No nosso canal, agora vamos também fazer entrevistas por escrito com pessoas envolvidas com o desenvolvimento de jogos de tabuleiro no Brasil. O objetivo é o de conversar sobre questões comuns e os desafios colocados para a produção de jogos não apenas aqui no país, mas que também reflitam o amadurecimento de uma escola de designer brasileira, por assim dizer.
Para a terceiro entrevista, convidamos um dos mais prolíficos e talentosos designers do país, Marcos Macri, para falar um pouco sobre o sucesso de Dogs: Card Game, lançamento mais recente da sua editora 'MS Jogos', além de outras questões interessantes, tais como: a influência de outros designers no seu trabalho, o processo de construção temática dos seus títulos, os desafios do desenvolvimento de jogos de tabuleiro no Brasil, dentre outras.
Ficamos bastante felizes com o resultado e esperamos que vocês também gostem e comentem ao final. Agradecemos demais ao Macri, que foi bastante gentil e nos disponibilizou as imagens que ilustram o texto. Segue a entrevista, na íntegra:
Você poderia se apresentar e falar um pouco sobre sua experiência como desenvolvedor/produtor de jogos de tabuleiro?
Meu nome é Marcos Macri. Sou Mágico profissional há mais de vinte anos e Game Designer há nove anos. Publiquei meus dois primeiros títulos em 2011, Pássaros e O Vale dos Monstros (pela Galápagos). Em 2012 fundei minha própria editora, a MS Jogos, com o objetivo de publicar outros jogos de minha autoria que já estavam finalizados. Naquela época havia poucas editoras produzindo jogos de mesa no Brasil e esse foi um dos principais motivos que me levaram a empreender nessa área. Desde então a MS lançou dez jogos, três expansões, uma versão internacional do Dogs nos EUA em 2017 e possui também dois jogos premiados: Jester (Prêmio Ludopedia 2015 na categoria Melhor Jogo Design Nacional pela escolha do Júri) e Xingu (Prêmio Cubo de Ouro em 2019 na categoria Melhor Jogo de Mesa).
Você poderia falar um pouco sobre a influência de outros game designers no seu trabalho?
Toda a minha influência no design profissional vem da escola dos jogos europeus, os eurogames como nós chamamos. Quando conheci os jogos modernos no final dos anos 2000, e mais especificamente os jogos alemães, me apaixonei pelo estilo, características e mecânicas desses jogos. Posso citar inclusive alguns autores que admiro e dos quais sou fã de carteirinha: Reiner Knizia, Wolfgang Kramer, Rudiger Dorn, Stefan Feld, entre outros.
De que forma você enxerga hoje o papel do desenvolvedor de jogos de tabuleiro no mercado nacional?
Vem crescendo o número de jogos de mesa de autores brasileiros em nosso mercado, nos últimos anos. Falo dos jogos já publicados e daqueles que ainda estão em processo de publicação, mas já são de certa forma conhecidos pela nossa comunidade. Isto indica que as editoras estão mais receptivas ao desenvolvedor brasileiro e às suas criações. Entretanto, não podemos nos iludir e achar que já alcançamos um bom lugar ao sol, muito pelo contrário. Nós enfrentamos uma grande concorrência, desleal muitas vezes, com títulos internacionais que entram em nosso mercado com pesadas campanhas de marketing por trás, títulos derivados de franquias famosas, com certo “hype” como se diz atualmente, e é com esses títulos já consagrados lá fora, que precisamos disputar espaço nas prateleiras e na atenção dos jogadores.
A MS Jogos pensa em lançar jogos de outros desenvolvedores algum dia, além dos seus?
No momento ainda não, mas quando isto acontecer, daremos 100% de preferência aos desenvolvedores brasileiros.
Dogs foi um board game lançado em 2013. Como ocorreu a transição do tema de board game para um card game?
A ideia surgiu em 2016 quando lançamos a terceira edição do Dogs boardgame. Por uma série de razões ela ficou numa fila de espera e outros projetos passaram na frente. Este ano, em janeiro, decidi concretizá-la, pois senti que havia chegado o momento. A transposição foi relativamente fácil, mas nossa preocupação era diferenciar ao máximo, a versão em cartas da versão tabuleiro, no aspecto mecânicas e jogabilidade. O objetivo era oferecer aos jogadores um produto derivado do Dogs Boardgame, mas com outra jogabilidade, e acessível também ao público infantil a partir de 7/8 anos.
Como surgiu a ideia de retratar o acolhimento de animais, os cães, nos casos de Dogs board e card game?
A ideia surgiu naturalmente quando o jogo (boardgame) foi desenvolvido há dez anos atrás. A inspiração para o DOGS foi a presença dos cães em toda minha família desde que nasci. Um dia, num almoço de domingo, minhas irmãs me disseram: “ Por quê você não faz um jogo sobre cães?” E eu fiz... (risos)... foi simples assim... Mas claro, o processo todo, da ideia, passando pelo desenvolvimento, playtestes e depois a decisão de publicar pela MS Jogos em 2013, levou cerca de três anos. Hoje seria um pouco mais rápido, com as experiências que adquiri ao longo desses anos, mas naquela época a média de tempo era essa, entre dois e três anos.
A arte de Dogs Card Game foi assinada por Cristina Sena. Como se deu a participação da artista no desenvolvimento do projeto?
A Cristina Sena foi um desses encontros profissionais muito peculiares e produtivos que ocorrem em nossa carreira. Nós trabalhamos intensamente na Arte do Dogs Cardgame durante três meses. Trocamos milhares de mensagens, arquivos e e-mails. Tive com ela uma ótima sinergia que nos permitiu alcançar um bom resultado. Ela é uma ilustradora criativa, inteligente e pró-ativa, aberta a sugestões e adequações durante o processo. Muito provavelmente faremos outros trabalhos juntos num breve futuro.
Seus dois últimos lançamentos trouxeram temas originais e relevantes (Xingu e Dogs Card Game), como é seu processo de construção temática? É levado em consideração o potencial reflexivo/crítico?
Xingu, por tratar de um tema histórico da cultura indígena brasileira, foi talvez dentre os dez títulos da Coleção MS, aquele que exigiu maior tempo de pesquisa. Mas a construção temática ocorre naturalmente durante o processo. Aliás, uma das minhas preocupações é deixar cada jogo o mais temático possível, para facilitar a imersão dos jogadores no universo lúdico que o jogo propõe. Sobre o potencial crítico dos temas trabalhados, prefiro optar sempre pelo entretenimento e pela ludicidade, deixando o aspecto mais realista para outras formas de mídia e conteúdo, embora ocasionalmente temáticas reflexivas possam estar presentes em algumas circunstâncias do jogo.
Você poderia falar um pouco sobre como se deu a pesquisa sobre o tema canino para o desenvolvimento do jogo? Como você considera a importância da temática da proteção aos animais nos jogos de tabuleiro?
Dogs (tanto o boardgame quanto o cardgame), pode ser enquadrado na categoria “Family game”. Confesso que realizei menos pesquisa nele do que no Xingu, por exemplo. O tema “cães” é muito amigável e desperta a empatia da maioria das pessoas. Minha dificuldade foi selecionar as doze raças existentes no jogo, pois há cerca de quatrocentas raças reconhecidas no mundo todo. Falar sobre a importância da proteção e do cuidado com os animais é algo importante e necessário na sociedade atual. Como muitos outros temas também são. Mas tive a felicidade de abordar este conteúdo através daquilo que sei fazer, ou seja, criar e desenvolver jogos de tabuleiro.
O sucesso da campanha de financiamento coletivo de Dogs Card Game foi enorme, podemos esperar novas campanhas deste tipo da MS Jogos?
Sim, claro... sempre digo que todas as opções estão na mesa. Seja uma auto publicação com recursos próprios ou uma campanha de financiamento coletivo. Muitos que acompanham minha carreira sabem, eu nunca havia realizado um FC na vida e essa foi a primeira vez! Por isso busquei formar uma parceria com outra editora, com mais experiência no assunto, e neste caso a união de esforços ocorreu com a Ludens Spirit. Trabalhamos muito e construímos toda a campanha em dois meses. Fico feliz que a gente tenha alcançado um bom resultado e espero ter correspondido às expectativas dos nossos clientes e seguidores.
Deseja deixar alguma mensagem final para os leitores/jogadores?
Meus caros amigos, sou muito grato a vocês, que apoiaram o financiamento coletivo do Dogs Cardgame e nos ajudaram a realizar uma bela campanha. Da mesma forma, agradeço a todos que acompanharam os lançamentos da MS Jogos, sejam os recentes ou mais antigos, pois sem o apoio de vocês nosso catálogo não teria alcançado dez títulos e três expansões em nove anos. Podem aguardar pois estamos trabalhando para trazer novidades em 2021! Grande Abraço a todos e fiquem bem!