Rafael é apresentador do canal De Quem é a Vez, vencedor do Prêmio Ludopedia de mídia áudio visual de 2019. Formado em Ciências da Computação, é professor, ator e apresentador, além de jogador assíduo de ótimos jogos de tabuleiro.
Com o De Quem é a Vez, trouxe um novo folego para o cenário dos jogos de tabuleiro no Brasil, além de conseguir expandir o hobby para mais jogadores. Conduz de forma clara e divertida partidas entre amigos que nos fazem chorar de rir em cada um dos episódios, tornando a experiência ainda mais interessante.
Agora chega de rasgar seda e vamos para o que interessa!
Como começou no hobby dos jogos de tabuleiro?
Meu interesse começou desde pequeno. Era de uma família classe média baixa e os poucos jogos que existiam na época eram caros, mas ficava impressionado com as possibilidades de universos que aqueles jogos proporcionavam: as peças, o colorido, o dinheiro de mentira. Porém, posso dizer que só embarquei nesse hobby de maneira mais objetiva em 2009, quando comprei um Monopoly Deal, que eu adoro, em um supermercado no Chile.
Conta pra gente um pouco da história do projeto De Quem é a Vez?
Vish. Essa é uma resposta longa, mas vou tentar resumir. Eu sempre quis fazer um programa sobre bate-papo, mesmo sabendo que o que mais tem é isso. Primeiro porque gosto de conhecer pessoas, segundo porque gosto de conversar e terceiro porque acho que a galera que conheço e os papos que costumamos ter tendem a ser engraçados e assistíveis. Talvez, todos pensem a mesma coisa, mas prefiro me enganar e ser mais feliz... Nunca havia chegado a um formato que fosse diferente do que já existia, até que em 2010/2011, comecei a pensar em jogar jogos de tabuleiro enquanto conversava. Troquei uma ideia com Ulisses Mattos, super parceiro da comédia e da vida, e chegamos no "Jogando Conversa", um quadro que começou a ser exibido no canal "Alta Cúpula", que tem o Marcelinho lendo contos eróticos. No início, o foco era jogarmos o jogo inteiro e irmos conversando ao longo da partida, mas ficou muito trabalhoso pra editar. Preferimos, por isso, do segundo episódio em diante, a usar as cenas de jogatina de maneira fakeada para servir apenas como ponto de corte entre tópicos das conversas. Com o tempo, começamos a pensar "Pô... podia ter um 'jogando o jogo'.", para suprir a galera que ficava pedindo mais do jogo também. Um amigo em comum, chamado Alexandre Nix, começou a pensar em formatos e propostas em 2013/2014. Nada do que existia no YouTube parecia ser envolvente e descontraído do jeito que gostaríamos, porque não queríamos mais um vídeo de gameplay convencional, até porque nosso intuito sempre foi trazer a galera de fora do hobby para dentro. Queríamos ter mais gente falando sobre o assunto, jogando, fomentando esse mercado, até para termos mais luderias, mais jogos por aqui, etc. Foi aí que ele esbarrou no Tabletop e na ideia de cortar para depoimentos como o que os reality shows já faziam. Ou seja, fizemos o caminho inverso do "Jogando Conversa". Se para deixarmos o papo mais fluido e divertido, cortávamos para uma jogatina, o contrário também seria verdade. Para trazer mais leveza à partida, quebrávamos com uma "conversa". Só que produzir com a qualidade que gostaríamos seria caro. Até porque, para atrair o grande público que precisa ser "convencido" de que assistir um programa com um monte de gente jogando um jogo de tabuleiro pode ser divertido, teríamos que ter uma estética diferenciada. Foi aí que conseguimos uma parceria com a Galápagos para a primeira temporada, lançada apenas em 2015. Porém, Galápagos levou um calote da livraria Cultura e o projeto da segunda temporada foi engavetado. Mas, todos os meses, alguém vinha me falar que adorava o programa e que começou a jogar por causa dele. Isso foi rolando até julho de 2018, quando encontrei um vendedor da área geek, justamente da livraria Cultura, dizendo que hoje em dia estava pensando em trabalhar com isso por conta do programa. Por sorte, a produtora em que trabalho, estava deslanchando e o dono topou ser sócio do meu canal. Começamos a experimentar o relançamento do programa "De Quem é a Vez?", que originalmente, era para ser uma vez por mês, mas que agora é praticamente a programação total do meu canal. Eu posso falar mais, mas é provável que eu já tenha respondido outras perguntas só nessa, então vou parar por aqui, porque como pode ver, não consegui resumir. ; )
O De Quem é a Vez tem um formato parecido com o Tabletop do Wil Wheaton. Foi de lá a inspiração?
Ah sim... com certeza!
Quais tipos de jogos de tabuleiro mais te agradam? Algum jogo queridinho?
Isso varia muito de tempos em tempos. Quando comecei era mais de jogos de galera e de farra, mas hoje em dia curto mais euros. Por isso, Bang!, Jungle Speed, Dobble e Monopoly Deal sempre terão um lugar em meu coração. Porém, meu queridinho é Burgundy e, no momento, estou adorando Concordia.
Como você vê o cenário dos board games no Brasil nessa nova realidade pós pandemia?
Ainda é tudo muito incerto, porque creio que o problema não seja a pandemia e sim nossa economia, que já vinha mal antes dela. Digo isso, pq a crise de 2008 fez rolar um boom na venda de jogos de tabuleiro nos EUA. Ou seja, teoricamente, as pessoas ficarão mais em casa e tentarão gastar menos com atividades caras. A tendência é que se refugiem com seus jogos de tabuleiro e poucas pessoas em ambientes menores. Por outro lado, no caso específico do Brasil, o dólar está disparando e a política externa do Brasil está em frangalhos. E isso é o que mais conta para o custo dele aqui. Essa é uma pergunta que não possui uma resposta fácil e imediata, mas com certeza a política impacta em todos os aspectos de nossas vidas, inclusive no mundo dos jogos de tabuleiro.
Como funciona o processo de seleção dos jogos que você coloca no canal?
Seguimos uma abordagem científica para os jogos que selecionamos na maior parte das vezes. Fazemos isso usando o framework MDA de Hunicke (2004). Ou seja, precisamos/queremos entregar em cada gameplay um vídeo que consiga transmitir claramente os três pilares de um jogo: a mecânica (suas regras e funcionamento previsto), a dinâmica (como os jogadores lidam com o jogo/mecânicas) e a estética (como o jogo nos faz sentir). A parte mais difícil, sem dúvidas é essa última. Isso porque uma coisa é você jogar, outra é assistir alguém jogando. Como proporcionar a mesma emoção e divertimento de quem está ali na mesa para quem está vendo aquilo depois? Essa é a pergunta que me faço sempre que tenho que escolher um jogo para colocar no canal, mesmo os patrocinados. Se eu não chegar a uma resposta, se não houver uma maneira, eu não gravo. Um outro ponto importante é que tenho um plano de longo prazo para o canal. Minha ideia é ir trazendo jogos mais difíceis aos poucos e com o tempo, como a Marvel fez com o seu MCU. Você não começa com o Endgame. Primeiro tem que preparar o terreno com um monte de Homem de Ferro, Thor e Guardiões da Galáxia.
Como é jogar com tantos comediantes juntos? Confesso que por vezes tenho que pausar o vídeo de tanta risada que dou com o Nabote e com o Ed Gama!
Eles são parceiros antigos, então é fácil. Aliás, é até melhor. Embora, uma partida de 1 hora, às vezes, acabe levando duas por conta das piadas e risadas.
A educação é uma pauta constante na sua carreira e postagens. Como você vê a relação dos board games com a educação?
Acho que podemos usá-los não apenas para aprendermos de maneira mais direta, como através de jogos com temáticas como 7 Wonders, Stone Age, El Grande, mas também as sutilezas tangenciais que existem nesse universo, como a paciência de esperar a vez da outra pessoa de fazer sua jogada, saber que pode existir um planejamento de longo prazo, mas que suas ações de curto prazo também afetam o todo, etc.
Você tem muito mais seguidores na sua página pessoal do Instagram do que na página do De Quem é a Vez. Qual a estratégia para trazer mais jogadores para o hobby?
Confesso que redes sociais, de maneira geral, são algo que demandam um tempo grande e que ter paciência para isso é difícil. É diferente de produzir um conteúdo com planejamento prévio e data de lançamento. Você tem que estar ali o tempo inteiro. A própria Thati e Victor que possuem o Instagram do Pino Verde, que é muito bom, por sinal, possuem menos seguidores nele que nos respectivos perfis pessoais. Aliás, eles começaram esse perfil num dia de gravação do "De Quem é a Vez?".
Alguns canais relevantes no cenário dos board games encerraram atividades em 2020. Como você vê a questão do financiamento de projetos culturais no Brasil?
Acho fundamental. E esse é um prognóstico sombrio, infelizmente. Muita gente pede para fazermos vídeos diariamente, mas a galera não tem ideia do quão caro e custoso é para fazer um gameplay lá no canal. Temos uma equipe de 15 pessoas trabalhando para dar vida a um vídeo de 30 minutos por mês. Sem grana, eventualmente, esses programas irão acabar. Por isso, achei tão importante o prêmio da Ludopedia. Mostra um reconhecimento do público que nos faz querer seguir em frente. Mas é importante que todos os canais que produzem conteúdo com qualidade tenham o reconhecimento das editoras também. Sei que a realidade de muitas delas não permite investimentos, mas considero o envio de jogos algo fundamental porque é a matéria-prima básica para o conteúdo dos canais.
Você tem um consultor de jogos na equipe do De Quem é a Vez, mas imagino que você acompanhe algum conteúdo sobre o hobby. Conta ai pra gente, quais canais você indica para o pessoal seguir?
Ah sim... Joshua Kritz, criador do "Sirvam o Rei". Ele é meu consultor e amigo lá da COPPE/UFRJ, está concluindo o mestrado em mecânicas de jogos. Pelo que conversamos, ele não é muito de acompanhar nenhum canal específico, assim como eu. Sei que como dono de um canal parece um contrassenso falar isso, mas sou assim para conteúdo de maneira geral, seja no YouTube, ou qualquer outro lugar. É difícil criar um hábito de assistir muitos canais, ainda mais com a minha rotina normal. Porém, volta e meia quando preciso tirar alguma dúvida de alguma regra ou jogo, esbarro em vídeos do Coelho, ou do Jack, o Rahdo também é um que gosto.
Qual o futuro do De Quem é a Vez? Novos quadros em vista para 2020?
Temos muitos planos, mas vários deles foram adiados, ao menos temporariamente. Estamos sempre borbulhando de ideias para trazer conteúdo da área de uma maneira nova. Agora é torcer para conseguirmos colocar no vídeo logo.
Rafa, foi um prazer contar com você no Cultura Meeple. Parabéns pela conquista em 2019 e desejamos muito sucesso para você e para o projeto!! Esperamos ansiosos pelas risadas infinitas no próximo De Quem é a Vez!
Valeu e até a próxima!