais. No geral, no entanto, trata-se do mesmo jogo, com nova arte e uma nova abordagem — meio que o mesmo que fizeram com Brass: Lancashire.

Die Macher é um jogo sobre política, sobre políticos, sobre eleições, mas também sobre a influência da mídia e da opinião pública. É um jogo com baixíssima influência de sorte, mas com muita influência das decisões dos jogadores mudando o status quo da sociedade no tabuleiro, interagindo e disputando cada detalhe, naquilo que pode se dizer ter sido uma das grandes influências no que conhecemos hoje como um euro game. Sim, antes mesmo de Catan — mas depois de Acquire, considerado por muitos o pai dos euro games.




Como no mundo real, em Die Macher o que manda é o dinheiro. No começo da partida e ao longo das rodadas seguintes, os jogadores recebem financiamento do fundo eleitoral e devem usar esse dinheiro para garantir sua vitórias nas eleições estaduais. Durante as 4 rodadas do jogo, os jogadores irão disputar diversas corridas eleitorais para que, no final de cada rodada, uma eleição aconteça em uma das quatro áreas do tabuleiro central do jogo. Cada parte desse tabuleiro representa um Estado — ou Unidade Federativa — da Alemanha e terá sua eleição ao final de uma rodada específica. Vale lembrar que nas versões originais do jogo eram jogadas por 7 rodadas, mas, visando deixar o jogo mais enxuto, essa opção se tornou uma variante estendida do jogo. E, vale dizer, a versão mais curta realmente aumenta a tensão de cada rodada, deixando o jogo na medida certa.




No começo da partida são sorteadas 4 cartas de Unidades Federativas, que são posicionadas uma em cada área, assim os jogadores sabem o que está em jogo desde o começo. Cada Unidade Federativa tem uma pontuação diferente, baseada no tamanho da sua população, e cada carta indica quantos votos você precisa ter para pontuar ali. A questão é que não necessariamente você precisa ter o máximo de pontos para vencer a eleição. Cada área tem uma trilha que marca seus votos em cada eleição e para vencer você precisa obedecer alguns critérios, que vão ser explicados mais à frente. Nesta área também existe um marcador que indica a tendência de seu partido, ou o quanto há inclinação para votar em seu partido nessa Unidade Federativa.

Além do sorteio das UFs, os jogadores também começam o jogo sorteando 5 pautas, ou seja, os assuntos em que seu partido tem uma agenda e que precisam controlar ao longo da partida. Cada UF também terá as mesmas pautas, representadas no tabuleiro da região. Porém, somente as 4 referentes à primeira eleição estão visíveis, além de 3 da segunda região, 2 da terceira e 1 única pauta da última UF a realizar as suas eleições. Ou seja, desde o começo do jogo os jogadores poderão se organizar e buscar enquadrar suas agendas com as agendas das UFs, da opinião pública, mas sem ter o conhecimento total delas. Aqui é onde o jogo acontece de verdade. Para adequar suas agendas, ou mudar a opinião pública para se adequar ao que pensa o partido, os jogadores então irão jogar cada rodada, passando por 9 diferentes fases, em que será possível não só interagir com a opinião pública, mas também mudar a própria agenda do partido.




As pautas indicam, em suma, se seu partido é contra ou a favor de uma determinada agenda política. Por exemplo, existe nessa nova versão uma pauta sobre a “digitização”, que basicamente se refere à modernizar e transformar os processos para meios digitais. Existe uma carta contra e uma a favor dessa pauta, ou seja, duas agendas diferentes. No começo do jogo, no sorteio, uma Unidade Federativa pode ser contra essa pauta, a favor dela, ou mesmo não ter opinião nenhuma (a carta não saiu para esta UF). O conjunto das 4 cartas de pautas define a agenda da UF, assim como as suas 5 cartas de pautas definem a agenda do seu partido. Cabe a você fazer com que esses interesses sejam os mesmos, ou os mais comuns possíveis, pois é isso que irá gerar votos para o seu partido.

Assim, em cada fase do jogo, os jogadores poderão realizar algumas ações como trocar suas cartas de pautas para ajustar sua agenda, não podendo nunca ter uma carta contra e a favor do mesmo tópico, mas podendo mudar o rumo que seu partido irá tomar. Também é possível influenciar a mídia para que esta mude a opinião pública a fim de que a agenda seja mais próxima da sua. Os jogadores também poderão organizar comícios pelas Unidades Federativas atraindo eleitores, o que poderá se converter em votos caso sua agenda confira com a agenda da região.




Numa outra fase do jogo, por exemplo, é possível enviar um político a cada região para influenciar o destino do que acontece ali. Nesta fase, cada jogador poderá escolher 1 entre 5 (ou 7 no jogo avançado) opções de cartas que ele tem desde o começo do jogo, enviando para uma UF específica e resolvendo seu efeito que poderá ser o de ganhar votos diretamente, de alterar uma pauta ou ainda de influenciar a população de tal forma que uma das pautas se torne a pauta mais importante da eleição — na prática, dizendo que esta pauta será contada duas vezes na resolução da eleição daquela região. Ainda é possível aumentar sua tendência ou diminuir a de algum adversário, algo como se você tivesse ido à imprensa e falado muito mal daquele partido. Coisas que acontecem na vida real.

Na sequência, os jogadores ainda poderão realizar pesquisas de opinião — aquelas famosas DATAFOLHA — e consultar se seu partido está indo bem nas pesquisas. Acontece que nesta fase ocorre um leilão para ver quem irá ficar com o resultado das pesquisas e, ainda, será possível revelar ou não este resultado. Isso porque as pesquisas podem ser desfavoráveis ao seu partido e revelar o resultado vai influenciar diretamente na tendência naquela rodada. O jogador pode não revelar o resultado e ganhar membros para seu partido com isso. Mas caso revele, deve mudar a opinião de todos os partidos na região, seja favorável ou não para o jogador. Por isso é importante ter o controle dessa informação e divulgá-la somente se necessário.




No fim da rodada ocorre a fase mais importante, em que tudo o que você fez será transformado em votos. Aqui os partidos irão comparar suas agendas com as agendas da região em questão, verificar quais são as mais importantes e multiplicar isso pela quantidade de eleitores que tiverem ali. O resultado mostrará quem venceu a eleição (caso ele tenha maioria dos votos e tenha atingido aquele mínimo exigido pela região). Ainda será possível realizar coligações entre os partidos, caso o número de votos não seja suficiente para vencer a eleição — e só isso aqui já daria pra fazer um novo texto e vou deixar pra você descobrir sozinho (SMITH, Rodney).

No final dessa eleição, os jogadores pontuam conforme o resultado naquela Unidade Federativa e se preparam para a próxima rodada removendo — literalmente — esta região do jogo. As cartas restantes da próxima região será reveladas, mostrando as agendas daquela UF, assim como 1 carta adicional de cada região subsequente.

O resultado da eleição determina quantos membros do partido irão se sentar na bancada nacional e isso tem a ver diretamente com quanto dinheiro o partido ganha para a próxima rodada. Vencer as eleições dá também pontos extras. Além disso, o jogador que controlar a opinião pública daquela região ainda tem o direito de escolher um tópico que irá se tornar um tópico nacional (que irá influenciar no resultado final do jogo). Ao final das 4 (ou 7) eleições programadas, o jogo se encerrar e o vencedor é o partido que tiver mais cadeiras no parlamento alemão.




Sem dúvida é bastante coisa pra falar, gravar e até mesmo pra lembrar na hora do jogo. Die Macher não é um jogo com tema de eleição feito pra ser uma grande zoeira, como é comum no Brasil. É um jogo sério, com camadas e mais camadas de estratégias. Com enorme interação e leitura de mesa. Com um tema muito presente e que ajuda a entender a sequência de jogo. Mas também é um jogo que te faz refletir a política, o sistema eleitoral em si e o poder das nossa decisões — se é que elas tem mesmo poder.

Die Macher não foi um jogo super aclamado em sua época e nem vencedor de grandes prêmios, como muitos de sua geração acabaram sendo. Pelo contrário, a maior parte de seu reconhecimento veio nos relançamentos do jogo, como a recomendação no Spiel des Jahres de 1998. Talvez o fato do jogo ter ficado tantos anos sem impressões o fez ser ainda mais considerado um graal, ou mesmo aumentou a sua fama.




Para um jogo de 1986, Die Macher apresenta uma enorme elegância em termos de regras, de dinâmica da partida e, principalmente, de como se dá a interação conflitiva entre jogadores sem que isso seja agressivo ou prejudicial ao divertimento da mesa. Pelo contrário, os momentos de tensão regem cada etapa, cada jogada, e tornam o desafio de leitura da mesa o clímax do jogo.

Essa nova versão do jogo está sem dúvida alguma aprimorada em relação às suas edições anteriores. A sequência de jogo está mais clara, as regras melhores escritas e a duração do jogo se encaixa muito melhor no que o jogo propõe (um jogo de 2h30~3h, e não mais de 5h). Apesar da produção do jogo nunca ter sido um primor, em nenhuma das versões, ao menos nessa sua quarta edição ele apresenta gráficos melhores, com aquele padrão de cores comuns dos jogos da Spielworxx, mas ainda componentes ruins como o tão odiado dinheiro de papel (nada como jogar o jogo com fichas de pôquer).

Die Macher sem dúvida alguma sustenta sua fama, é um jogo completo e complexo, mas que agrada, que entrega o que se espera: toda a tensão da corrida eleitoral e a briga pelo poder — que ás vezes tem sua vertente cruel, às vezes é uma simples questão de mudar seu discurso para ganhar simpatizantes. Assim como 35 anos depois do seu lançamento o jogo permanece relevante, vejo o jogo mantendo seu status por muitos anos mais.


Butilheiro: Joga desde criança, mas só caiu nesse mundo dos jogos de hobby em meados de 2013. Em 2015 começou a criar jogos e em 2016 resolveu escrever sobre eles no canal Deathmatch/The Meeple Kingdom (em hiato). Designer de formação, game designer por paixão mesmo (porque dinheiro não dá).